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ENTREVISTA
Presidente volta a defender parlamentarismo e diz que não se aproveitaria de uma mudança de regime
FHC quer deixar a política em 2003
ELIANE CANTANHÊDE
Diretora da Sucursal de Brasília
VALDO CRUZ
Diretor-executivo da Sucursal de Brasília
Quando terminar seu segundo
mandato na Presidência da República, em 2003, Fernando Henrique Cardoso quer abandonar a
vida política e voltar a atuar apenas como um intelectual.
"Pretendo estar com meus livros, escrevendo, em Ibiúna",
disse ele em entrevista à Folha,
durante duas horas, sexta-feira de
manhã, na biblioteca do Palácio
da Alvorada. Referia-se a seu sítio
em Ibiúna, interior de São Paulo.
FHC se julga com uma vantagem sobre seus antecessores: "Eu
tenho "background" acadêmico
forte, outros não têm. Então, outros terão mais dificuldade para
sair da vida política. No meu caso,
se eu estiver vivo, quem sabe, preferirei estar cuidando da vida intelectual".
Ao defender a implantação do
parlamentarismo, ressalvou que
não pretende se aproveitar dele
para uma terceira rodada na Presidência e condicionou a mudança de sistema de governo a um
plebiscito.
Apesar da crise envolvendo o
Ministério da Defesa, que culminou com a demissão do comandante Walter Bräuer (Aeronáutica) naquele mesmo dia, estava de
bom humor.
Depois de interromper a entrevista pela única vez para atender
um telefonema, ele comemorou
com um largo sorriso: "O dólar
caiu para R$ 1,8190". No final do
dia, devia estar ainda mais aliviado, pois o dólar fechou cotado a
R$ 1,809.
A seguir, os principais trechos
da entrevista:
Folha - Existe uma crise na
área militar, especificamente na
Aeronáutica?
FHC - Não existe nada disso.
Folha - A Aeronáutica resiste,
por exemplo, à criação da Agência Nacional de Aviação Civil, a
única agência que ainda não
saiu. Vai sair?
FHC - Vai sair, do jeito que eu faço as coisas, sem aprofundar crises.
Folha - Como o sr. viu as críticas do comandante Walter
Bräuer ao ministro da Defesa,
Elcio Alvares?
FHC - Requisitei a cópia das fitas
com a íntegra da entrevista do comandante. Preciso analisar o contexto todo. Não posso avaliar frases isoladas, fora de contexto (o
presidente acabou, no final do
dia, demitindo o militar).
Folha - Como foi 1999 para o
sr., do ponto de vista pessoal,
político e do presidente?
FHC - Foi um ano difícil. No início, poderia ter voltado a inflação,
uma explosão de preços, o empobrecimento das populações mais
pobres, que era o que mais me
preocupava. Mas os prognósticos
negativos, que tinham até uma
certa base, não se confirmaram.
Com certeza, o final do ano foi
muito melhor do que o previsto.
Folha - E do ponto de vista político?
FHC - Vocês se lembram do início do ano. Parecia que o mundo
estava vindo abaixo. Haveria crise
com os governadores, o Congresso não iria votar o que o governo
queria, o governo estava fraco...
Folha - Que o senador Antonio
Carlos Magalhães iria se rebelar...
FHC - Ele só, não. Todos eles
iriam se rebelar. Só não sei contra
o quê. Mas nós não cedemos no
ajuste fiscal, todos os Estados estão cumprindo seus planos de
ajuste, e o governo também entendeu a crise dos Estados e fez o
que foi possível fazer.
Folha - As medidas provisórias
não são um poder do Executivo
sobre o Congresso?
FHC - É um instrumento típico
do parlamentarismo, onde o
Congresso é responsável também
pela administração. Certas decisões exigem realmente rapidez.
Que têm de ter validade imediata.
Eu não sou favorável à forma
atual das medidas provisórias. Eu
continuo achando que as MPs
têm de ser regulamentadas.
Folha - O problema não foi
que as MPs deveriam ser editadas em casos de exceção, mas
acabaram virando regra?
FHC - Não, não é isso. Há uma
outra coisa. Como a Constituição
é parlamentarista, boa parte das
atribuições normais do Executivo
viraram lei, boa parte que deveria
ser decreto, virou lei. A maior parte das MPs é de medidas administrativas, que não precisavam ser
lei, como criação de cargos, modificação de estrutura administrativa. Deveriam devolver ao Executivo o que lhe é próprio. Eu seria o
último a invadir a esfera do Legislativo, ou desrespeitá-lo.
Acho razoável que se regulamentem as medidas provisórias.
Eu não quero braço-de-ferro com
o Congresso, por mais que o Antonio Carlos queira. Como eu não
sou autoritário, eu não quero entrar nesse jogo. Quem ganha?
Quem perde é o Brasil.
Folha - Mas o ACM adora isso.
FHC - Mas eu não gosto, porque
o Brasil perde com esse jogo.
Acho que, para mudar as MPs, é
preciso também pensar na administração do país, senão eu não terei como resolver questões reais
do país. Isso é questão política ou
é pensar na governabilidade? E isso não é para mim, é para o país.
Daqui a três anos, eu não serei
presidente.
Folha - Nem sob o parlamentarismo?
FHC - Não, não. Podem escrever. Nem no parlamentarismo
nem em nada.
Folha - Qual sua opinião sobre
a anistia a multas eleitorais?
FHC - Está nas minhas mãos e
vou decidir até o dia 28. Eu não
vejo o projeto com simpatia, mas
preciso ouvir antes os argumentos, saber se há precedentes, se há
base jurídica, qual é o efeito.
Folha - Mas a questão não é
muito mais política do que técnica, jurídica?
FHC - Não sei... Eu entendo
pouco de política. Não é o que dizem?
Folha - O parlamentarismo é a
solução para o país?
FHC - Nós temos um sistema
político-institucional que ficou
entre a cruz e a caldeirinha, nem
bem é parlamentarista nem bem é
presidencialista. Eu sou parlamentarista, mas acho difícil implantá-lo sem ouvir o povo. Eu
nunca falei de parlamentarismo
por causa do resultado (contrário) do plebiscito (de 1992), e também para não virem de novo com
essa história de ""o presidente
quer ficar, quer arranjar um primeiro-ministro".
Folha - O sr. está convencido
de que o Brasil tem condições
de adotar o regime e que vai ser
bom para o país?
FHC - Sim, eu acho.
Folha - Em que período? Já?
FHC - Depende do plebiscito, do
povo. Não é fácil.
Folha - O seu governo pode fazer a proposição?
FHC - Poder, pode. Não sei se é o
caso, porque é um movimento
muito mais amplo do que de um
governo, de um partido.
Folha - Pode parecer um golpe?
FHC - Pode parecer, sim.
Folha - Tem gente que defende uma solução parlamentarista
para o caso de o governo FHC
não acabar tão bem como se
imaginava.
FHC - Aí, não. Isso é coisa dos
fracassomaníacos. Seria uma tragédia para o parlamentarismo. O
que nós temos de pensar é o que é
melhor para o país funcionar bem
institucionalmente. Até porque o
governo vai terminar bem.
Folha - Qual seria a grande
vantagem do parlamentarismo?
FHC - Tornar o Congresso partícipe efetivo do governo, mas é
preciso haver muitas mudanças.
Mudanças na Lei dos Partidos,
por exemplo. Eu sou a favor do
voto distrital misto, fidelidade
partidária, cláusula de barreira. Se
não, você não faz o parlamentarismo, faz o caciquismo parlamentar.
Folha - Tem gente que vai
adorar...
FHC - Não eu.
Folha - No início, só o PSDB
era parlamentarista. Mas, agora, a cúpula do PFL também é,
muita gente na cúpula do PMDB
também. A idéia está se alastrando. Todo mundo desconfia
que tem o dedo do governo.
FHC - O meu dedo não está nisso.
Folha - Presidente, quais são
as perspectivas para 2000?
FHC - Eu vejo como boas, apesar
de a gente nunca saber exatamente o que vai acontecer. No início
do ano, eram ruins. No final, a
economia está indo razoavelmente bem. Hoje, não depende tanto
de nós. Depende do que acontece
no mundo. A globalização amarrou as mãos. Só que a economia
está globalizada, e a política, não.
Você tem efeitos inesperados, ou
positivos ou negativos, e sempre
vão atribuir ao governo. Eu vou
fazer o possível e o impossível para que o piso de crescimento seja
de 4%. Mas não é uma previsão.
Não dá para ter previsão, para vir
com ""palpitômetro".
Folha - O que é ""o possível e o
impossível"?
FHC - É manter o equilíbrio nos
juros, no câmbio, é fazer as reformas andarem. Mas também é
preciso parar com essa história do
mercado de que ou faz tal reforma
ou o Brasil pára. Pára nada.
Folha - O mercado, vira e mexe, solta o boato de que o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, vai acabar sendo ministro da Fazenda. Vai?
FHC - Não é por enquanto, nem
nunca. Ele tem tranquilidade para
ver as coisas, não tem essa ansiedade. Gosto muito de trabalhar
com ele, ele é ""easy going" (de fácil trato).
Folha - O sr. corre o risco de
terminar seu governo com as
mesmas críticas na área social?
FHC - Mas vai ser sempre, porque é ideológica. Quando você faz
a comparação, vê que há progressos. Nunca se evoluiu tanto na
educação, por exemplo.
Folha - O sr. arrisca fazer o
perfil de quem deve ser o seu
sucessor?
FHC - Para governar o Brasil,
você tem de ter determinação e
também compreensão, tolerância
para a diversidade. No ano passado eu ganhei a eleição com maioria absoluta, e hoje eu estou com
baixa popularidade. E caiu por
uma razão objetiva, pela questão
econômica. Eu não sou iluso, como eu não gosto da coisa carismática, isso não é democrático, eu
nunca quis ser líder carismático,
eu nunca fui vendedor de ilusões,
não é meu estilo. Isso pode acontecer? Pode. Quantas vezes o Brasil colocou gente desse estilo no
governo? Mas agora eu pergunto
se deu certo. Conseguiram fazer
as mudanças que eu estou fazendo? Conseguiram avançar no social como eu estou avançando?
Folha - Em 2003, depois do
seu segundo mandato, o que o
sr. pretende fazer?
FHC - Se possível, no Brasil.
Bom, pretendo estar com meus livros, escrevendo, em Ibiúna.
Folha - Mas o sr. tem algum
plano de continuar influenciando na vida política nacional?
FHC - Não num plano institucional, conjuntural. Eu acho que
quem foi presidente, se eu tiver sido presidente oito anos, ter influenciado a política anterior em
outros dois anos (governo Itamar
Franco), são dez anos. Eu acho
que é tempo bastante para você
ter feito o que pôde, não o que
quis, certamente, mas o que pôde.
Não ter a pretensão de ser juiz dos
outros nem de si próprio.
Isso é a história que vai dizer.
Claro que, se você olhar, eu sou
velho o suficiente para isso, no
tempo do Getúlio era só pau nele.
As elites tinham horror a ele. Juscelino, a mesma coisa. Jango
(João Goulart), nem se fala. Jânio
(Quadros), nem tanto. Depois,
você olha a história, foi um pouquinho diferente. Então, a gente
tem de ter humildade. Deixar que
os outros julguem o que se fez.
A gente tem de ter noção de sua
época, de seu limite. Não quero
também julgar os outros, cada
um faz como quer. Eu tenho
""background" acadêmico forte,
outros não têm. Então, os outros
terão mais dificuldade para sair
da vida política. No meu caso, eu
não quero generalizar, se eu estiver vivo, quem sabe, eu preferirei
estar cuidando da vida intelectual.
Folha - Quando o sr. for embora para casa, o sr. vai ter um prazer íntimo de não receber algumas figuras que hoje é obrigado
a receber?
FHC - Qualquer pessoa que vai
embora para casa tem esse prazer.
Mas também terei saudades de
outros que eu não vou ver com
tanta frequência.
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