São Paulo, quarta-feira, 20 de abril de 2005

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Provinciano, ele tomava chazinho, afirma anestesista

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Anestesista que participou de sete cirurgias em Tancredo Neves e que conviveu com o então paciente durante 26 dias, quando este teve "grandes períodos de consciência", Ruy Gomide do Amaral, 78, disse que a família Neves o constrangeu e colocou sua dignidade profissional em jogo.
"Sou professor emérito da USP, especialista nos EUA e no Brasil. Não tem cabimento", afirmou ontem à Folha.
O médico reafirma o que disse há 20 anos: Tancredo Neves já estava doente havia vários meses antes de ser internado às pressas no Hospital de Base de Brasília. Familiares do presidente eleito refutaram em nota divulgada no "Jornal Nacional", da Rede Globo, informações da equipe médica que cuidou de Tancredo em São Paulo.
Amaral fala em tom carinhoso sobre o ex-paciente e guarda reportagens que mostram que já afirmava, em 85, que Tancredo vinha sofrendo escondido de uma bacteriemia havia oito meses. Recordou, por exemplo, que, antes das eleições, Tancredo aparecia em várias fotos com a perna esquerda esticada, para derrotar as dores.
"Em matéria de medicina, ele era o típico mineiro provinciano, que tomava chazinho e não obedecia aos médicos, não fazia exames", declarou Amaral. Em janeiro daquele ano, por exemplo, tinha visitado a Europa sob tratamento de forte antibióticos, à revelia dos médicos. "Ele fazia imprudências."
O anestesista repetiu uma frase dita à Folha naquela época: "Ele [Tancredo] considerou o adiamento do tratamento um erro, mas eu o atribuo a seu patriotismo."
O médico também afirmou que teve um contato muito grande com a família Neves, especialmente com Risoleta (mulher do presidente eleito). "Tenho uma carta de três páginas em que ela mostra essa intimidade", continuou o médico, que não quis apresentar o documento ontem ao jornal.
Para ele, a família pode não ter se lembrado de seu rosto, e por isso ter desautorizado suas declarações e a de outros médicos do presidente eleito que deram entrevista ao "Fantástico", da Rede Globo. "Até meus filhos ligaram perguntando."
Para Amaral, a reportagem do "Fantástico", que mostrou ainda que Tancredo morreu em decorrência de uma resposta inflamatória sistêmica, -e não de infecção generalizada- contribui porque acaba com a celeuma sobre a causa de morte do presidente eleito.
"Tudo começou com um tumor benigno no intestino delgado, infectado. O tumor tinha sido extirpado em Brasília, mas a continuidade do processo infeccioso acabou liberando uma pequena artéria que sangrou muito para o interior do intestino. Uma infecção dessa magnitude leva a um processo inflamatório generalizado, que levou a uma insuficiência de múltiplos órgãos", continuou. "Estive presente no quarto dele até parar o coração. Assisti à necropsia, à realização da máscara mortuária. Eu vivi completamente."


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