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CONTAS DA REELEIÇÃO
Planilha da primeira eleição do presidente mostra que pelo menos R$ 8 milhões tampouco foram declarados à Justiça Eleitoral
Comitê de FHC omitiu doações em 1994
ANDRÉA MICHAEL
WLADIMIR GRAMACHO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A campanha eleitoral que elegeu o presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1994, também
movimentou recursos por meio
de um caixa-dois.
Uma planilha eletrônica da sua
primeira eleição à Presidência
mostra que pelo menos R$ 8 milhões deixaram de ser declarados
ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na ocasião, o que é ilegal.
Há uma semana, a Folha revelou, com base em documentos sigilosos do comitê financeiro de
Fernando Henrique Cardoso, que
a campanha da reeleição, em
1998, recebeu no mínimo R$
10,120 milhões em doações carreadas para uma contabilidade
paralela. Os recursos não declarados à Justiça Eleitoral estão descritos em 34 registros existentes
na principal planilha. Eles indicam que o comitê de FHC recebeu
pelo menos R$ 53,120 milhões
-mais do que os R$ 43 milhões
declarados oficialmente ao TSE.
Agora, uma nova planilha informa que esse expediente não era
novidade no comitê tucano. Uma
extensa lista com quase 300 empresas relaciona 53 nomes de doadores cujas contribuições não foram incluídas na prestação de
contas entregue ao TSE. Somados, esses colaboradores deram
R$ 8 milhões para o caixa-dois da
campanha de Fernando Henrique
Cardoso em 1994.
O número pode ser conservador. Um anexo da planilha demonstra que a escrituração paralela pode ter sido bem maior.
Atualizada pela última vez no dia
30 de agosto de 1994, a planilha
traz nesse anexo uma tabela que
apresenta o seguinte título: "Conta-Corrente Campanha".
Trata-se de um extrato simplificado que sugere o ingresso de R$
72 milhões no caixa do comitê.
Não há número de conta nem nome de banco. Apenas registros sucintos de créditos e débitos. Ao
Tribunal Superior Eleitoral, o comitê de 1994 informou ter recebido R$ 33,6 milhões.
Bresser Pereira
O autor do arquivo, segundo registro eletrônico, é novamente o
ex-ministro Luiz Carlos Bresser
Pereira (Administração e Ciência
e Tecnologia), tesoureiro nas duas
campanhas presidenciais de FHC.
Procurado pela Folha, Bresser negou a autoria da planilha.
"Quem deve ser capaz de responder às perguntas sobre uma
planilha de 1994 é quem participou das duas campanhas, teve
acesso às planilhas que fiz inicialmente e as utilizou para um controle adicional, que atendesse às
suas necessidades. O que não entendo é por que ou para que fez isso", escreveu Bresser Pereira,
num e-mail enviado ao jornal na
última quarta-feira.
Dois dias depois, na sexta-feira,
outro ex-ministro de Fernando
Henrique Cardoso aceitou falar
sobre o assunto. Durante três horas, José Eduardo Andrade Vieira,
também ex-banqueiro (Bamerindus) e ex-senador (1991-1999),
prestou depoimento ao Ministério Público, em Londrina, e confirmou o uso de um caixa-dois na
campanha presidencial de 1994.
Ao explicar o funcionamento da
arrecadação de fundos, naquela
eleição, Andrade Vieira disse:
"Quando o empresário ou colaborador não deseja aparecer, para
permanecer no anonimato, contribui com recursos financeiros
em espécie para a campanha eleitoral", declarou.
Afirmou que "o candidato Fernando Henrique Cardoso acompanhava pessoalmente o volume
de recursos financeiros arrecadados na campanha de 1994". O ex-ministro confirmava, num depoimento formal, o que vinha dizendo à Folha, nos últimos três meses, em sucessivas conversas.
Dinheiro clandestino
Numa delas, ainda em agosto,
Andrade Vieira disse, num telefonema gravado, que ele próprio
acompanhou um de seus executivos -João Elísio Ferraz de Campos, então presidente da Bamerindus Seguradora- numa entrega de dinheiro clandestino ao
comitê.
Folha - Como era o sistema de arrecadação de fundos, em 1994?
José Eduardo de Andrade Vieira -
Eu sei que o João Elísio -algumas vezes eu até fui junto com ele,
duas ou três- foi levar dinheiro
para o Eduardo Jorge. Também
não me lembro quanto, mas não
eram R$ 10 mil, R$ 20 mil.
Folha - Dinheiro vivo ou cheque?
Andrade Vieira - Dinheiro vivo.
Folha - Isso ocorreu durante a
campanha?
Andrade Vieira - Na campanha.
Folha - Era dinheiro para a campanha?
Andrade Vieira -É... É difícil de a
gente saber.
Folha - E esse dinheiro, o João Elísio arrecadava onde?
Andrade Vieira - Junto às seguradoras. Isso acontecia lá no Rio.
O ex-ministro explicava, aqui,
como operavam os colaboradores
que preferiam o anonimato. Andrade Vieira disse à Folha ter documentos que comprovam suas
informações. E a interlocutores
próximos afirmou estar disposto
a entregar o que puder ao Ministério Público.
Ao saber que havia sido citado
por Andrade Vieira como portador de dinheiro para o caixa-dois,
João Elísio Ferraz de Campos negou a ocorrência desses episódios.
Afirmou que, em 1994, apenas
coordenou o comitê político de
Fernando Henrique Cardoso no
Paraná, sem funções financeiras.
"O José Eduardo está louco. Eu
nunca levei dinheiro na mala para
ninguém. E, se as seguradoras deram, não foi por meu intermédio", afirmou Ferraz de Campos,
que hoje preside a Federação Nacional das Seguradoras (Fenaseg)
e o diretório do PFL-PR.
Andrade Vieira falou genericamente sobre um expediente que a
planilha de 1994 revela ter sido comum. Há inscrições no documento da primeira campanha
que indicam burlas à regra de utilização de bônus eleitorais para a
comprovação de contribuições.
Ao lado de uma doação de R$
200 mil, atribuída à Amil, aparece
a seguinte inscrição: "200 sem b".
Por "b", entenda-se "bônus", que
marcam praticamente todas as
doações da planilha que estão no
TSE, reunidas na coluna "R-B".
Outro indicativo de caixa-dois
na planilha: nela está registrado
que o Pão de Açúcar, do empresário Abílio Diniz, doou R$ 200 mil
à campanha de 1994.
Contatado pela Folha, o grupo,
cuja razão social é Cia. Brasileira
de Distribuição, enviou nota confirmando ter doado em UFIRs
358.540,61 (equivalente hoje a R$
380 mil) para a campanha. Mas
não há registro da doação no Tribunal Superior Eleitoral.
Quando havia necessidade de
declarar o recurso à Justiça Eleitoral, a contabilidade da campanha
era explícita. Segundo o documento, o Banco Pactual se comprometeu com doação de R$ 100
mil, mas foi preciso anotar: "Vai
dar via bônus".
Essa contribuição, porém, não
está no TSE. Ou o banco desistiu
de doar, ou mudou de idéia em
relação aos bônus. Citado como
contato na instituição, o empresário Jorge Paulo Lemann (grafado
como Lheman na planilha) não
foi localizado pela Folha na semana passada.
Outros registros reforçam a veracidade da planilha. O empresário Eike Batista, por exemplo, é citado ao lado de uma doação de R$
60 mil, registrada na coluna "R-B", ou recebidos com bônus eleitorais. De fato, duas de suas empresas contribuíram para a campanha: a TVX Participações (R$
50 mil) e a EBX participações (R$
10 mil). E isso está no TSE.
Há outros registros ainda mais
detalhados. A planilha informa
que o Banco Boavista doaria R$
150 mil em duas oportunidades.
Tal e qual a declaração ao TSE.
O hoje ministro Andrea Matarazzo (Secretaria de Comunicação) também é citado na planilha
de 1994. Seu nome está associado
a cinco doadores, para os quais teria organizado jantares. Exatamente a mesma tarefa que Matarazzo diz ter realizado em 1998,
quando teria arrecadado R$ 3 milhões para o caixa-dois da reeleição, segundo planilhas secretas
do comitê financeiro.
Colaboraram RAQUEL ULHÔA e OTAVIO CABRAL, da Sucursal de Brasília
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