São Paulo, Domingo, 19 de Dezembro de 1999


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ELIO GASPARI

Ao sonegador, juros chapa branca. Aos Lemes, a lei


Quando a Fiesp se mexe, as empresas que deixaram de pagar impostos conseguem uma medida provisória que lhes escalona as dívidas pela taxa de juros chapa branca (a TJLP), de 12% ao ano. Quando a choldra resolve pegar dinheiro emprestado num banco para quitar sua conta com o Fisco, tem que pagar 25% pelo mesmo dinheiro.
Uma MP como essa deve ter sua lógica e doutores capazes de expô-la a outros doutores que ganham o dinheiro da Viúva para servir ao Estado. Quando os doutores convincentes se reúnem com os doutores compreensivos, consertam aquilo que julgam irracional nas leis do país. Na semana passada, os interesses dos sonegadores foram defendidos por boa parte da bancada governista no Congresso.
Seria o caso desse pessoal ir a Taguatinga, nas cercanias de Brasília, para conhecer o tipo de relação que o Estado tem com Jaider Lopes dos Reis Lemes.
Trata-se de um cidadão inválido, incapacitado para o trabalho. Em 1997, sua mãe requereu ao INSS que lhe desse o benefício de um salário mínimo mensal (R$ 120, à época do início do processo). A lei dá esse caraminguá aos inválidos desde que a renda per capita de sua família não exceda 25% do salário mínimo (R$ 30, no salário de então). Em três anos, esse benefício já chegou a cerca de 1 milhão de inválidos e idosos. Neste ano custou R$ 1,5 bilhão.
Quando o processo de Jaider foi iniciado, seu pai ganhava R$ 169,20. As bocas em sua casa eram cinco. O posto do INSS de Taguatinga fez a conta, e verificou que o inválido não podia receber o benefício porque a renda per capita de sua família (R$ 33,84) excedia em R$ 3,84 o teto legal.
A mãe de Jaider, Vanilda Lemes, bateu à porta da 5ª Junta de Recursos da Previdência, argumentando que a diferença era irrisória. Deram-lhe razão. A Procuradoria do INSS de Brasília concordou com a Junta. Entendeu que os R$ 3,84 por cabeça (R$ 19,20, no conjunto da renda familiar) não faziam tanta diferença, uma vez que "a lei deve atender à sua finalidade social e ao bem comum".
Jaider poderia receber seu dinheiro, mas como o Estado brasileiro funciona dentro de normas estritas, a Divisão de Recursos e Benefícios do Ministério da Previdência discordou do curso tomado pelo processo e oficiou à Procuradoria Geral, sustentando que o benefício não deveria ser pago. A Procuradoria concordou, e o caso foi remetido à 2ª Coordenadoria de Consultoria Jurídica do ministério.
Lá, a coordenadora Denise de Freitas André estudou o caso e concluiu que a renda dos Lemes os colocava numa faixa da sociedade que, de acordo com a lei, não podia receber o benefício. A respeito de uma família de cinco pessoas (uma das quais inválida) que vive com R$ 169,20, ela escreveu o seguinte:
"A família do autor (...) não é uma família miserável, ou seja, incapaz de prover a manutenção de pessoa portadora de deficiência (...)."
Essa decisão foi endossada pelos doutores Antonio Glaucius de Morais (coordenador-geral de Direito Previdenciário) e José Bonifácio Borges de Andrada (consultor jurídico do ministério).
(Os procuradores da Previdência são remunerados entre um piso de R$ 4.483 e um teto de R$ 5.243, com direito a aposentadoria com vencimentos integrais.)
Não adianta ficar com raiva da trinca. Eles são pagos para fazer cumprir a lei, e ela manda que Jaider fique sem o benefício. Nada fizeram de errado. Basearam-se no descortínio que a natureza lhes deu e nas leis que o Estado faz para o andar de baixo.
Essa lei (8.742, de 1993) é demente.
É demente porque cria situações como a da família Lemes. Seu pai estourou o teto por ganhar R$ 19,20 a mais do que devia. Se tivesse pedido ao seu empregador que lhe subtraísse essa quantia do salário, ficaria com R$ 150 mensais e teria ganho o benefício de R$ 120. A renda de sua casa teria subido para R$ 270, permitindo-lhe cuidar do filho inválido.
Haveria solução?
Os neurônios de um sapo seriam suficientes para que a burocracia da Previdência Social propusesse uma mudança que racionalizasse a lei 8.742. Para emendar a Constituição, tungando aposentados, essa burocracia tem a capacidade de cálculo do físico Stephen Hawking.
Quando a renda per capita ultrapassar os 25% do salário mínimo, pode-se subtrair o excedente ao valor do benefício. (Se os R$ 19,20 dos Lemes fossem descontados, o benefício teria ficado em R$ 100,80.)
Esse sistema não beneficiaria famílias com caixa alta, nem sequer média. A partir de uma renda per capita equivalente a 50% do salário mínimo (R$ 68,00 em dinheiro de hoje) o desconto seria maior que o benefício.
Dois exemplos:
1) A família de um procurador que ganha R$ 4.000 e tem cinco bocas: sua renda per capita é de R$ 800. Se requeresse o benefício, levaria R$ 136, mas teria que repassar à Viúva R$ 3.864. Mau negócio.
2) Uma família de cinco pessoas, com um inválido a bordo e renda per capita de R$ 50 (R$ 16 acima do teto legal): Requerendo o benefício, teria que descontar R$ 80. Ganharia R$ 56 mensais.
Essa fórmula gera despesas. Se for do desagrado da ekipekonômica, ela pode criar a escala que bem entenda. Uma boa calculadora resolve o problema matemático.
É com histórias como essa que FFHH está destruindo seu governo. Ele só funciona para destravar o andar de cima. Pode-se admitir que os sonegadores pularam dos juros do Banco Central para a TJLP porque seus argumentos foram sólidos. Tiveram quem os ouvisse e acompanhasse seus cálculos.
Gente como Jaider não tem a quem reclamar, nem quem faça contas para resolver seus paradoxos. Ele não tem direito ao benefício do INSS porque seu pai, o chefe da casa dos Lemes, ganha R$ 19,20 a mais do que devia.

Nuvens
Estão difíceis as relações do secretário-geral da Presidência, Aloysio Nunes Ferreira, com um pedaço do tucanato. Com o PFL também não são as mesmas de julho, quando se mudou da Câmara para o Planalto.
Mesmo os seus críticos reconhecem que ele melhorou a média de competência do governo. Reclamam dos tipos de briga em que entra e daquelas que evita.

O ISO-Ruth
Criou-se um certificado de qualidade nas nomeações do governo federal. Chama-se "Dona Ruth".
Há poucas semanas, quando preencheu a presidência de um órgão federal, FFHH recebeu uma mensagem que misturava conformismo e queixa. Maganos desgostosos com a mudança mandaram-lhe um recado mais ou menos assim:
"Sabemos que a indicação veio de Dona Ruth. Tudo bem. Mas pedimos apenas que não se troque um dos diretores da instituição."
No caso, Ruth Cardoso limitara-se a colocar uma boa palavra em cima de uma indicação alheia.

Curso Madame Natasha de piano e português
Madame Natasha tem horror a música. Ela socorre as vítimas do anarcoglotismo. Concedeu mais de suas bolsas de estudos à professora Rosângela Lopes Lima, coordenadora de avaliação da Pró-reitoria de Assuntos Acadêmicos da Universidade Federal Fluminense, pela seguinte pérola:
"O provão institui o ranqueamento, que gera competição."
Natasha pensa que ela quis dizer o seguinte: "O provão institui uma classificação".
A professora transformou uma palavra da língua inglesa ("ranking") num substantivo da portuguesa. Se um vestibulando da UFF escrever uma coisa dessas na sua redação, certamente será mal ranqueado e aumentarão suas possibilidades de ficar joblesseado (reciclando-se a palavra "jobless", desempregado).


Erro
Estava errada a informação aqui publicada, segundo a qual o livro "Minha Razão de Viver", de Samuel Wainer, baseia-se nas suas memórias ditadas ao jornalista Augusto Nunes.
Samuel ditou-as a três outros jornalistas, Sérgio de Souza e Roberto Freire, numa primeira fase, e Marta Goes, numa segunda.
Em 1980, depois da morte de Wainer, as 53 fitas resultantes dessas conversas foram entregues a sua família. Delas, resultou uma transcrição de 1.300 páginas que, entregues a Nunes, acabaram se transformando nas 320 que constituíram o livro.

Sai de baixo
Vem aí uma briga de gente grande. De um lado, um combinado da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Secretaria da Receita e do Ministério Público.
Do outro, alguns desembargadores federais de São Paulo.
Se nenhum dos dois lados tirar o time de campo, farão a alegria da galera que lhes paga os salários.


A Turma Dez da prova do Enem reclama, com toda razão
BR> Estava errada a informação aqui publicada segundo a qual nenhum dos 315 mil estudantes que fizeram o Exame Nacional do Ensino Médio conseguiu nota dez na redação. Os estudantes que conseguiram esse resultado foram 830.
Tremenda crocodilagem. O sujeito estuda, tira 10 e sai uma notícia informando que ninguém conseguiu o êxito que ele sabe ter alcançado. Com tanta gente prometendo sem entregar, o estudante entrega sem prometer e é subestimado.
Por conta disso, passa-se a publicar aqui o nome de todos os estudantes que tiraram 10 nas provas do Enem e desejam que seu sucesso seja reconhecido. A lista de hoje é incompleta. Nela estão apenas os alunos que reclamaram na semana passada e aqueles que, pelo noticiário da imprensa, também tiraram 10. Quem não tiver sido incluído, por favor, faça saber.
Tiraram 10 na prova de redação do Enem:
  Alexandra Macedo Moraes, do colégio Padre Machado, de Belo Horizonte.
  Carolina Falcão Motoki, do Dante Alighieri, de São Paulo.
  Clarice Chiquetto, do Lumen Vitae, de São Paulo.
  Décio Luiz Gazzoni Filho, do Universitário, de Londrina (PR).
  José Mattos Neto, de 42 anos de idade, estudou em casa, de Uberlândia (MG).
  Luciana Gabardo, do Nossa Senhora Medianeira, de Curitiba.
  Marcelo Gibson de Castro Gonçalves, de Belo Horizonte.
  Oona Caldeira Brant Monteiro de Castro, do Logos, de São Paulo.
  Rafaela Carolina Lopes Assis, do Nossa Senhora de Nazaré, de Conselheiro Lafaiete (MG). Seus familiares surpreenderam-se com a notícia errada e procuraram a redação do "Correio da Cidade" para saber o que poderia ter acontecido.
  Roberto José Vieira, da Toufic Joulian, de Carapicuíba (SP). Ele faz questão de registrar sua dívida com os professores dessa escola pública e sua gratidão à professora Isva Santos Soares.
  Vinícius Cifu Lopes, do Objetivo, de São Paulo.
Nenhum estudante tirou 10 nas duas provas, mas cinco tiraram 10 em conhecimentos gerais. Três deles:
  Christianne Basílio e Silva, do Colégio Militar do do Rio.
  Edson Roberto Didone Júnior, da Escola Técnica Estadual Polivalente de Americana e do Objetivo. Ele é de Santa Bárbara d'Oeste (SP).
  Francisca Mortara San Martin, da Escola Técnica Conselheiro Antônio Prado, em Campinas (SP).
Quem tiver tirado 10, tanto na redação quanto nos conhecimentos gerais, e quiser que isso seja registrado é só avisar. Basta mandar um fax para (0/xx/11/3670-9005) com a página do boletim, o nome do colégio onde estudou e o da cidade onde mora. Finalmente, parabéns.


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