São Paulo, domingo, 19 de novembro de 2000

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ELIO GASPARI



Embaralhado
Pelo menos um ministro do Supremo está convencido de que o vice-governador Geraldo Alckmin não poderá ser candidato à sucessão de Mário Covas em 2002.
Essa certeza deriva do seguinte raciocínio: tendo substituído Covas nos seus dois mandatos, ele se torna inelegível para disputar o cargo de governador, que já ocupou duas vezes.
Alckmin poderá ser candidato, mas terá pelo caminho uma disputa judicial.
O ministro Paulo Renato Souza já informou que está disponível.

Coisa séria
Terminou na quarta-feira a primeira fase de um grande trabalho do secretário de Educação de Minas Gerais, o ex-ministro Murílio Hingel. É a primeira pesquisa do Simave, Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública. Ele aplicou provas de matemática e de português em 3.000 escolas, cobrindo todos os 700 mil alunos da rede estadual. Seus resultados serão conhecidos em janeiro.
Como ministro da Educação de Itamar Franco, Hingel consolidou o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), que agora está na fase de polimento das tabulações de sua quinta rodada. Ao contrário do Simave, ele trabalha com uma amostragem. (Em 1996, numa primeira tabulação, apareceu um vício de amostra que colocou o Piauí em primeiro lugar na proficiência escolar.)
Nos últimos seis anos o Saeb indicou ligeiras melhoras na qualidade do ensino básico. Afora uma monstruosidade cometida em 1996, quando os resultados estaduais foram fundidos em regiões geográficas, misturando o serviço competente do mineiro Eduardo Azeredo com o desastre do fluminense Marcello Alencar, os indicadores do Saeb são uma medida da qualidade (e do futuro) da educação nacional.
Ainda não há indicações que permitam prever o que dirão os resultados do último teste, aplicado há poucos meses.

A sangue quente
O jornalista Sérgio Gomes, grande amigo do sanitarista David Capistrano, ex-prefeito de Santos, inovou o acervo das desforras cruéis. Durante anos acompanhou as disputas burocráticas que desembocaram na saída de Capistrano da direção do programa Qualis, do Ministério da Saúde. Ele tivera uma má relação com o médico José Carlos Seixas, ex-secretário-executivo do ministério e atual assessor da secretaria de São Paulo.
Gomes, que chegara a se oferecer como doador de uma parte do seu fígado para salvar a vida do amigo, soube da morte de Capistrano no meio da noite. Sua primeira providência foi ligar para Seixas:
- Tenho uma boa notícia para você. O David Capistrano está morto.

A Abin precisa de inteligência


O general Alberto Cardoso pretende demonstrar que sua Abin não é uma reedição do SNI. Se isso dependesse apenas do estilo de seu criador, o SNI também não teria virado o que virou: "Um monstro", segundo o general Golbery do Couto e Silva, que o concebeu.
Está estabelecido que a Abin pesquisou a legalidade e a conveniência da reversão, para a Viúva, das milhagens aéreas acumuladas pelos funcionários públicos que viajam de avião. Fez isso sem grampear vivalma ou xeretar a vida alheia. Esqueceu-se apenas de fazer uma pergunta: o que é que a Abin tem a ver com milhagem de companhias aéreas? Nada.
É possível que o confisco da milhagem dos funcionários seja legal, mas sem dúvida ofende o conceito da bonificação. Ela se destina a incentivar a opção dos passageiros, não a das empresas para as quais eles trabalham. Ademais, as empresas que respeitam os funcionários raramente se metem em mesquinharias desse tipo. Elas (como o governo) negociam seus próprios descontos.
Admitindo-se que o confisco seja legal, salta aos olhos que esse tipo de tarefa nada tem a ver com uma Agência Brasileira de Inteligência.
À época em que os burocratas do SNI julgavam-se muito inteligentes, tiveram a idéia de raspar o ouro de serra Pelada para cobrir o rombo das divisas nacionais. O metal vinha para o Rio, era cunhado pela Casa da Moeda e mandado em vôos noturnos (sem direito a milhagem) para Nova York. Na hora em que o jato pousava no aeroporto Kennedy, um funcionário do banco Morgan telefonava para a sede, e o Brasil começava o dia com alguns milhões de dólares em caixa. Ao fim da tarde, eles iam embora, sacados por uma crise de confiança muito mais inteligente do que a manobra do SNI.
Passou o tempo e um dos banqueiros metidos no negócio calculou que o Morgan ganhou US$ 25 milhões para vigiar as decolagens e pousos do ouro.
Para propor que o governo capture a milhagem dos funcionários que viajam a serviço, a Abin, ou qualquer outro cidadão, deve apenas sugerir ao doutor Pedro Parente, chefe da Casa Civil, que pense no assunto. O resto é coisa de quem não tem o que fazer.

A passagem de Ho Chi Minh pelo Rio


Acaba de sair nos Estados Unidos a primeira grande biografia de Ho Chi Minh, o refundador do Vietnã, comunista mirrado que andava de sandálias e, quando tomou o poder, foi morar na casa do jardineiro do palácio. O autor, William Duiker, serviu na embaixada americana em Saigon nos anos 60 e consumiu os 30 seguintes pesquisando a vida desse personagem fascinante. Correu atrás de um enigma. Ho Chi Minh atravessou 79 anos de vida com 50 nomes diferentes, derrotou os exércitos da França e dos Estados Unidos e cultivou um apetite pela construção de um mistério em torno de si. Levou isso à perfeição. Escreveu duas biografias de si próprio, com outros nomes, e arrematou o trabalho com uma autobiografia.
O livro, intitulado "Ho Chi Minh, Uma Vida" (Ho Chi Minh - A Life), esclarece uma curiosidade da história da esquerda latino-americana. Ho Chi Minh passou pela Argentina e pelo Brasil, como embarcadiço, ajudando na cozinha de um navio.
Duiker conta que o marinheiro Nguyen Tat Thanh (seu nome à época) passou pelas Américas entre o final de 1911 e o início de 1914. Veio no navio francês Amiral Latouche-Treville. Com pouco mais de 20 anos, era um esquerdista solitário. Nos anos seguintes viveu na França, na Ásia e na Rússia, sem atravessar novamente o Atlântico.
O biógrafo aceita uma das passagens mais pitorescas da vida de Ho. Depois de sua viagem pelas Américas lavou pratos na cozinha no hotel Carlton de Londres. Tinha como chefe o legendário Auguste Escoffier (1846-1935), o pai da moderna cozinha francesa. Escoffier celebrizou-se por duas razões. Na primeira, de longe a mais importante, por ter criado o Pêches Melba (pêssegos com sorvete de baunilha e creme de framboesa). Na segunda, porque promoveu aquele lavador de pratos vietnamita. Segundo Ho, a confeiteiro. Segundo um biógrafo do chef, a preparador de legumes.

FFHH é um "improvável"?


Eremildo é um idiota. Ele acha que caixa-dois e duas caixas querem dizer a mesma coisa. Por conta disso, sustenta que a oposição foi tomada por um momento de cretinismo ao denunciar irregularidades na contabilidade da campanha de FFHH em 1998. Basta um desses catastrofistas neobobos tentar carregar R$ 43 milhões (ou R$ 53,1 milhões) numa só mala para que perceba a conveniência de uma segunda caixa.
Por idiota, Eremildo não entendeu o que disse o líder do governo no Congresso, deputado Arthur Virgílio.
Ele disse o seguinte:
"Vamos acabar com mocinhos pré-fabricados e com bandidos preconcebidos. Neste país, caixa-um é improvável. A maioria das campanhas tem caixa-dois e outras têm caixa-zero, são subfaturadas".
Eremildo ficou com a impressão de que, com duas frases, o deputado tenha chamado FFHH de "improvável" e de "mocinho pré-fabricado". Afinal, ele nega a existência de um caixa-dois nas suas campanhas. Ou não?

O risco do pandemônio imobiliário


Encrencou-se uma das mais bonitas idéias de desestatização em curso na burocracia federal. É a da avaliação e venda de 11 mil imóveis localizados no Rio e em São Paulo, estocados no patrimônio da União. Tem de tudo, terrenos em Búzios, pedaço de praia na ilha da Jipóia, em Angra, centro espírita na Baixada Fluminense e imóveis em Alphaville.
A licitação para a escolha da empresa que conduziria todas essas transações ficou a cargo do BNDES e começou em março. Desde então, foi bombardeada por quatro mandados de segurança, que resultaram em outras tantas liminares. Viu-se acusada de imperfeições na qualificação dos candidatos e de maus critérios na pontuação das propostas. Uma empresa apresentou como um dos exemplos de sua experiência a realização de serviço semelhante para o governo peruano. Ganhou uma concorrência para vender 1.600 imóveis, selecionou 400 e vendeu 19, coletando US$ 1 milhão. Em seu benefício, prova que o processo foi interrompido pelo governo, que lhe passou atestado de competência e boa conduta.
Em nome da prudência, o Tribunal de Contas da União, que já determinara providências corretivas ao BNDES, resolveu suspender provisoriamente a concorrência. Quer ouvir o presidente do banco, Francisco Gros, porque julgou "procedentes" (...) "as argumentações contra a falta de objetividade de critérios de pontuação" das propostas técnicas.
Se fosse a venda de uma Light, o BNDES poderia tocar em frente (como tocou). Tratando-se de tamanho patrimônio imobiliário, o banco corre o risco de transformar o patrimônio da União em pandemônio judicial.



ENTREVISTA

Eduardo Suplicy


(59 anos, senador, pré-candidato a presidente da República pelo PT)
Nos seus 20 anos de militância no PT, tendo sido candidato em quatro eleições majoritárias, o senhor nunca viu um cheque de caixa-dois?
Em centenas de ocasiões os candidatos do PT arrecadaram recursos em reuniões abertas, por meio de coletas públicas. Cada um deu o que quis, em geral poucos reais, sem a formalidade da identificação. Lula popularizou o "cofrinho". Nas nossas campanhas, como na da Marta, os candidatos sempre deixaram as finanças a cargo do partido. Assim foi nas minhas quatro disputas. Não sou a melhor fonte para falar desse assunto, ainda que seja o responsável legal pela origem dos recursos. Quanto a isso a lei é clara, tanto para o presidente Fernando Henrique Cardoso quanto para mim e todos os outros candidatos. A meu ver, precisamos discutir uma completa reforma do sistema de financiamento das campanhas. Na próxima terça-feira, apresentarei uma proposta ao Senado nesse sentido.
O que o senhor propõe?
A idéia geral é fazer com que todas as despesas corram por conta de um financiamento público e que nada se possa gastar fora disso. Resta a questão da partilha dos recursos. Atualmente, pensa-se em fazer isso seguindo a proporcionalidade das bancadas na Câmara. Assim, por exemplo, o PT teria pouco mais de 10%. Sabendo-se que a eleição passada teve os vícios conhecidos, esse sistema corre o risco de construir uma casa sobre maus alicerces. Eu proponho que, de agora em diante, os cidadãos sejam chamados no primeiro semestre do ano eleitoral para decidir como o dinheiro deve ser dividido. Eles vão a uma eleição e votam no partido para o qual desejam destinar os fundos públicos. Cada partido terá recursos proporcionais ao seu desempenho nessa votação. Devemos decidir também o tamanho do fundo de financiamento das campanhas. Se pensarmos em R$ 3 por eleitor, ficaríamos em R$ 330 milhões. O essencial é criarmos um sistema pelo qual nada se gaste além disso. Minha proposta deriva de uma idéia do professor Bruce Ackerman, da Universidade Harvard. Ele está sugerindo que cada eleitor americano receba um cupom no valor de US$ 50.
Há uma diferença entre as duas propostas. Ackerman sugere que o dinheiro vá para o eleitor. O senhor sugere que ele vá para os partidos. Sua proposta pode anarquizar o sistema eleitoral. Como é que um partido decidirá onde coloca o dinheiro?
Não creio que anarquize. Pelo contrário. Fortalece os partidos. Atualmente o PT divide democraticamente os recursos do Fundo Partidário. A minha proposta dá aos eleitores a possibilidade de julgar o desempenho dos partidos antes da eleição nominal. Num só voto ele julga os partidos nos três níveis, o federal, o estadual e o municipal. Tornando-se rotineiro, esse mecanismo de financiamento obriga os partidos a fortalecerem suas estruturas. Acima de tudo, dá aos cidadãos a certeza de que as eleições são financiadas de forma transparente, com os recursos partilhados de acordo sua vontade.

Fogo inédito
FFHH ouviu na semana passada uma das mais duras catilinárias já feitas contra a política econômica de seu governo. Veio do PSDB e o ministro José Serra nem sabe que ela aconteceu.


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