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ELIO GASPARI
A indústria de calçados sumiu
O Brasil já foi o maior exportador de calçados de borracha para os Estados Unidos.
Coisa fina, cinco vezes mais cara
que os sapatos de couro. De cada
40 americanos, um tinha sapatos
brasileiros. A ekipekonômica, que
confunde pleitos industriais com
mamata, deveria ir à página do
Massachusetts Institute of Technology, o MIT, buscar uma cópia
do trabalho "Ascensão e Queda
da Indústria de Sapatos de Borracha na Amazônia", do economista brasileiro Salo Vinocur Coslovsky. Ele tem 32 anos e já batalhou pelo ambiente no Acre e em
Brasília.
Coslovsky está no MIT desde
2003 e foi atrás de um capítulo
quase desconhecido da história
nacional. Entre 1820 e 1855, um
dos principais produtos manufaturados exportados pelo Brasil
eram os sapatos de borracha da
Amazônia. Exportaram-se cerca
de 500 mil pares pelo porto de Belém. Essa indústria era impulsionada por mercadores americanos
que trabalhavam à maneira das
franquias de hoje. Os caboclos faziam os sapatos, peças inteiriças,
no meio do mato.
Num tempo em que não havia
calçamento nas ruas nem esgotos
nas cidades, esses galochões a prova d"água foram um símbolo social, como os Nike de hoje.
O negócio era bom e os governos
caíram em cima. O do Pará tungou 22% do valor da produção.
Era o imposto mais pesado cobrado em toda a Amazônia. O americano enfiou uma tarifa de 30%
sobre as importações. Alô alô, ekipekonômica: numa hora em que
os Estados Unidos e o Brasil estavam chegando à esquina da industrialização, o Brasil taxou a
produção e os americanos taxaram a importação. Deu no que
deu.
A partir de 1844, com a invenção do processo que permitia modelar livremente a borracha, os
comerciantes americanos não tinham mais motivos para fomentar a produção industrial brasileira. Dois deles tentaram montar
uma fábrica em Belém, mas o negócio não foi adiante. Passaram a
comprar borracha em estado bruto. E a elite local? Estava mais interessada na lavoura escravista.
A partir de 1855, a indústria de
calçados de borracha da Amazônia some, como sumiu o vulcão
Krakatoa. Dela não restou nem
um sapato de lembrança.
Coslovsky tem mais interesse
em mostrar o que houve do que
em atribuir a ruína a um só fator.
Afinal, nem o progresso é produto
da bondade nem o atraso é filho
da malvadeza. Tem muita gente
cheia de amor para dar militando
na agenda do atraso. Num país
onde Mauá, o patrono da indústria, faliu, nada mais instrutivo
do que saber que a primeira manufatura nacional acabou-se
num gemido.
Serviço: uma versão preliminar
(lastimavelmente, em inglês), de
"Ascensão e Queda da Indústria
de Sapatos de Borracha na Amazônia", está no seguinte endereço:
http://web.mit.edu/salo/www/
Harvard poderia exportar Summers
Na noite de terça-feira, os
professores da Universidade
Harvard impuseram um voto de
desconfiança ao seu atual presidente, o economista Lawrence
Summers. O resultado da votação
surpreendeu até o autor da proposta, o professor James Lorand
Matory, figura respeitada na comunidade acadêmica afro-brasileira, estudioso do candomblé e
membro do conselho editorial da
revista "Afro-Ásia", da Universidade Federal da Bahia: "Sinceramente, eu não pensava que a proposta conseguisse um terço dos
votos". Conseguiu 218 contra 185.
Um número bem maior acha que
"Larry" Summers deve ir embora.
Um vexame que só aconteceu
porque no andar de cima não se
presta atenção às bobagens que
diz respeito ao andar de baixo.
Desde a fundação da universidade, em 1636, 140 anos antes da
independência dos Estados Unidos, nenhum presidente passou
pela humilhação imposta a Summers.
Montada em US$ 20 bilhões,
Harvard é a mais rica instituição
laica sem fins lucrativos do mundo. Ninho da elite americana,
formou sete presidentes e Mira
Sorvino, de "Poderosa Afrodite".
Summers é um competente economista, mas fritou-se na gordura de seus modos.
Ofendeu os professores idosos e
o filósofo negro Cornell West, que
foi-se embora para Princeton. Em
janeiro passado, Summers disse,
numa reunião, que a fraca presença das mulheres no mundo da
ciência pode derivar, quem sabe,
de uma falta de "aptidão intrínseca" do gênero. Provocou uma
rebelião que se alastra a cada novo pedido de desculpas. Isso no
andar de cima.
No de baixo, Summers é conhecido da choldra desde a época em
que era economista-chefe do
Banco Mundial, uma espécie de
duque das ekipekonômicas globais. Ele já fez pior e não aconteceu nada. Em dezembro de 1991,
assinou um memorando levantando a seguinte questão: "Cá entre nós, o Banco Mundial não deveria estimular a migração de indústrias poluidoras para o Terceiro Mundo?".
Concluía que "a lógica econômica de se jogar lixo tóxico no
país de baixa renda é impecável".
(Anos depois esclareceu-se que
Summers leu o memorando e assinou-o, mas não o escreveu. Seu
autor foi o economista Lant Pritchett.)
José Lutzenberger, secretário do
Meio Ambiente brasileiro, chamou a lógica de Summers de "insana", típica de um pensamento
movido pela "arrogância intelectual" de economistas que não sabem em que mundo vivem. Como
era moda no Brasil achar que o
maluco era Lutzenberger, demitiram-no.
Alguma universidade brasileira poderia importar Larry Summers.
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