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HERANÇA MILITAR
Arquivo do Centro de Inteligência do Exército indica que diplomatas soviéticos eram espionados
Documento relata recrutamento de brasileiros pela KGB
DA COLUNISTA DA FOLHA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Um detalhado documento do
CIE (Centro de Inteligência do
Exército), do qual sobraram sete
páginas chamuscadas, descreve
detalhadamente o que seriam características de atuação e recrutamento de militantes brasileiros da
KGB, o serviço de inteligência da
antiga União Soviética. Fica evidente que o Exército espionava os
diplomatas soviéticos.
Uma das informações para distinguir os que seriam agentes da
KGB daqueles que efetivamente
eram diplomatas diz respeito às
mulheres deles. Muito festeiros,
gentis, os agentes costumavam ter
"esposas auto-suficientes, falando
idioma estrangeiro".
Os agentes, segundo os papéis,
usavam carros particulares com
placas comuns, dispensando as
placas azuis reservadas aos diplomatas estrangeiros. Também usavam fotos antigas nos passaportes, evitavam ser fotografados,
não participavam de reportagens
e negavam dominar outras línguas além do russo.
Segundo o CIE, os agentes usavam "de mentiras, nas reuniões
sociais, causando contradições" e
tinham um perfil profissional nada nobre: "Ocupação de funções
com evidente despreparo intelectual para exercê-las. Ex: Adido
Cultural que nada entende de cultura", afirma o documento.
O documento do CIE faz parte
do material que sobrou da queima de documentos da ditadura
militar (1964-1985) na Base Aérea
de Salvador (BA) e foi entregue
pela Rede Globo, na semana passada, ao secretário especial dos
Direitos Humanos da Presidência, Nilmário Miranda. Os papéis,
hoje, circulam no governo.
Sobre os agentes soviéticos, o
material diz também que eles
ocupavam casas isoladas e, na
busca de "alvos" (brasileiros que
poderiam ser cooptáveis para a
militância comunista), davam
preferência a contatos por telefones públicos e a visitas a suas casas ou a encontros em lugares ermos ou em restaurantes e bares
pouco freqüentados.
A seleção de alvos brasileiros
-chamados no texto de "nacionais"- se fazia "em todos os
campos, militar, econômico, político e psicossocial".
Mulheres
Até o movimento feminista era
alvo de informes com carimbo de
"confidencial" da agência de Salvador do SNI (Serviço Nacional
de Informações), como o de número 01941167/ASV/81, de 28 de
setembro de 1981. Informava sobre a criação da comissão de organização da SEM (Sociedade Estadual de Mulheres).
O movimento era articulado pelo setor feminino do PMDB, o
Movimento Brasil Mulher, o Diretório Central dos Estudantes, o
Comitê de Anistia e Direitos Humanos, a Federação das Associações de Bairros de Salvador e a Associação de Profissionais.
O informe não conseguia nem
sequer dizer corretamente quem
presidia as reuniões, nominada
apenas como Maria Marta, "ainda
não identificada". E se preocupava com coisas irrelevantes, como
especificar que "os homens que
participam dessas reuniões não
têm direito a voto".
Os objetivos, bem típicos do início dos anos 80, eram lutar, por
exemplo, pela legalização do
aborto e por creches em bairros
pobres e contra a "violência social" e a LSN (Lei de Segurança
Nacional).
Fichas individuais
Entre as 40 fichas de pessoas
apontadas como adversários do
regime militar, ou "subversivas",
termo preferido dos órgãos de inteligência, há várias de mulheres.
Uma delas é tratada, em ficha de
23 de junho de 1969, como "esquerdista perigosa". Acusações
contra ela: "comunista convicta
com bases filosóficas", foi "apanhada" com cerca de cem exemplares do jornal "O Combatente",
ajudava a produzir um outro jornal, "Unidade", era ativa no movimento estudantil e "conclamava os estudantes à greve e à derrubada do governo".
Dizia a ficha que ela pertencia
ao PVBR, mas esse partido não
consta entre os clandestinos da
época -provavelmente, o correto era PCBR (Partido Comunista
Brasileiro Revolucionário).
(ELIANE CANTANHÊDE e IURI DANTAS)
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