São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001

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POLÍTICA NO ESCURO

Presidente enfrenta pior fase a 19 meses do fim do mandato

Gerente da crise, FHC vive ameaça de apagão político

Alan Marques/Folha Imagem
O presidente FHC durante evento no Palácio da Alvorada


ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ao assumir o segundo mandato, em janeiro de 1999, o presidente Fernando Henrique Cardoso declarou solenemente: "Não fui eleito para ser o gerente da crise".
Desde então, FHC praticamente não faz outra coisa senão gerenciar uma crise atrás da outra: a desvalorização do real, invasões do MST, denúncias de corrupção, demissão de ministros, abalos crônicos da base congressual do governo, CPIs (dos Bancos e do Judiciário) e ameaças de CPIs.
Poucas vezes, porém, FHC esteve tão frágil como parece hoje, a 19 meses de deixar o cargo. Além da síndrome de fim de governo, conseguiu associar três problemas explosivos: crise política, denúncias de corrupção e racionamento de energia.
Se começava a subir alguns pontos nas pesquisas de opinião, maio desautoriza qualquer sonho de recuperação significativa. A tendência agora é de queda.
O mais novo golpe está na revista "Veja" desta semana: o economista Francisco Lopes venderia informações privilegiadas quando presidia o Banco Central e comandava a desvalorização cambial. Salvatore Cacciola, do banco Marka, "grampeou" seus telefones, chantageou o governo e levou o equivalente a R$ 1 bilhão.
Diante da crescente ameaça da CPI da corrupção, abortada há duas semanas, FHC cometeu dois erros. Agiu tarde e recorreu a todos os instrumentos de governo para evitar a instalação da CPI.
Evitou o desgaste de um processo parlamentar de investigação contra o governo, mas perdeu duplamente: por abrir os cofres públicos para liberar emendas politiqueiras dos aliados e por não medir esforços para impedir a apuração da corrupção.
Na própria oposição, porém, há dúvidas quanto ao grau de desgaste de FHC. Afinal, o sistema é presidencialista, FHC tem uma poderosa máquina de comunicação e ação política. A base aliada não tem muito para onde correr sem os benefícios do poder.
PSDB, PFL e PMDB oscilam entre agressões mútuas e o temor de que a precipitação do fim do governo funcione como um abraço de afogados: sem FHC, naufragam todos nas eleições.
O senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) tem dito abertamente que o grande beneficiário da crise, que abate até fisicamente FHC, é o governador de Minas Gerais, Itamar Franco (PMDB).
ACM não está em situação melhor do que FHC, muito pelo contrário. Mas um interlocutor assíduo do governador mineiro, o ex-deputado Israel Pinheiro Filho, confirma: "Nunca vi Itamar tão feliz. Parece até um menino".
Itamar está protegido por uma certa distância de Brasília e da crise, mas o PT não só está dentro dela como tenta capitalizar estrategicamente o desgaste de FHC.
Petistas e tucanos têm ao menos uma avaliação em comum: Itamar consolidou uma fama entre o folclórico e o antiquado. Acham que, fora de Minas, a boa imagem construída na Presidência ruiu em pelo menos dois episódios, a moratória da dívida externa mineira e a "operação de guerra" da PM para impedir a privatização de Furnas.
Outro complicador para Itamar é que ele precisa ganhar uma batalha interna contra os governistas do PMDB. A atual cúpula partidária, com ministérios e cargos de bom tamanho no governo, não descarta Itamar, mas não quer perder as benesses em campanhas de reeleição país afora.
Em 2002, haverá eleição não só para presidente, mas para governador, dois terços do Senado e deputados federais e estaduais.
Luiz Inácio Lula da Silva, provável candidato do PT, tem tentado ficar longe da crise. No partido, reclamam que deveria estar mais presente no cotidiano da população. Em plena crise energética, está bem longe: na China.
E Ciro Gomes, do PPS, surge eventualmente com um discurso monocórdico, sempre batendo em cheio em FHC. Tenta se aproveitar da crise para atrair o PTB, que apóia o presidente no Congresso, e fechar uma aliança que lhe dê mais tempo de TV.
Do lado governista, os poucos candidatos prováveis exercitam uma relação de atração e distanciamento de FHC. O melhor exemplo é o ministro da Saúde, José Serra (PSDB). Ao mesmo tempo em que precisa de FHC e das armas do governo para enfrentar a campanha presidencial de 2002, dá sinais de não querer se contaminar com o desgaste.
Quer bônus sem ônus, como reclamam congressistas, principalmente tucanos, que têm conversado com FHC. O presidente, velho amigo do ministro, tem se queixado de que Serra tenta fazer um vôo solo, descolando os feitos na Saúde do resto do governo.
O PSDB, partido do presidente, vive dilema semelhante ao de Serra, mas, apesar de todos os movimentos para adquirir independência, avalia que o seu destino está ligado ao de FHC.
No PFL, a crise é geral e irrestrita. Além de não ter candidato próprio ao Planalto, vive a ameaça de cassação de ACM, seu principal líder, dono do maior número de votos e da mais expressiva bancada parlamentar.
No Planalto, no PSDB e no PMDB, a avaliação é de que este é o momento para retirar o principal obstáculo à recomposição da aliança, que é justamente ACM. O PFL, entretanto, demonstra empenho na salvação do cacique.
A crise da violação do painel do Senado é, hoje, o principal choque de interesses entre os partidos governistas. O desejo generalizado, inclusive no próprio PFL, é que ACM renuncie ao mandato. Deixa de ser o maior inimigo de FHC no Congresso. E salva a bancada do PFL na Bahia em 2002.


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