São Paulo, Domingo, 19 de Dezembro de 1999


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CELSO PINTO
As razões para a euforia

Num momento em que se imaginava que o mercado financeiro estaria atravessando uma forte turbulência, vive-se uma euforia. O câmbio caiu para R$ 1,808 por dólar, a Bolsa disparou, os títulos no Exterior deram um salto e não pára de entrar dólares.
Vários fatores ajudaram a mudar o panorama, mas o principal foi a mudança de sinal no fluxo de dólares. O mercado adora discutir resultados fiscais, mas quer, acima de tudo, ter certeza de que vai receber de volta o que investir. Isso, só o resultado das contas externas pode garantir.
Houve uma combinação de boas notícias externas e internas. A turbulência esperada para o final do ano viria do medo do "bug do milênio", ou seja, um colapso gerado pela mudança para o ano 2000 nos computadores.
Esperava-se que os investidores externos, defensivamente, mantivessem o máximo possível em "cash" ou títulos "seguros", saindo dos países emergentes, mais sujeitos a problemas. Antevendo um aperto na liquidez, muitas empresas correram ao mercado a partir de agosto, provocando um aumento nos juros e uma fuga para a qualidade. Parecia uma amostra do cenário de horror que se instalaria a partir de novembro e dezembro.
Já em janeiro, passada a tempestade, muitos investidores estariam com dinheiro em caixa para voltar a investir. Portanto, o primeiro trimestre de 2000 poderia ser um momento de alta nos mercados emergentes.
Hoje, parece claro que o pior do "bug do milênio" já passou, em agosto e setembro. Os temores foram sendo minimizados. Investidores anteciparam seus investimentos e, com isso, provocaram uma subida de preços que só era esperada a partir de janeiro.
No caso do Brasil, havia uma dúvida adicional. As contas indicavam um aperto no fluxo de dólares no último trimestre deste ano, mas um claro alívio no primeiro trimestre do próximo ano, especialmente pelo menor volume de amortizações.
A pressão sobre o câmbio foi ainda maior por duas razões: o BC entrou comprando dólares em outubro e no início de novembro, e o salto na inflação gerou incertezas. O dólar foi a R$ 2,00 e muitas empresas, temendo o pior, acabaram comprando seguro ("hedge") contra alta do câmbio ou antecipando obrigações que venciam em dezembro.
Quando o BC passou a vender dólares (com a concordância do FMI) para suprir a escassez temporária, a percepção do câmbio começou a mudar. O empurrão final foi a oferta de US$ 1,3 bilhão para ajudar o mercado nos dias da virada do ano. Foi o prego no caixão do "bug do milênio": o risco de faltar dólares virtualmente desapareceu.
Como muita gente tinha antecipado vencimentos, dezembro acabou se revelando muito mais ameno, em fluxo, do que se esperava. Para as empresas que anteciparam vencimentos ou fizeram "hedge" comprando dólar a R$ 1,95 ou mais, a queda da cotação para R$ 1,80 implica uma perda expressiva e uma lição: o câmbio também flutua para baixo.
O segundo fator de mudança de ânimo foi a percepção de que o pior do ajuste fiscal foi feito. Até setembro, o superávit primário do setor público ficou em 4,2% do PIB. É uma melhora de 4,3% do PIB em relação a 98 e de 5,2% do PIB em relação a 97.
Um ajuste fiscal de 5% do PIB, em dois anos, ainda que ajudado por inúmeros fatores temporários, é um esforço imenso. Significa, também, que qualquer esforço adicional necessário será marginal em relação ao esforço que já foi feito.
Ainda existem incertezas fiscais importantes, mas mesmo os cenários mais pessimistas supõem que teria que ser feito um ajuste adicional de 1% do PIB ou pouco mais. Quer dizer, comparado ao que já foi feito, os acertos futuros parecem mais críveis.
A terceira mudança de expectativas, ainda não inteiramente consolidada, é em relação à inflação. O IPCA subiu 8,3% até novembro. Os preços dos bens sensíveis à concorrência externa ("tradables"), mais sujeitos ao impacto da desvalorização, subiram 9,3%, como mostram dados do banco CSFB-Garantia. Os dos bens não expostos a essa concorrência subiram apenas 2%.
Esses dois grupos formam 70% do IPCA. A pressão forte veio, de fato, dos preços administrados, que subiram 23%, mas pesam apenas 18,6% na composição do IPCA. Os produtos sazonais subiram 7,2%.
O alívio no câmbio ajuda tanto a segurar os preços dos "tradables" quanto os administrados (as tarifas seguem o IGP, onde o peso dos "tradables" é enorme). O temor de um descontrole inflacionário, portanto, arrefeceu.
Já há quem discuta em que ponto o BC deveria intervir para evitar uma apreciação forte demais do real. É, em boa medida, uma falsa questão. A curto prazo, se houver alívio na inflação, é desejável que os juros caiam e a economia se aqueça um pouco mais. Juros menores freiam a desvalorização do dólar.
Se, ainda assim, o dólar continuar a cair, o BC pode (e deve) aproveitar para liquidar parte dos R$ 109 bilhões em dívida pública indexada ao dólar que possui. Reduz o risco do governo e ajuda a frear a apreciação do real.


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