São Paulo, quarta-feira, 20 de abril de 2005

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HISTÓRIA

Patologista de Tancredo, Miziara afirma que agiu corretamente; ele justificou atitude em nome da "segurança nacional"

Família autorizou "maquiar" laudo, diz médico

ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O patologista Hélcio Luiz Miziara, 70, afirma que teve a concordância da família para "maquiar", em laudo técnico, o diagnóstico que atribuiu a Tancredo Neves uma diverticulite aguda perfurada em vez de um leiomioma -um tumor benigno.
No domingo, o "Fantástico", da Rede Globo, exibiu o depoimento do médico, que afirmou ter emitido informações falsas sobre a saúde do presidente eleito, para, segundo disse, não alarmar a população sobre "o medo de que não tenhamos a posse do presidente".
Aécio Neves (PSDB), governador de Minas Gerais e neto de Tancredo, e outros familiares contestaram a nova versão sobre a morte do presidente eleito.
Há 49 anos na profissão, Miziara diz que o laudo "maquiado" foi entregue a Tancredo Augusto, filho do presidente que foi eleito pelo Colégio Eleitoral e que morreu em 1985. Incomodado com a própria conduta, o patologista levou o caso ao conhecimento do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal. Julgado em 1991, foi condenado à pena mais branda: censura confidencial. Ele conversou ontem com a Folha.

 

Folha - Como o senhor define a mudança que fez no laudo?
Hélcio Miziara
- No laudo, não. No diagnóstico. Tecnicamente, os dois laudos dizem a mesma coisa. Não se pode dizer que o laudo é falso. Eu maquiei o laudo. Deixei de dar o diagnóstico anatomo-patológico e dei o diagnóstico clínico. Sob o ponto de vista ético, agi corretamente porque comuniquei aos médicos, à família e ao representante do governo.
Não menti, não escondi das pessoas interessadas. Tanto é que o Conselho [Regional de Medicina do Distrito Federal] me puniu com a pena mais branda, a "censura confidencial". Fui espontaneamente ao conselho. Eles me perguntaram se sofri pressão. Não. Foi por iniciativa minha, com a aquiescência da família, única e exclusivamente por medo da situação política. Achávamos que ali estaríamos dando um passo para a posse do Sarney, evitando a volta da ditadura.

Folha - Como foi essa decisão, em 19 de março de 1985?
Miziara
- Quando houve o diagnóstico, fizemos uma reunião, eu, os médicos Renault [de Matos], [Francisco] Pinheiro, Gustavo Arantes [diretor do Hospital de Base na época], Tancredo Augusto [filho do presidente eleito], representando a família, e o porta-voz Antonio Brito.
Eu disse a eles que, se fosse divulgado aquele diagnóstico [de tumor benigno], provavelmente causaria um impacto emocional na nação. Iriam dizer: "Ah, ele está com um tumor, deve ser um câncer, vai morrer e não vai tomar posse". Qual será a repercussão no meio militar? Vão dar posse ao Sarney sabendo que o Tancredo está com uma doença grave?
Então, disse a eles: "O que vou dizer aqui contraria todos os princípios éticos, mas, em se tratando de segurança nacional, me proponho a mudar o laudo. O doutor Tancredo Augusto, que está aqui, vai assinar um documento dizendo que tem consciência do laudo original e que só fará uso deste outro laudo se for obrigado a mostrá-lo à imprensa. Quando o paciente sair, o senhor rasga, porque isso pode trazer complicações para mim". Ele concordou, mas acabei não pegando o documento.

Folha - Tancredo Neves soube da maquiagem do diagnóstico?
Miziara
- Sei que, em um bilhete, entregue a alguém que não posso revelar o nome, ele disse que queria saber como estava reagindo a opinião pública à doença.


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