São Paulo, Domingo, 19 de Dezembro de 1999


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ENTREVISTA
No início do ano, diz FHC, "todo mundo ficou sem saber o que poderia acontecer" com a moeda
Presidente temeu pelo futuro do real



"A dívida seria maior ainda não fosse a privatização. Então, ela foi fundamental por isso e também para abrir um fluxo de investimento novo. A questão da privatização não é só abater dívida'

da Sucursal de Brasília

O presidente Fernando Henrique Cardoso disse à Folha que temeu pela sobrevivência do real no início deste ano, quando foi obrigado a adotar a livre flutuação do câmbio.
"Em janeiro, quando houve aquela corrida aos bancos, todo mundo ficou sem saber o que poderia acontecer. Então, claro que eu temi (pelo futuro do real)", afirmou FHC.
Ao fazer uma avaliação destes cinco anos de governo, o presidente disse que tem vários arrependimentos. Entre eles, não ter enviado ao Congresso a proposta de reforma da Previdência desmembrada em duas: uma pública e outra privada.
Outro arrependimento apontado por FHC foi a demora em reconhecer a gravidade da dívida agrária, que levou a um protesto dos agricultores em Brasília.
"Levamos um tempo achando que aquilo era puramente conversa de mau pagador, quando era um problema real."
Na área econômica, o presidente lamentou a forma como se deu a mudança cambial no começo de seu primeiro mandato, em 95. Segundo ele, era para mudar o câmbio antes de sua posse, mas a crise do México impediu. Depois, disse, a operação não foi bem feita.
O presidente afirmou, porém, não ter se arrependido de decidir não privatizar a Petrobrás. Disse ainda que o Banco do Brasil não é "privatizável".
Ao listar os sucessos de seu governo até agora, apontou de imediato o real. E não se esqueceu de citar a questão social, onde sempre é acusado de pouco ter feito.
No final, lembrou da questão do emprego. "Houve uma perda inegável, que foi o desemprego."

Folha - Como foi chegar ao fundo do poço das pesquisas de opinião?
Fernando Henrique Cardoso -
Isso não é o que mais me angustia, porque, se você for se orientar ou ficar perturbado por popularidade, você vai ficar angustiado sempre, não é? Isso só atormenta se isso atrapalhar sua capacidade de governar. Não aconteceu.
O povo sofreu, levou um susto, imaginou que tudo iria para o espaço porque a percepção havida no início do ano foi de tal maneira forte, de tal maneira difundida, foi de que tudo iria para o espaço. Evidentemente, as pessoas começaram a achar que não haveria mais como segurar o real.

Folha - Em algum momento o sr. próprio achou isso?
FHC -
Ah, certamente. E não só este ano. Entre setembro do ano passado e março deste ano, havia riscos grandes.

Folha - Em que momento o sr. mais temeu que o real fosse para o espaço?
FHC -
Em janeiro, quando houve aquela corrida aos bancos, acho que no dia 29. Todo mundo ficou sem saber o que poderia acontecer. Fui à televisão duas vezes só naquele dia. Então, claro que eu temi.

Folha - Qual é o seu grande arrependimento nestes cinco anos de governo?
FHC -
Tenho vários arrependimentos. A reforma da Previdência, se nós tivéssemos mandado separado, a reforma da Previdência pública da privada, teria sido melhor. Mais rápido, mais competente. Não fizemos.
Nós deveríamos ter avançado mais na área de ciência e tecnologia, houve pouco empenho como prioridade, que eu espero recuperar agora.
Eu acho que nós demoramos na negociação da dívida agrária, nós levamos um tempo achando que aquilo era puramente conversa de mau pagador, quando era um problema real. Nós erramos. Nas privatizações, não. Demorou um pouco.

Folha - E o discurso que a privatização torrou o patrimônio público e não abateu nada da dívida pública?
FHC -
Não torrou, pagou dívida. A dívida seria maior ainda não fosse a privatização. Então, ela foi fundamental por isso e também para abrir um fluxo de investimento novo. A questão da privatização não é só abater dívida. O Estado brasileiro, que era poupador líquido em décadas passadas, hoje é desinvestidor líquido e toma emprestado. Ele não tem dinheiro para fazer expansão.

Folha - Mais algum arrependimento?
FHC -
Do que não me arrependo, de não privatizar a Petrobras. Não vejo com clareza o modelo de privatização das energéticas.

Folha - Banco do Brasil?
FHC -
O Banco do Brasil não é privatizável. O governo precisa de certos instrumentos, e o Banco do Brasil é um instrumento importante no financiamento da agricultura.
Arrependo-me de não ter avançado mais na área de saneamento. Por quê? Porque nós baixamos muito a mortalidade infantil. Agora, chega um momento que, ou você faz saneamento, ou não tem condições de baixar mais a mortalidade infantil.
Acho que nós tardamos em ver e ainda estamos com problemas nas questões urbanas, que é um problema muito sério. Acho que nós podíamos ir mais depressa na questão dos temas contemporâneos, questão da poluição, ambiental em geral, aquecimento da terra. O governo não fez o que deveria ter feito.

Folha - O sr. tem arrependimentos na área econômica?
FHC -
Certamente, certamente. Por exemplo, se nós tivéssemos mais êxito em ajustar o câmbio em 95, teria sido mais fácil. Acho que nós fizemos em 95 uma coisa importante, que foi a coisa dos bancos, que permitiu que os bancos não naufragassem em 97.
Na questão do câmbio, a questão era técnica. Todos sabiam que o câmbio tinha de ser ajustado. Ele ia ser ajustado antes da minha posse, mas aí veio em dezembro a crise do México e criou aquele embaraço. Quando nós fomos mexer, depois do Carnaval, houve aquela confusão e perdemos US$ 10 bilhões de reservas. Tivemos de subir a taxa de juros lá para cima. Não é uma questão de estar certo. A operação não foi bem feita. Então deu problema.

Folha - Em algum momento o sr. se arrependeu de jogar os juros lá em cima?
FHC -
Não é que eu tenha me arrependido, é que não tem jeito. Quando vem essa crise externa, você não tem alternativa, é terrível, não tem outro remédio. Ninguém faz porque quer.

Folha - Mas há patamares?
FHC -
Eu sei, senta no meu lugar. Isso é assim mesmo. Você tem de ter determinação de enfrentar, de sangue frio para fazer. Talvez um presidente que saiba menos de economia do que eu sofra menos.

Folha - E o que o sr. acha que fez certo nesses cinco anos de mandato?
FHC -
O real, é claro. E, para mim, o mais importante são as mudanças na área social. Saúde, educação, reforma agrária. Manutenção da capacidade de compra dos brasileiros. Apesar de tudo, que não foi fácil, não houve uma perda... É, houve uma perda inegável, que é o desemprego.

Folha - Que presente o sr. gostaria de ganhar no Natal?
FHC -
Eu espero ganhar muitos presentes pessoais. Mas, do ponto de vista do Brasil, não é isso que eu quero não. Quais são os problemas que mais afligem o Brasil hoje: o emprego e o crescimento. É o que eu mais gostaria de ganhar.

Folha - Mas esse presente o sr. tem é que dar, não receber.
FHC -
Esse eu ganho também. Porque isso é que é bom. Fora disso, é continuar sem crise. Esse é o maior presente, fazer com que as coisas avancem sem crises. Infelizmente, isso não é bom para imprensa.


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