São Paulo, domingo, 20 de janeiro de 2008

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Filha quer exumação do corpo para "saber o que aconteceu'

Familiares também rejeitam hipótese de suicídio

PATU ANTUNES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM BARCELONA

"Nunca pudemos saber o que houve realmente com ele. Queremos esclarecer esse episódio e que se faça a exumação do corpo para saber o que aconteceu com ele na prisão."
A afirmação é de Maria del Carmen Sabat, 53, filha do espanhol Miguel Sabat Nuet, localizada pela Folha na Venezuela, juntamente com Minerva Sabat, 73, sobrinha e uma das pessoas com quem ele mais tinha contato durante seus 23 anos de vida na Venezuela. "Nunca acreditamos em suicídio, mesmo porque em um dos documentos que vimos na Embaixada brasileira em Caracas constava que ele tinha fraturas. Para nós, Miguel foi torturado até a morte", diz Minerva.
A hipótese de suicídio também é rejeitada pelo irmão de Miguel, Carlos Sabat, 78, e outra sobrinha, Carmen Francisco, 61, localizados pela Folha em Barcelona, cidade onde Miguel nasceu e de onde emigrou para Caracas por volta de 1950. "Não acreditamos nessa hipótese, ainda mais que falaram que foi com o cinto... Essa é a primeira coisa que tiram do preso, não?", questiona Carlos.
Miguel foi preso em São Paulo em 9 de outubro de 1973. Segundo documentos do Dops, ele teria pulado de um trem em movimento, na estação Barra Funda, e deixado uma mala. Funcionários da empresa ferroviária chamaram a polícia e através do conteúdo da mala chegaram até ele. A família rejeita essa explicação.
"Como é que Miguel, um homem de 50 anos, ia pular de um trem em movimento?", afirma Carlos. Minerva Sabat diz ter sido informada pela Embaixada brasileira em Caracas, à época da morte, de que Miguel foi preso ao voltar de Buenos Aires para Caracas. Ele teria sido revistado e em sua mala foram encontrados documentos que levaram à sua detenção.
Nos papéis, Miguel demonstraria ser comunista e ter sofrido perseguição da Igreja Católica -ele seria o autor de uma certa filosofia "Hectólogos para la Paz y la Fraternidad Universal". A família não reconhece que ele possa ter tido militância política relevante.
Maria del Carmen, a segunda dos três filhos que Miguel teve na Venezuela e com os quais pouco contato mantinha, diz que seu pai sempre teve trabalho fixo e não era de conhecimento da família que ele pudesse estar envolvido com algum tipo de organização.
Mas alguns meses antes da viagem a Buenos Aires, Miguel teria confidenciado a Josefina Díaz, sua ex-cunhada, que o estavam perseguindo e queriam matá-lo. Naquele momento, Miguel teria problemas financeiros, o que dificultava sua fuga da Venezuela.
Para Carlos Sabat, Miguel foi a Buenos Aires e em seguida ao Brasil para tentar resgatar uma dívida contraída com sua família durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939).

Família distante
Segundo filho de uma família de cinco irmãos, Miguel não contava aos parentes na Europa detalhes da sua vida na Venezuela. Casado com Adoración Díaz, também de Barcelona, ele manteve um relacionamento distante com os três filhos, Lorenzo, Maria del Carmen e Miguel, por conta do divórcio pedido por ela.
"Quando eles se separaram, nós éramos pequenos, Lorenzo tinha 4 anos. Meu pai ficou muito chateado com a separação e depois disso nos vimos poucas vezes", conta Maria del Carmen. Ela viu Miguel pela última vez aos 16 anos, em 1970. Miguel e Lorenzo o viram em 1971. Em 30 de novembro de 1973, provável data da morte, Maria del Carmen estava estudando na Inglaterra. A notícia chegou só 20 anos depois.
"Nós só soubemos da morte dele em 1992 ou 1993, minha mãe já tinha falecido também. Descobrimos porque fomos ao Ministério das Relações Exteriores, foi a idéia que nos ocorreu, pois ele era estrangeiro."
Segundo Minerva, alguns anos antes de morrer, Miguel vivia com uma colombiana, a primeira a receber notícia da morte. Mas por não estarem legalmente casados, ela não pôde retirar documentos na embaixada brasileira em Caracas.
"Sempre quisemos saber o que aconteceu com nosso pai. Mas acho que tínhamos medo, não sabíamos por onde começar. Agora queremos que tudo se esclareça", conclui Maria del Carmen.


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