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São Paulo, domingo, 20 de abril de 2003

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PROGRAMA EM XEQUE

Forma de atendimento aos pobres gera divergências entre ministros da Fazenda e da Segurança Alimentar

"Guinada social" opõe Graziano e Palocci

GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

As mudanças que o governo estuda fazer na área social colocam em lados opostos os ministros Antonio Palocci Filho (Fazenda) e José Graziano (Segurança Alimentar). Sob reserva, o grupo ligado a Graziano refere-se à equipe de Palocci como "neoliberais" da política social.
Para petistas históricos, "neoliberais" são os que defendem a focalização dos programas sociais. Os opositores lutam pela universalização do atendimento. Focalização X universalização é o pano de fundo de uma guerra de poder travada no governo para disputar espaço na política social.
Os principais expoentes dos "neoliberais" da política social são Marcos Lisboa, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e Ricardo Henriques, secretário-Executivo do Ministério da Assistência e Promoção Social. Lisboa e Henriques contam com o aval do ministro Palocci, mas as críticas que vêm sendo feitas ao ex-prefeito de Ribeirão Preto são muito mais brandas do que as que atingem os outros dois.
No segundo grupo, estão petistas históricos. Incluindo pessoas sem assento, mas com influência no governo. É o caso da economista Maria da Conceição Tavares, 73. Ela classifica Lisboa e Henriques como "infiltrados" no poder. Entre os que participam do governo e não suportam ouvir falar em "focalização" de programas sociais está, além de Graziano, o ministro Miguel Rosseto (Desenvolvimento Agrário).
Dependendo de até onde chega a tal "focalização", a lista de críticos cresce. Se afeta o Sistema Único de Saúde, por exemplo, quem se aborrece é Humberto Costa (Saúde). Ele é defensor intransigente do princípio da universalidade do atendimento de saúde. Se raspa na Previdência, Jaques Wagner (Trabalho) tem elevado muito mais o tom do que o titular da pasta, Ricardo Berzoini.
Procurados para falar sobre o assunto, alguns ministros disseram "sentir muito", mas sobre isso não falam. "Esse assunto está sendo discutido na Câmara de Política Social e deve permanecer assim", declarou Cristovam Buarque (Educação).
"Sou velha e vão ter de me ouvir. Só eu e o [deputado] Delfim Netto [PP-SP] somos testemunhas de todas as mudanças que já ocorreram na política brasileira," disse Maria da Conceição Tavares.
A discussão se acentuou depois da divulgação, no dia 10 de abril, em Brasília, do documento Política Econômica e Reformas Estruturais, do Ministério da Fazenda. São 95 páginas. A questão social é abordada em quatro parágrafos, na página 14.
O texto da Fazenda defende a focalização dos programas sociais de forma genérica. Não cita nem saúde nem Previdência. Mas os chamados petistas históricos receiam que as duas áreas estejam embutidas no raciocínio.
O documento diz que as transferências constitucionais de recursos que o governo faz para Estados e municípios não conseguem reduzir a desigualdade de renda no país. Ressalta o fato de o montante de recursos destinado à área social não ser pequena, embora "sua eficácia contra a pobreza seja bastante reduzida".
A conclusão é a seguinte: boa parte dos gastos sociais é direcionada a "não-pobres", e a gestão dos programas sociais é "ineficiente". A falta de avaliação específica de impactos contribui para agravar essa situação.
"Desde quando, pelo amor de Deus, o Ministério da Fazenda está autorizado a falar sobre a focalização dos programas sociais? Quando li o documento, quase tive um ataque", queixa-se Maria da Conceição Tavares. Para ela, o alvo dos ataques é justamente a rede pública de saúde habilitada a atender a todos os brasileiros e a Previdência, que, desde 1996, beneficia com um salário mínimo mensal mesmo aqueles que não têm como comprovar tempo de serviço.
Até antes da divulgação do documento, a discussão sobre o direcionamento dos programas sociais -ou focalização- restringiu-se ao destino das "bolsas" de transferência de renda: Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação e ao cartão-alimentação. O problema é que, assim como Conceição Tavares, outros petistas começaram a temer que isso respingasse em outras áreas do governo.
A idéia dos defensores da focalização é que o governo se concentre em atender os realmente pobres. O primeiro passo é definir conceitualmente os miseráveis, o que já está sendo feito.
A Folha obteve cópia do documento que serviu de base para a exposição feita ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o programa mexicano Progressa, hoje chamado de Oportunidade. Lula gostou do que ouviu.
No México, depois de escolhidos os beneficiados, as famílias passaram a contar com um serviço completo de saúde e nutrição, com foco em crianças de até cinco anos, gestantes e nutrizes.
No cardápio da saúde, há remédios para hipertensão e planejamento familiar.
Os filhos dessas famílias receberam bolsas escolares até completar o ensino médio (segundo grau) e um curso profissionalizante. Quanto mais adiantada a série, maior o valor do subsídio.
Além disso, as famílias receberam dinheiro que poderia ser usado de qualquer forma, mas, segundo o documento, a maior fatia de gastos foi com comida. O programa melhorou todos os indicadores sociais dos beneficiados.
No governo Lula, por enquanto, caminha-se para um consenso quanto à unificação dos programas sociais. Mas ainda há divergências em relação à necessidade de as famílias beneficiadas serem obrigadas a uma contrapartida -a manutenção dos filhos na escola e a frequência nos postos de saúde, por exemplo.
O principal opositor dessa idéia é José Graziano. Ele defende a transferência de renda apenas para comprar alimentos, sem a necessidade de contrapartida.


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