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HISTÓRIA
Patologista de Tancredo, Miziara afirma que agiu corretamente; ele justificou atitude em nome da "segurança nacional"
Família autorizou "maquiar" laudo, diz médico
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O patologista Hélcio Luiz Miziara, 70, afirma que teve a concordância da família para "maquiar",
em laudo técnico, o diagnóstico
que atribuiu a Tancredo Neves
uma diverticulite aguda perfurada em vez de um leiomioma
-um tumor benigno.
No domingo, o "Fantástico", da
Rede Globo, exibiu o depoimento
do médico, que afirmou ter emitido informações falsas sobre a saúde do presidente eleito, para, segundo disse, não alarmar a população sobre "o medo de que não
tenhamos a posse do presidente".
Aécio Neves (PSDB), governador de Minas Gerais e neto de
Tancredo, e outros familiares
contestaram a nova versão sobre
a morte do presidente eleito.
Há 49 anos na profissão, Miziara diz que o laudo "maquiado" foi
entregue a Tancredo Augusto, filho do presidente que foi eleito
pelo Colégio Eleitoral e que morreu em 1985. Incomodado com a
própria conduta, o patologista levou o caso ao conhecimento do
Conselho Regional de Medicina
do Distrito Federal. Julgado em
1991, foi condenado à pena mais
branda: censura confidencial. Ele
conversou ontem com a Folha.
Folha - Como o senhor define a
mudança que fez no laudo?
Hélcio Miziara - No laudo, não.
No diagnóstico. Tecnicamente, os
dois laudos dizem a mesma coisa.
Não se pode dizer que o laudo é
falso. Eu maquiei o laudo. Deixei
de dar o diagnóstico anatomo-patológico e dei o diagnóstico clínico. Sob o ponto de vista ético, agi
corretamente porque comuniquei aos médicos, à família e ao
representante do governo.
Não menti, não escondi das pessoas interessadas. Tanto é que o
Conselho [Regional de Medicina
do Distrito Federal] me puniu
com a pena mais branda, a "censura confidencial". Fui espontaneamente ao conselho. Eles me
perguntaram se sofri pressão.
Não. Foi por iniciativa minha,
com a aquiescência da família,
única e exclusivamente por medo
da situação política. Achávamos
que ali estaríamos dando um passo para a posse do Sarney, evitando a volta da ditadura.
Folha - Como foi essa decisão, em
19 de março de 1985?
Miziara - Quando houve o diagnóstico, fizemos uma reunião, eu,
os médicos Renault [de Matos],
[Francisco] Pinheiro, Gustavo
Arantes [diretor do Hospital de
Base na época], Tancredo Augusto [filho do presidente eleito], representando a família, e o porta-voz Antonio Brito.
Eu disse a eles que, se fosse divulgado aquele diagnóstico [de
tumor benigno], provavelmente
causaria um impacto emocional
na nação. Iriam dizer: "Ah, ele está com um tumor, deve ser um
câncer, vai morrer e não vai tomar
posse". Qual será a repercussão
no meio militar? Vão dar posse ao
Sarney sabendo que o Tancredo
está com uma doença grave?
Então, disse a eles: "O que vou
dizer aqui contraria todos os princípios éticos, mas, em se tratando
de segurança nacional, me proponho a mudar o laudo. O doutor
Tancredo Augusto, que está aqui,
vai assinar um documento dizendo que tem consciência do laudo
original e que só fará uso deste outro laudo se for obrigado a mostrá-lo à imprensa. Quando o paciente sair, o senhor rasga, porque
isso pode trazer complicações para mim". Ele concordou, mas acabei não pegando o documento.
Folha - Tancredo Neves soube da
maquiagem do diagnóstico?
Miziara - Sei que, em um bilhete,
entregue a alguém que não posso
revelar o nome, ele disse que queria saber como estava reagindo a
opinião pública à doença.
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