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NO PLANALTO
Negócios, negócios, negociação política à parte
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
Diz-se na cozinha do Planalto que a reforma ministerial demora porque o presidente age com o coração. De fato, Lula dá provas diárias de
amor ao caos. E é correspondido.
De Sarney a FHC, os governos
demoliram a administração pública. O ex-PT vende os escombro$. A Polícia Federal acaba de
concluir inquérito que faz a autópsia de um negócio trançado
por trás das ruínas. Folheando o
processo, o repórter descobriu o
seguinte:
1) a bancada amazonense no
Congresso tenta, desde o raiar
da gestão Lula, apossar-se da superintendência da Receita Federal na região Norte, sediada em
Belém;
2) o deputado Paulo Rocha
(PT-PA), hoje líder do PT na Câmara, era em 2003 o filtro dos
apadrinhamentos amazônicos.
Caiu-lhe nas mãos o currículo de
um candidato ao posto: José Lúcio Rosa de Souza, auditor fiscal
lotado em Manaus;
3) de longe, o auditor parecia
íntimo do petismo. Passeou de
lancha com Paulo Rocha nas
águas do rio Negro. Foi à festa de
aniversário do líder do PT, numa casa chique no Lago Sul, em
Brasília. Tirou fotos com o ministro José Dirceu (Casa Civil) e
com João Paulo Cunha, à época
presidente da Câmara;
4) o auditor passou a voar para a capital com notável regularidade. Visitou gabinetes ilustres, como o de José Sarney. E salas menos eminentes, como a do
deputado Carlos Souza (PP-AM);
5) na seqüência de uma das visitas, Carlos Souza foi à tribuna
da Câmara para atacar o titular
da Superintendência da Receita
no Norte, José Tostes. Insinuou
que seria desonesto. Cobrou a
sua demissão. Parecia ansioso
por eliminar óbices à nomeação
de José Lúcio;
6) as acusações contrastaram
com a biografia de Tostes. Chefia com impessoalidade os escritórios do fisco no Norte. Destacou-se no combate à quadrilha
da Sudam. Abateu projeto caro
aos Sarney. Impôs a Jader Barbalho autuações de R$ 30 milhões. Inconformado, move, por
meio da Advocacia Geral da
União, ação judicial contra Carlos Souza;
7) em suas aparições -na lancha, nas fotos e nos gabinetes-
o auditor José Lúcio fez-se acompanhar de Sérgio Carlos Nascimento de Andrade. É lobista de
Manaus, velho conhecido do ex-governador Gilberto Mestrinho
(PMDB-AM);
8) num bilhete a Renan Calheiros, hoje presidente do Senado, Mestrinho anotou: "O José
Lúcio foi indicado (...) pela bancada do PT -deputado Paulo
Rocha. Soube que o ato está
pronto e o Palocci aguarda apenas uma palavra do PMDB (...).
Pediria, assim, tua interferência
junto ao ministro José Dirceu";
9) súbito, Sérgio Andrade, o lobista, perdeu a invisibilidade.
Foi preso, em janeiro de 2004,
pela polícia civil de Manaus. O
auditor José Lúcio acusara-o de
extorsão. Interrogado, disse que
fizera lobby em favor da nomeação de José Lúcio. Julgava-se credor de R$ 300 mil. A investigação migrou para a PF;
10) relatório de 24 de fevereiro
de 2005, do delegado Sérgio Lúcio Fontes, concluiu pela "(...)
existência de tentativa de indicar um servidor público (...) para
um dos cargos mais importantes
da Receita, mediante lobby realizado com patrocínio indevido
de empresas particulares, denegrindo a imagem do superintendente (...) e, supostamente, oferecendo vantagem indevida para
quem lograsse obter a indicação";
11) o lobista Sérgio Andrade
disse à PF ter sido contratado
pelo próprio José Lúcio e por outro auditor fiscal, Francisco Serrão, que almejava a inspetoria
do porto de Manaus. Contou
que os auditores dispunham de
R$ 1,5 milhão para "premiar" o
político que obtivesse as nomeações;
12) o lobista fez três dezenas de
viagens a Brasília. Em muitas,
foi acompanhado do auditor José Lúcio. Serviram-se dos préstimos de uma agência de viagens
brasiliense. A mesma que atende
à Amazônia Operações Portuárias, arrendatária do Porto de
Manaus;
13) a agência se chama Coyote.
Informou à PF que, ao contatá-la, o lobista disse que suas despesas seriam pagas pela Amazônia
Operações Portuárias. O repórter ouviu Alessandro Bronze Toniza, sócio da firma. "Indiquei o
Sérgio para a Coyote. No começo, ele pagou certinho. Depois,
deu o cano. Me senti na obrigação de pagar." O empresário julga-se vítima de suposto complô
do governo amazonense. "Querem cancelar a concessão do
Porto de Manaus", diz. "Bobagem", refuta um assessor do governador amazonense Eduardo
Braga;
14) os gastos do auditor José
Lúcio com avião e hotel são, segundo a PF, "incompatíveis com
o salário de funcionário público". Pagou em grana viva, "provavelmente para não deixar registros (...)". "Desse aí eu não paguei nada", exime-se Alessandro
Toniza;
15) envenenada pela prisão de
Sérgio Andrade, a nomeação de
José Lúcio mixou. Solto, o lobista
foi indiciado pela PF ("tráfico de
influência"). Indiciaram-se
também os auditores José Lúcio
e Francisco Serrão ("corrupção
passiva") e Alessandro Toniza
("corrupção ativa");
16) os políticos foram isentados. Para a PF, "não existem elementos suficientes para provar"
que agiram "em troca de dinheiro". O líder petista Paulo Rocha
nega até mesmo que tenha agido. Diz ter sido "ingênuo, inexperiente". Deixou-se "envolver"
por Sérgio Andrade. "Sabe como
é lobista, né? Grudou no meu gabinete. Quando percebi..." Jura
ter informado ao auditor José
Lúcio que a Receita estava fora
do jogo político. "Um currículo
dele chegou no Gabinete Civil.
Mas não fui eu que mandei";
17) a Casa Civil diz que por lá
não passou currículo nenhum.
José Dirceu foi ao aniversário de
Paulo Rocha porque é seu "amigo". Tirou fotos, mas "não conhece" os sorrisos que pendem a
tiracolo;
18) confrontado com o papelucho que enviou a Renan Calheiros, aquele em que pediu interferência "junto ao ministro José
Dirceu", Gilberto Mestrinho disse: "A caligrafia é minha. Mas eu
disse depois ao Renan que não
desse muita importância ao bilhete";
19) procurado, o deputado
Carlos Souza silenciou. Em declaração espontânea ao Ministério Público, admitiu ter assinado
"lista de apoiamento" à nomeação do auditor José Lúcio. Um
"ato corriqueiro e normal na Câmara". Não recebeu "proposta escusa ou indecente";
20) o auditor José Lúcio pediu
transferência para Nova Iguaçu
(RJ). Disse à PF que só fala sobre o
caso em juízo. Tem agora no seu
encalço a corregedoria da Receita
Federal;
21) Lula segue costurando a sua
reforma ministerial com o coração. Pela lógica, só deveria entregar ministérios aos homens certos. Tudo indica, porém, que irá
confiar algumas pastas a certos
homens.
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