São Paulo, segunda-feira, 20 de maio de 2002

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ENTREVISTAS DA 2ª

Para Pedro Rezende, professor da UnB, apuração dos votos tornou-se "privada" e o TSE é o "dono das urnas"

"Voto eletrônico amplia chance de fraude"

SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília Pedro Rezende, 49, diz que a urna eletrônica criou riscos de novos tipos de fraude, antes impensáveis, e que a adulteração de votos agora é possível "por atacado". Crítico da segurança do sistema eletrônico, em uso desde 1996, Rezende afirma que a nova modalidade de voto tornou a apuração "privada" e chama o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de "o dono da urna".
Em entrevista à Folha, ele sugere a possibilidade de o próprio TSE promover a fraude e sustenta que o órgão não assegura a transparência necessária para dissipar as dúvidas sobre a confiabilidade desse sistema. Para dar explicações sobre a segurança da urna eletrônica, o presidente do TSE, Nelson Jobim, e o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Alberto Cardoso, vão na terça ao Congresso.
Rezende coordena um programa de extensão em criptografia e segurança computacional da UnB. Ele é doutor em matemática pela própria Universidade de Brasília e PhD em matemática aplicada pela Universidade da Califórnia, em Berkeley. Na entrevista, Rezende critica a participação do Cepesc (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para a Segurança das Comunicações), ligado à Abin (Agência Brasileira de Inteligência), na preparação do sistema do voto informatizado.
O órgão é responsável pelos sistemas criados para impedir a violação dos disquetes retirados das urnas e inseridos nos computadores da Justiça Eleitoral, mas, segundo ele, o TSE não permite que fiscais dos partidos fiscalizem esses programas. Leia os principais trechos da entrevista à Folha:
 

Folha - O sistema da urna eletrônica foi criado para afastar o risco de fraude. Por que, seis anos após a sua estréia, o eleitor deve ficar alerta quanto à falta de segurança?
Pedro Rezende
- A tecnologia digital cobra um preço para acabar com algumas fraudes em papel. Esse preço é o risco de novas formas de fraude, antes impensáveis. Com a urna eletrônica do TSE, o escrutínio [apuração de votos" se tornou privado. Os votos saem da urna já somados, tabulados e codificados por programas de computador só conhecidos por quem os fez. Estamos sendo convidados a acreditar na palavra dos que respondem por esses softwares.
A apuração manual é demorada porque a queremos confiável. Em uma junta apuradora atual, os fiscais só vêem disquetes entrando em gretas e luzinhas piscando. A velocidade do computador tende a tornar o processo opaco.
Se o dono da urna [o TSE" quiser abusar de sua posição privilegiada para trafegar influência por atacado, nunca poderemos provar que houve fraude a ponto e a tempo de impedir seu efeito.
Isso é muito diferente dos erros intencionais de varejo na totalização em papel, impostos no grito em juntas apuradoras nos antigos currais eleitorais. Curral eleitoral agora é cercado pelo software.

Folha - Quais são as fraudes possíveis na urna eletrônica?
Rezende
- Há várias formas de embuste [impostura] por meio do software instalado na urna ou do uso indevido dessas urnas. Por exemplo, o boletim enviado ao tribunal em disquete pode ser gerado em uma urna clonada, que funcionaria escondida na mão do mesário. Mas as fraudes mais perigosas são as que podem ser montadas dentro da urna.
Esse embuste pode ser feito inserindo uma cláusula condicional no trecho do programa que registra a contagem dos votos. Numa eleição majoritária em segundo turno, poderia ser usada uma condicional que somasse um voto ao total de um candidato sempre que a sua votação atingisse um determinado múltiplo, subtraindo-o do outro candidato. Um voto desviado a cada 40 distorceria o resultado em 5%.

Folha - Há insegurança quanto à participação indireta da Abin, por meio do Cepesc, na preparação da urna. Alberto Cardoso compara o Cepesc ao fabricante de um cofre que perde o controle sobre o produto depois que o cliente cria o segredo para abri-lo. Para o sr., há o risco de manipulação do Planalto?
Rezende
- Nenhum crítico sério do nosso sistema eleitoral condena a participação da Abin simplesmente por se tratar da Abin. A comparação do general está correta, mas não para o contexto em que é suscitada. A questão que merece atenção não é com quem estará o controle do cofre quando em uso, mas que a ninguém, além dos envolvidos no negócio, é permitido saber como foi construído o cofre e que tipo de coisa se instala na urna como se fora um cofre.
E se esse cofre for na verdade uma caixa de mágico? A manutenção na urna de um só programa inauditável, como o do Cepesc, pode servir como álibi para a ocultação de embustes por trás de toda a transparência no resto.



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