|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JANIO DE FREITAS
De acusador a réu
Os choques estão se dando em
tantas frentes, ao mesmo tempo,
que é muito difícil encontrar uma
expressão que defina esse quadro
de conturbação, no qual uma só
expectativa tem nitidez: é impossível uma solução conciliatória,
com final satisfatório para todas
as partes em choque.
Choque de Fernando Henrique
com o Judiciário e, mais intenso
ainda, com o Ministério Público.
Choque seu com parte do que se
chama de bancada governista,
acusada de criar com as CPIs uma
situação dramaticamente incontrolável pelo governo. Choque forte entre duas correntes dos governistas. Choque das visões publicamente expostas de Mário Covas e
Antonio Carlos Magalhães com a
de Fernando Henrique. E não estão aí todos os choques em curso.
Mas todos os choques estão ligados ao estouro, afinal, da velha
inflamação nacional que é o Banco Central conduzido acima das
instituições e à margem da moralidade.
Os choques políticos se acomodam, tanto faz se de um ou de outro jeito. Mas a investida de Fernando Henrique contra o Ministério Público e o Judiciário, levando parte dos governistas a acompanhá-lo, tem implicações graves.
E, portanto, potencial para produzir consequências não menos
graves.
A interpretação de Fernando
Henrique para a ida de representantes do Ministério Público e da
polícia à casa de Francisco Lopes,
aí coletando material a ser investigado, é a de que tal ato representa ""uma volta ao arbítrio". Ou seja, a uma situação em que predomina, sem consideração aos direitos alheios, a vontade de alguns
dotados da força de autoridades,
ainda que ilegítimas.
Dois dias antes, houve ato idêntico em busca de documentos do
banqueiro Salvatore Cacciola, cujo Banco Marka foi beneficiário
da venda, pelo Banco Central, de
dólares abaixo do valor verdadeiro. A busca foi comentada por
Fernando Henrique e por vários
governistas, mas sem que fosse
dada como ""uma volta ao arbítrio" nem mesmo como ato violento.
Os representantes do Ministério
Público cumpriram, nos dois casos, a exigência legal para as buscas: a autorização judicial e a
ação nas horas do dia. Para que
haja a autorização, é necessária a
existência de motivo relevante e
objetivo, o que também foi cumprido com documentos ligando as
pessoas de Cacciola e Lopes, nas
preliminares daqueles favorecimento.
Fernando Henrique talvez não
soubesse da correção do Ministério Público. Sabia, porém. Sua interpretação do episódio diz ainda:
""Trata-se de uma ação que extrapolou os limites do bom senso,
embora tenha base legal".
Diante disso, uma primeira
questão: se teve ""base legal", a
ação não poderia representar
""uma volta ao arbítrio", que não
é outra coisa senão a falta de base
legal.
Segunda questão: se a ação teve
""base legal", como se justificaria a
frase fortíssima do seu comentário? ""Espero que a opinião pública repudie a volta do arbítrio no
Brasil" é, mais do que a reiteração
de uma ilegalidade que o próprio
Fernando Henrique negara, uma
incitação explícita contra o Ministério Público. E, por decorrência, contra a Constituição que institui o Ministério Público e lhe
confere a atribuição e o poder, independente das demais instituições, de representar o Estado nas
ações públicas contra quem quer
que seja. Inclusive o presidente da
República.
Por isso, o potencial de consequências graves, dito lá em cima.
A continuarem Fernando Henrique e os governistas a agir para
sujeitar o Ministério Público às
conveniências do governo, contra
investigações sérias dos negócios
no Banco Central, é bem capaz de
entrar em cena o artigo 85 da
Constituição, segundo o qual ""são
crimes de responsabilidade os
atos do Presidente da República
que atentem contra (...) o livre
exercício (...) do Ministério Público".
Seria fácil a representantes do
Ministério Público apresentar
provas de que Fernando Henrique
subverteu a verdade dos fatos,
contra o Ministério, e com isso,
além do mais, praticou ""uma volta ao arbítrio" - outro ato definido como crime de responsabilidade.
Seria fácil, não. Ao que parece,
já não é o caso de verbo no condicional. Pode ser no futuro.
Texto Anterior: "Tem que furar o tumor", diz Covas Próximo Texto: No Ar - Nelson de Sá: Operações Índice
|