São Paulo, domingo, 20 de março de 2005

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HERANÇA MILITAR/OUTRO LADO

Para advogado, anistia já decretada dispensa nova investigação sobre sua motivação política

Comissão diz que não pode cassar anistias

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente da Comissão da Anistia do Ministério da Justiça, o advogado Marcello Lavenére Machado, disse que não tem poderes legais para questionar anistias feitas em anos anteriores, por outros ministérios.
"Tudo o que eu tenho a fazer não é mais rever essa anistia dele, a lei não me deu poderes para dizer assim: "Olha, você foi anistiado erradamente e estou cassando sua anistia". Eu não tenho poderes para cassar a anistia", disse Lavenére. Segundo ele, o que a comissão faz é ratificar a anistia e dar a progressão da aposentadoria excepcional para a indenização.
"Quando chega uma pessoa já anistiada, a gente não revê o ato da anistia, porque já está anistiado, algum órgão do Estado já anistiou", diz. Segundo o presidente da comissão, no entanto, já houve alguns casos que ele "encaminhou para que fossem cassados", submetendo à análise do Ministério da Justiça.
"Quase 50% dos processos que tramitam na comissão agora é de pessoas já anistiadas, que já receberam anistia a partir de 1979, que há 20, 25 anos já estão recebendo [aposentadoria excepcional]", disse Lavenére.
O advogado disse que a anistia decretada por ministérios diversos faz dispensar uma nova investigação da comissão a respeito da motivação política. "Muitos desses processos estavam no ministério, o anistiando se habilitou, o órgão examinou e deu a anistia."
Lavenére disse que a comissão costuma fazer diligências para checar alegações dos requerentes da anistia. "Estou na comissão porque sou do lado da anistia. Quero ajudar os anistiados, mas quero ajudar os que têm direito à anistia, não os que querem se aproveitar da anistia", disse.
Negou que os processos da comissão sejam secretos. Segundo ele, "o que faz com que se tenha cuidado de tornar esses processos acessíveis a qualquer um" são os relatos, que eventualmente integram processos, de supostas situações "dramáticas", como torturas e problemas familiares.
Segundo o presidente, ele pode ou não autorizar que jornalistas vejam os processos, desde que faça análise anterior e decida, em caráter pessoal, que os relatos não afetam a intimidade do anistiado.
Lavenére contou que a comissão barrou "de 7.000 a 8.000 pedidos" de vereadores que queriam ser indenizados, quando na verdade teriam direito apenas à contagem do tempo de serviço. "Às vezes aparecem bolsões de requerimento. Temos identificado aqui e acolá que tem havido pessoas que se aproveitam dessa credibilidade [da comissão]. Associações ditas de anistiados políticos, escritórios de intermediação de serviços, advogados", disse Lavenére.
O economista Fernando Talma Sarmento Sampaio, 66, anistiado pela Petrobras, disse que embora tenha trabalhado para governadores biônicos, indicados pela ditadura, foi demitido na Petrobras sob acusação de "atividades políticas", porque um outro trabalhador, interrogado, teria fornecido ao Exército uma lista de petroleiros que estariam atuando para partidos de esquerda.
Sampaio disse que se considerava "de esquerda", mas criticou, com palavrões, o Partido Comunista. Segundo ele, os comunistas eram "vagabundos", que "se borravam nas calças". Sampaio diz que sentiu os efeitos do registro da causa de sua demissão nos órgãos de segurança "ao longo da vida", porque sempre que tentava cargo público, alguma área do Exército colocava objeções.
O vice-presidente da Conape (Associação Nacional dos Anistiados da Petrobras), Antonio Klaes Fontes, disse que nenhum ex-petroleiro, até agora, recebeu o pagamento dos retroativos. Ele diz que a divulgação de que o governo está fazendo tais pagamentos é "propaganda mentirosa".
Fontes atribuiu os valores das indenizações prometidas aos ex-petroleiros aos altos salários pagos pela Petrobras. "A empresa sempre pagou bem, isso se reflete nas indenizações", defendeu.
O anistiado Frederico Birchal de Magalhães Gomes, 64, localizado por telefone, preferiu não conceder entrevista à Folha. Ao saber que a reportagem tinha lido seu currículo no processo da Comissão da Anistia, disse que isso não deveria ter ocorrido. "É uma questão pessoal, de lei", disse.
O capitão José Wilson da Silva, 73, presidente de associação do Rio Grande do Sul das mais ativas na questão das anistias, a Ampla, disse que o valor das indenizações é de responsabilidade "do Estado relapso, que deveria pagar desde 1988". O capitão também afirmou que o valor das anistias da Petrobras explica-se pelo valor dos salários pagos pela empresa. (RV)


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