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São Paulo, segunda-feira, 20 de janeiro de 2003

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ENTREVISTA DA 2ª

Em Campo Grande, Puccinelli afirma que reduzir déficit habitacional é prioridade; modelo é criticado

Prefeito diz que acaba com favelas até 2004

FABIANO MAISONNAVE
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CAMPO GRANDE

Campo Grande, a capital de Mato Grosso do Sul, pode chegar a 2004 sem ter nenhum dos seus cerca de 680 mil habitantes morando em favelas. Pelo menos essa é a promessa do prefeito da cidade, o médico André Puccinelli (PMDB), 54, que atualmente cumpre seu segundo mandato.
Para demonstrar que isso é possível, Puccinelli exibe os números de seu programa habitacional, que, de acordo com ele, é uma das prioridades de seu governo: em 97, havia cerca de 4.500 famílias morando em favelas, aproximadamente 22.500 pessoas -número que correspondia a 3,75% da população do município.
Atualmente, segundo o prefeito, existem somente 800 famílias morando em favelas -ou 4.000 pessoas. Isso equivale a 0,6% do número total de habitantes.
Para conseguir esses números, a prefeitura levantou 8.694 casas, das quais 3.000 foram para o programa de desfavelização. Além disso, algumas favelas têm sido regularizadas, sem necessidade de remoção das famílias.
Os números são de fazer inveja à maioria das capitais -São Paulo, por exemplo, tem 10% de sua população morando em locais inadequados.
O modelo do programa habitacional de Campo Grande, no entanto, é alvo de críticas. Especialistas afirmam que a prefeitura segue um modelo tradicional, baseado em grandes loteamentos localizados fora da região central, com potencial de se tornar um problema social a longo prazo. O maior loteamento tem 3.000 casas no mesmo local.
Outro problema, apontado pela própria prefeitura, é a pouca diminuição da demanda: em 97, havia 20 mil famílias inscritas em projetos habitacionais do município. Seis anos depois, são ainda 17 mil na lista de espera.
 
Agência Folha - Como está a situação habitacional hoje em Campo Grande?
André Puccinelli -
Em 97, nós consolidamos um estudo de Campo Grande e elencamos por faixa socioeconômica.
De três salários mínimos de renda familiar para baixo, o poder público deve cuidar porque não tem Caixa Econômica Federal, não tem FGTS, não tem financiamento nenhum. Nós chegamos à conclusão de que tínhamos aproximadamente 20 mil famílias com renda familiar de três salários mínimos nessa situação.
Então nós começamos. O que nós podíamos regularizar, nós fizemos. Aquelas favelas que não pudemos regularizar, nós as recolocamos em unidades habitacionais. Nós fizemos uma plantinha padrão de 28,8 m2, que é um quartinho, sala e cozinha juntos e um banheirinho. Fizemos este padrão porque é mais barato, dá para fazer maior quantidade, e a gente tem de enfiar inicialmente embaixo de um teto. Buscamos recursos no orçamento da União, recursos próprios e na Caixa.

Agência Folha - Grande parte das pessoas que moram nos conjuntos habitacionais é desempregada ou sobrevive de subempregos. Existe alguma ação da prefeitura sobre esse problema?
Puccinelli -
Nós vimos que o servidor pagava, porque o desconto vinha na folha, mas o favelado não pagava. Aí nós fizemos unidades de produção. Que diabo é isso? Compramos máquinas para a construção de tijolos de cimento e manilhas e contratávamos essas pessoas que saíram das favelas para produzir. Mas essas unidades ainda não são suficientes para absorver todas as pessoas que saem das favelas.

Agência Folha - Desde a década de 90, a cidade atravessa um período de estagnação econômica e baixo crescimento populacional em relação ao passado. Esses fatores tornaram o problema da moradia fácil de resolver?
Puccinelli -
Mais fácil, porque no final da década de 70, quando nos separamos [de Mato Grosso", chegou-se a ter um crescimento de 8% em Campo Grande. Hoje, o crescimento demográfico é de 2,41%, um tiquinho acima da média nacional. Então, com esse crescimento demográfico, se consegue dar um aporte em que reduza a fila. Você veja que, mesmo tendo construído 8.694 casas, eu reduzi de 20 mil famílias para 17 mil.

Agência Folha - Dessas famílias, o senhor afirma que 800 vivem em favelas. Como mora o restante?
Puccinelli -
Os que vivem com três salários alugam uma residência de até R$ 150, mas quem está desempregado vive de favor. São na maioria novos casais que se formaram e ainda vivem na casa dos pais e os desempregados.

Agência Folha - Em quanto tempo o sr. acha que é possível eliminar as favelas em Campo Grande?
Puccinelli -
Eu quero tentar até o final do meu mandato. Atualmente, estou regularizando algumas favelas. São frutos, na grande maioria, de invasões ocorridas há muito tempo porque eu não permiti invasões de 97 para cá.

Agência Folha - Por que o sr. optou por grandes conjuntos habitacionais, modelo que tem sido alvo de críticas por causa dos problemas sociais que gera?
Puccinelli -
Eu não optei por esse modelo. Nós limitamos em 750 unidades habitacionais por bloco até dotarmos de infra-estrutura pública suficiente. O poder público não consegue elencar os instrumentos, como creches, escolas, postos de saúde.
Fui fazendo modularmente. Concordo que grandes conjuntos habitacionais não devem ser feitos. Eu os fiz ao longo de seis anos da minha administração, estou completando 3.000 casas no mesmo lugar, mas são quatro módulos de 750.

Agência Folha - O sr. está dizendo que é um conjunto habitacional grande, mas o fato de ter sido feito aos poucos minimiza o impacto?
Puccinelli -
É, conjunto acima de 750 lotes em um ano não se deve fazer. Eu usei os limites urbanísticos máximos para uma capital como a nossa, de 670 mil, 680 mil habitantes.

Agência Folha - Há muitas reclamações sobre o preço da mensalidade. Segundo a Associação de Moradores do Jd. Canguru, o maior conjunto que o sr. construiu, a inadimplência chega a 70%. O sr. pretende rever essa questão?
Puccinelli -
O número não é correto, a inadimplência está em torno de 50% porque a unidade comporta famílias de favelas e de outros locais. Quanto está o salário mínimo, quando teve de inflação? Se você aplicar o IPCA-E, que é o menor dos índices do governo, o valor está 12% menor do que era no início da aplicação da mensalidade, em maio do ano passado. Então o valor de R$ 45 por mês está bem aplicado.
O valor é menor que o aluguel de um imóvel igual no mesmo local. Encontrei aluguel lá por até R$ 90. Para formar uma cultura da conquista pelo suor do trabalho, ele tem de pagar. E a cultura dos que saem da favela é a de que têm de receber tudo de graça.

Agência Folha - Outra estatística da associação é que cerca de 40% dos moradores já se mudaram.
Puccinelli -
É verdade. Apesar de serem advertidos de que não podem vender, porque eu não deixo entrar de volta na fila. O que o cara faz? Ele vai lá e se cadastra como André Puccinelli, aí ele vende por R$ 1.000, R$ 400, pega o dinheiro e quer entrar na fila de novo como Elizabeth Puccinelli, casada com André.
Então nós checamos por meio da filiação, então veio a Elizabeth, apresenta três filhos, você sabe que é a mulher do cara. Aí pomos no último lugar da fila.

Agência Folha - O que acontece com essas pessoas depois que saem?
Puccinelli -
Nós não sabemos, porque nós não temos permitido invasões, não temos permitido aumento de favela. Então não sabemos para onde vão. Pode ser que o sujeito mude de cidade, não se recadastre, entre nos programas do governo estadual.



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