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São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

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QUAL REFORMA?

Para José Murilo de Carvalho, "populismo" pode afetar governabilidade ao jogar opinião pública contra servidores

Governo Lula estimula cisão, diz historiador

DA REPORTAGEM LOCAL

O historiador José Murilo de Carvalho, doutor em ciência política pela Universidade de Stanford (EUA) e professor titular de história da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), afirma que ação do governo Lula na reforma da Previdência estimula a cisão. "Lula recorre ao apoio do povo numa linha quase populista que estimula uma cisão. Joga o povo, a maioria desorganizada, contra os funcionários públicos, uma das minorias organizadas. No limite, a exacerbação populista pode ter um custo alto para a governabilidade", avalia.
O historiador criou um neologismo para definir a relação do cidadão brasileiro com a máquina estatal. "O Estado no Brasil sempre foi visto como grande fonte de emprego. Já disse que em vez de construir cidadania tivemos Estadodania. É o Estado não só como gerador de emprego, mas também de subsídio industrial, de maneira que tudo gira em torno dele, concedendo benefícios sempre aos mais organizados."
José Murilo de Carvalho afirma que quando a maioria desorganizada tenta se aproximar do Estado não há mais benefícios para distribuir para todo mundo. "Então, aparece uma maior ênfase em defesa da moralidade. Uma reação sociológica e clientelista: por que eu não sou beneficiado? Mas não há como distribuir para todo mundo que quer, então que se restaure a moralidade."
A ruptura da principal representante das entidades de trabalhadores com os sindicatos do setor público é o fato mais importante da tramitação das reformas até aqui, na avaliação do historiador. "A coisa mais concreta das reformas é a cisão da CUT, com a separação dos interesses dos sindicatos ligados ao setor público dos ligados ao setor privado. A CUT foi criada defendendo o atual presidente da República e tem de ter agora uma nova posição que isola o setores do serviço público, em defesa de seus benefícios e privilégios."
Carvalho crê que, com a cisão, a CUT tende voltar à sua origem, criada a partir de um movimento de metalúrgicos, da iniciativa privada, em detrimento às demandas do setor público.
"A reforma tende a manter a tradição de beneficiar os grupos mais organizados e atingir pessoas que vêm sendo atingidas desde sempre. Os grupos mais privilegiados manterão seus privilégios, como mostra a discussão em torno de um fundo especial de aposentadoria para a magistratura", analisa.
Para o historiador, o governo Lula segue por onde esperava. "Nada de refundação, revolução. Vai continuar a ser um teste da capacidade de negociação do governo. Lula parece deslumbrado com o poder. Acha que pode fazer e acontecer. Mas não é assim."
"Surpreende que o PT tenha passado 12 anos na oposição e não tenha projetos para setores como, por exemplo, a reforma agrária. Ali vive uma situação complicada, com dificuldade para reformar. O PT está descobrindo a complexidade do Brasil, de quebrar privilégios", afirma.
O historiador vê uma dubiedade em Lula. "Atua como se houvesse uma separação de dois presidentes. Um é a figura física dele e o outro o chefe de Governo. Um é o do discurso. O outro da ação."


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