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Família quer apurar morte de espanhol durante a ditadura
Ele morreu em SP; mistério durou 34 anos, pois familiares não haviam sido achados
Folha localizou uma filha, irmão e sobrinha; Miguel Nuet foi preso, mas não tinha ligação conhecida com organizações de esquerda
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
O espanhol Miguel Sabat
Nuet, 50, um vendedor de veículos que morava na Venezuela, foi preso em São Paulo no dia
9 de outubro de 1973 por uma
equipe do DOI (Departamento
de Operações Internas), órgão
que combatia grupos de esquerda. O motivo da prisão foi
"averiguação de subversão".
Nuet não tem ligação conhecida -antes ou depois da detenção- com organizações de
esquerda. Um mês e meio depois da prisão, ele apareceu
morto numa cela. O motivo, segundo a polícia, foi "suicídio".
A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos,
criada em 1995, nunca acreditou na versão oficial. Durante
13 anos o caso permaneceu um
mistério porque nenhum familiar fora encontrado.
Sem os familiares, a comissão não conseguiu exumar os
restos mortais de Nuet, o que
poderia derrubar a tese do suicídio. Passados 34 anos da morte, a Folha localizou na semana
passada uma filha, um irmão e
uma sobrinha de Nuet em Barcelona e Caracas que podem
lançar novas luzes sobre o caso.
"Temos certeza de que o juiz
[espanhol] Baltasar Garzón
não deixará impunes os assassinos e buscará a justiça que infelizmente ainda não alcançamos", disse a ativista Suzana
Lisboa, ex-representante dos
familiares na comissão, referindo-se ao juiz espanhol que
declarou ao ministro da Justiça, Tarso Genro, que pretende
investigar possíveis crimes cometidos por militares brasileiros durante a ditadura.
Nuet ganha importância pois
é o único caso conhecido de cidadão nascido na Espanha
morto em suposta tortura durante o regime militar brasileiro. Suzana levantou as principais suspeitas e protocolou na
comissão um processo em nome de Nuet, hoje suspenso.
Na ficha que integra o dossiê
de Nuet no Dops, a polícia escreveu um "t" maiúsculo, em
vermelho, sinal característico
dos fichados como "terroristas". Em listas nominais de
presos sob custódia do Dops,
entre outubro e novembro de
1973, Nuet aparece relacionado
à palavra "subversão".
Foram encontradas duas
cartas numa mala que estaria
em seu poder na prisão. Numa
delas, ele se declarou "socialista", além de se dizer "perseguido" na Argentina em virtude de
estudos teológicos.
Enterro
A guia de enterro emitida à
época pelo Serviço Funerário
indica que ele foi sepultado no
terreno 485 da quadra 7 do cemitério Dom Bosco, num setor
que ficou conhecido como a vala de Perus, no mesmo dia, 1º de
dezembro de 1973, e ao lado de
dois militantes de esquerda
-Sônia Maria Moraes Angel
Jones, 27, e Antônio Carlos Bicalho Lana, 24, ambos da ALN
(Ação Libertadora Nacional).
Na vala de Perus, aberta em
1990, foram encontradas 1.049
ossadas de indigentes, presos
políticos e vítimas de esquadrões da morte. A versão oficial
sobre as mortes de Sônia e Lana
dizia que eles foram baleados
durante um tiroteio contra
uma equipe de DOI.
Durante 20 anos, os familiares de Sônia, filha do tenente-coronel da reserva do Exército
João Luiz de Moraes e ex-mulher do desaparecido Stuart
Angel Jones, persistiram numa
investigação própria.
Novos exames, realizados
após a exumação dos corpos,
realizada no final da década de
70, detectaram diversos hematomas e ferimentos nos dois
corpos que não teriam aparecido no primeiro exame, co-assinado pelo médico legista Harry
Shibata, o mesmo que assinou o
laudo que indicava o "suicídio",
em 1975, do jornalista Vladimir
Herzog, versão depois desmentida. Segundo o exame em Sônia e Lana, os tipos e a gravidade dos ferimentos não podiam
estar relacionados a tiroteio.
Em 1992, o ex-sargento do
DOI Marival Chaves revelou à
imprensa e à comissão de direitos humanos da Câmara que
Sônia e Lana foram executados
a tiros após passarem por intensas sessões de tortura.
A reportagem localizou, no
Arquivo Público do Estado de
São Paulo, o último documento
que mostra Nuet como um preso do Dops. A folha é datada de
27 de novembro de 1973, quatro dias antes do enterro de seu
corpo. Ao contrário dos registros anteriores, no campo das
"observações" aparece a expressão "expulsão".
A persistir a versão do Dops,
Nuet teria se matado quando
havia a expectativa de que voltasse para a Espanha, onde nascera, em março de 1923, ou para
a Venezuela, onde tinha três filhos e morava havia 23 anos.
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