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São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

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QUAL REFORMA?

Presidente do STF tenta manter canal de comunicação aberto com governo; categoria decide paralisação amanhã

Ameaça de greve de juízes pressiona mudança

MARTA SALOMON
RAYMUNDO COSTA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O recuo do recuo, como ficou conhecida a negociação que resultou na nova versão da reforma da Previdência, não deu às regras de aposentadoria do setor público o seu formato definitivo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva soube disso antes mesmo de o relatório do deputado José Pimentel (PT-CE) ser lido no plenário da Câmara, na quinta-feira.
Nesse dia, quando reuniu no Palácio da Alvorada alguns de seus principais assessores, Lula ouviu de um deles que o limite de remuneração imposto ao Poder Judiciário nos Estados -75% dos vencimentos de um ministro do Supremo Tribunal Federal- cairá nos tribunais, caso seja aprovado pelo Congresso.
Pivô da ameaça de greve dos juízes, com cores de crise institucional, o chamado subteto entrou na reforma previdenciária para ajudar o caixa dos governadores, que fazem o papel de cavalaria montada na estratégia do governo em favor das reformas.
O presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), e o presidente do STF, Maurício Corrêa, também sabem o que Lula sabe. Os dois trocaram telefonema na tumultuada tarde de quinta-feira. João Paulo tranquilizou Corrêa: "Isso vocês resolvem depois", comentou sobre o subteto.
Na sequência, o ministro classificou de "inadmissível" a ameaça de greve dos juízes.
Porta-voz do Judiciário nas negociações, Corrêa zela para manter o canal aberto. Pessoalmente, está mais interessado na aprovação da emenda que aumenta de 70 para 75 anos a idade para aposentadoria compulsória.
A mudança evitaria que o presidente do Supremo tivesse de deixar o posto em maio do ano que vem, no meio do mandato.
Sem a pretensão de ser definitivo, o recuo do recuo selado na quinta-feira teve um objetivo muito claro na estratégia do Planalto. Depois de menosprezar inicialmente o poder dos juízes, o governo descobriu que a reforma previdenciária não se completa com a promulgação da emenda constitucional pelo Congresso. A palavra final caberá aos tribunais. E isso dá aos juízes mais poder do que aos partidos políticos e os diferencia dos outros servidores.
É o poderoso poder da toga.

Contribuições
Caberá aos juízes definir, por exemplo, o destino da contribuição de inativos, curiosamente deixada de fora da pauta de negociações e responsável pela maior parte do efeito da reforma nas contas públicas.
Os senadores José Sarney (PMDB-AP), Renan Calheiros (PMDB-AL) e Aloizio Mercadante (PT-SP), presidente do Senado, líder do PMDB e líder do governo, respectivamente, questionaram Corrêa sobre o aparente desaparecimento da polêmica em torno da cobrança dos inativos.
"Os tribunais vão cuidar disso depois", foi a frase que ouviram sobre o questionamento.
No complicado jogo entre Poderes, o presidente Lula deu sinais de não se intimidar com uma eventual greve nacional dos juízes. Caso ela ocorra, será a primeira na história do país. A decisão está prevista para amanhã, em reunião da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros).
O presidente da entidade, Cláudio Maciel, diz ter certeza de que a greve sairá, independentemente da provável falta de apoio público e de um igualmente provável arranhão na instituição: "Pode desmoralizar [o Judiciário], mas pior do que ficará com a reforma da Previdência é impossível", argumenta. "Estamos sendo chamados para o confronto."
Maciel tenta pensar com a cabeça do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda), um dos principais opositores a concessões maiores na reforma. "Se estão preocupados com a reação do mercado, como pensam que o mercado vai reagir a uma crise institucional?", provoca.
A história recente registra uma ameaça parecida de greve de juízes, em fevereiro de 2000. Foi abortada na véspera por uma polêmica decisão do ministro Nelson Jobim no Supremo Tribunal Federal. Por meio de liminar, Jobim concedeu aumento salarial disfarçado em auxílio-moradia.
O presidente da AMB participou da negociação e, até a semana passada, estava certo de que haveria um acordo para garantir aposentadoria integral com repasse dos reajustes (a chamada paridade) aos atuais e aos futuros servidores, além de um limite mais elevado (90% do vencimento do STF) aos salários dos magistrados nos Estados.
"É a mesma coisa que um cabo ganhar mais do que um almirante", reclama sobre o percentual de 75% do subteto. Os almirantes, no caso, seriam os desembargadores.
O "acordo" a que Maciel se refere era uma proposta de negociação tornada pública por líderes governistas antes da hora e que basearia as articulações comandadas pelo presidente da Câmara, João Paulo. O episódio rendeu ao deputado o apelido de "anti-Midas" na cúpula política do governo -uma referência à personagem que transformava tudo o que tocava em ouro.
As trapalhadas na articulação política do governo despertaram uma legião de "experts" em política na oposição. Embora ninguém imaginasse que a reforma previdenciária encaminhada ao Congresso no final de abril pudesse ser mantida intacta, foram vários os que concluíram que Lula "piscou" antes da hora, abrindo caminho a pressões ainda mais fortes.
Para um outro grupo também numeroso, o erro de Lula foi tratar todos os servidores públicos como iguais -um princípio do qual o governo não abre mão.
O ministro Ricardo Berzoini (Previdência), voto vencido em concessões maiores para conter a resistência do Judiciário, insiste que a porta das negociações não foi fechada pelo governo.


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