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São Paulo, domingo, 20 de abril de 2003

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Ato coroa série de pressões militares

DA SUCURSAL DO RIO

O decreto editado por Fernando Henrique Cardoso em 27 de dezembro e publicado no ""Diário Oficial da União" em 30 de dezembro do ano passado coroou uma série de pressões militares para dificultar o acesso -público- a documentos sigilosos de órgãos públicos.
O primeiro projeto do que viria a ser a Lei de Arquivos foi iniciativa, no começo da década de 1980, da então diretora do Arquivo Nacional, Celina Vargas do Amaral Peixoto. Houve resistência da área militar, que, como toda a administração, agia sem ter que cumprir legislação específica sobre o tema.
Em 1991, o então presidente Fernando Collor sancionou a lei. Logo a SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos), sucessora do SNI (Serviço Nacional de Informações) e uma das antecessoras da atual Abin (Agência Brasileira de Inteligência), elaborou projeto com nova redação.
Controlada por militares, a SAE queria que os prazos para manter em segredo a documentação contassem a partir do momento em que os papéis fossem classificados (definindo a categoria de sigilo), e não da sua produção. O prazo para liberar um documento de 1970 classificado com um carimbo em 1995 começaria a contar deste ano, e não daquele. A SAE foi malsucedida, e a lei, mantida.
Em 1997, houve reação quando se elaborou o decreto -editado por Fernando Henrique- que limitou a 60 anos o prazo máximo para liberar documentos ultra-secretos. A então Subsecretaria de Inteligência da Presidência queria que os chefes de poderes pudessem delegar a autorização de classificação como ultra-secreto, o que só agora vingou.
"Acho que FHC foi pressionado novamente pela ala militar, que não engoliu o decreto de 1997", afirma a pesquisadora Célia Costa, da Fundação Getúlio Vargas. "No varejo ainda há influência militar."
O decreto de dezembro passado não foi produzido pela Casa Civil. O texto se originou do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) da Presidência, comandado à época do governo tucano de FHC pelo general Alberto Cardoso.
O decreto de dezembro, além da assinatura de FHC, teve as dos ministros Alberto Cardoso e Pedro Parente (Casa Civil). Por meio de um ex-assessor, Parente afirmou que o decreto foi gerado integralmente no GSI.
A professora de história Maria Aparecida de Aquino, da USP, afirma que, sem o acesso a arquivos militares, "ficarão sem nenhuma possibilidade de solução determinados casos" de mortes e desaparecimentos ocorridos durante o regime militar.
Há divergências sobre os motivos de FHC para editar decreto que muda as normas que estiveram em vigor durante seu governo. E também sobre por que Lula mantém o decreto de dezembro.
"Por ter sofrido amnésia das suas idéias passadas, FHC pode ter querido impor uma amnésia à nação brasileira", diz a deputada Alice Portugal, que apresentou projeto de decreto legislativo sustando os efeitos do decreto de dezembro passado.
Seria mais fácil o próprio Executivo revogar o decreto. "Meu projeto é um estímulo para que eles [governo Lula] tomem posição. Não creio que encontrarei resistência [no governo]. Se encontrar, será uma surpresa."
Sobre a atitude do governo empossado em janeiro, a historiadora Aquino diz: "Fico perplexa. Acordos devem ter sido feitos na passagem de governo. Infelizmente isso acontece sem nenhuma consulta à população".
O diretor do Arquivo Nacional, Jaime Antunes, afirma que a "fase de reestruturação" do governo federal talvez tenha impedido que a Casa Civil analisasse a questão.
Para Célia Costa, da Fundação Getúlio Vargas, "a tendência no mundo é liberar ou manter no mínimo necessário os segredos de Estado". O Brasil iria na contramão. Sobre a atitude do Planalto, diz entendê-la, porque "há outras prioridades" e "algumas coisas escapam" no começo de governo. (MM)


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