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ENTREVISTA
No início do ano, diz FHC, "todo mundo ficou sem saber o que poderia acontecer" com a moeda
Presidente temeu pelo futuro do real
"A dívida seria maior ainda não
fosse a privatização. Então, ela foi
fundamental por isso e também
para abrir um fluxo de investimento novo. A questão da privatização não é só abater dívida'
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da Sucursal de Brasília
O presidente Fernando Henrique Cardoso disse à Folha que temeu pela sobrevivência do real no
início deste ano, quando foi obrigado a adotar a livre flutuação do
câmbio.
"Em janeiro, quando houve
aquela corrida aos bancos, todo
mundo ficou sem saber o que poderia acontecer. Então, claro que
eu temi (pelo futuro do real)",
afirmou FHC.
Ao fazer uma avaliação destes
cinco anos de governo, o presidente disse que tem vários arrependimentos. Entre eles, não ter
enviado ao Congresso a proposta
de reforma da Previdência desmembrada em duas: uma pública
e outra privada.
Outro arrependimento apontado por FHC foi a demora em reconhecer a gravidade da dívida
agrária, que levou a um protesto
dos agricultores em Brasília.
"Levamos um tempo achando
que aquilo era puramente conversa de mau pagador, quando era
um problema real."
Na área econômica, o presidente lamentou a forma como se deu
a mudança cambial no começo de
seu primeiro mandato, em 95. Segundo ele, era para mudar o câmbio antes de sua posse, mas a crise
do México impediu. Depois, disse, a operação não foi bem feita.
O presidente afirmou, porém,
não ter se arrependido de decidir
não privatizar a Petrobrás. Disse
ainda que o Banco do Brasil não é
"privatizável".
Ao listar os sucessos de seu governo até agora, apontou de imediato o real. E não se esqueceu de
citar a questão social, onde sempre é acusado de pouco ter feito.
No final, lembrou da questão do
emprego. "Houve uma perda inegável, que foi o desemprego."
Folha - Como foi chegar ao
fundo do poço das pesquisas de
opinião?
Fernando Henrique Cardoso
-Isso não é o que mais me angustia, porque, se você for se orientar ou ficar perturbado por popularidade, você vai ficar angustiado sempre, não é? Isso só atormenta se isso atrapalhar sua capacidade de governar. Não aconteceu.
O povo sofreu, levou um susto,
imaginou que tudo iria para o espaço porque a percepção havida
no início do ano foi de tal maneira
forte, de tal maneira difundida, foi
de que tudo iria para o espaço.
Evidentemente, as pessoas começaram a achar que não haveria
mais como segurar o real.
Folha - Em algum momento o
sr. próprio achou isso?
FHC - Ah, certamente. E não só
este ano. Entre setembro do ano
passado e março deste ano, havia
riscos grandes.
Folha - Em que momento o sr.
mais temeu que o real fosse para o espaço?
FHC - Em janeiro, quando houve aquela corrida aos bancos,
acho que no dia 29. Todo mundo
ficou sem saber o que poderia
acontecer. Fui à televisão duas vezes só naquele dia. Então, claro
que eu temi.
Folha - Qual é o seu grande arrependimento nestes cinco
anos de governo?
FHC - Tenho vários arrependimentos. A reforma da Previdência, se nós tivéssemos mandado
separado, a reforma da Previdência pública da privada, teria sido
melhor. Mais rápido, mais competente. Não fizemos.
Nós deveríamos ter avançado
mais na área de ciência e tecnologia, houve pouco empenho como
prioridade, que eu espero recuperar agora.
Eu acho que nós demoramos na
negociação da dívida agrária, nós
levamos um tempo achando que
aquilo era puramente conversa de
mau pagador, quando era um
problema real. Nós erramos. Nas
privatizações, não. Demorou um
pouco.
Folha - E o discurso que a privatização torrou o patrimônio
público e não abateu nada da
dívida pública?
FHC - Não torrou, pagou dívida.
A dívida seria maior ainda não
fosse a privatização. Então, ela foi
fundamental por isso e também
para abrir um fluxo de investimento novo. A questão da privatização não é só abater dívida. O
Estado brasileiro, que era poupador líquido em décadas passadas,
hoje é desinvestidor líquido e toma emprestado. Ele não tem dinheiro para fazer expansão.
Folha - Mais algum arrependimento?
FHC - Do que não me arrependo, de não privatizar a Petrobras.
Não vejo com clareza o modelo de
privatização das energéticas.
Folha - Banco do Brasil?
FHC - O Banco do Brasil não é
privatizável. O governo precisa de
certos instrumentos, e o Banco do
Brasil é um instrumento importante no financiamento da agricultura.
Arrependo-me de não ter avançado mais na área de saneamento.
Por quê? Porque nós baixamos
muito a mortalidade infantil.
Agora, chega um momento que,
ou você faz saneamento, ou não
tem condições de baixar mais a
mortalidade infantil.
Acho que nós tardamos em ver
e ainda estamos com problemas
nas questões urbanas, que é um
problema muito sério. Acho que
nós podíamos ir mais depressa na
questão dos temas contemporâneos, questão da poluição, ambiental em geral, aquecimento da
terra. O governo não fez o que deveria ter feito.
Folha - O sr. tem arrependimentos na área econômica?
FHC - Certamente, certamente.
Por exemplo, se nós tivéssemos
mais êxito em ajustar o câmbio
em 95, teria sido mais fácil. Acho
que nós fizemos em 95 uma coisa
importante, que foi a coisa dos
bancos, que permitiu que os bancos não naufragassem em 97.
Na questão do câmbio, a questão era técnica. Todos sabiam que
o câmbio tinha de ser ajustado.
Ele ia ser ajustado antes da minha
posse, mas aí veio em dezembro a
crise do México e criou aquele
embaraço. Quando nós fomos
mexer, depois do Carnaval, houve
aquela confusão e perdemos US$
10 bilhões de reservas. Tivemos de
subir a taxa de juros lá para cima.
Não é uma questão de estar certo.
A operação não foi bem feita. Então deu problema.
Folha - Em algum momento o
sr. se arrependeu de jogar os juros lá em cima?
FHC - Não é que eu tenha me arrependido, é que não tem jeito.
Quando vem essa crise externa,
você não tem alternativa, é terrível, não tem outro remédio. Ninguém faz porque quer.
Folha - Mas há patamares?
FHC - Eu sei, senta no meu lugar. Isso é assim mesmo. Você
tem de ter determinação de enfrentar, de sangue frio para fazer.
Talvez um presidente que saiba
menos de economia do que eu sofra menos.
Folha - E o que o sr. acha que
fez certo nesses cinco anos de
mandato?
FHC - O real, é claro. E, para
mim, o mais importante são as
mudanças na área social. Saúde,
educação, reforma agrária. Manutenção da capacidade de compra dos brasileiros. Apesar de tudo, que não foi fácil, não houve
uma perda... É, houve uma perda
inegável, que é o desemprego.
Folha - Que presente o sr. gostaria de ganhar no Natal?
FHC - Eu espero ganhar muitos
presentes pessoais. Mas, do ponto
de vista do Brasil, não é isso que
eu quero não. Quais são os problemas que mais afligem o Brasil
hoje: o emprego e o crescimento.
É o que eu mais gostaria de ganhar.
Folha - Mas esse presente o sr.
tem é que dar, não receber.
FHC - Esse eu ganho também.
Porque isso é que é bom. Fora disso, é continuar sem crise. Esse é o
maior presente, fazer com que as
coisas avancem sem crises. Infelizmente, isso não é bom para imprensa.
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