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São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

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NEO-OPOSIÇÃO

José Roberto Afonso diz que PT sofre com falta de credibilidade no mercado e não sabe como "reformar a casa"

Economista do PSDB nega "herança maldita"

DA REPORTAGEM LOCAL

O economista José Roberto Afonso, coordenador da parte econômica do documento do PSDB que faz críticas à gestão Lula, avalia que o PT está pagando pela falta de credibilidade no mercado internacional. Para ele, o PT foi eleito para "reformar a casa", mas não sabe como fazer essa tarefa. "Essa era a proposta não só do Lula como do [José] Serra", completa Afonso, que também coordenou o programa do então candidato tucano à Presidência.
Afonso defende o que chama de avanços obtidos pelo governo FHC e desvincula qualquer dificuldade enfrentada pela atual equipe econômica da herança deixada pelos tucanos.
"É fácil dizer que não repetiríamos esses passos, mas não sei até onde isso ajuda. Nós perdemos a eleição. Acho que podemos mostrar as alternativas." Leia abaixo a entrevista. (JULIA DUAILIBI e LILIAN CHRISTOFOLETTI)
 

Folha - Quais as principais críticas do PSDB em relação à política econômica do PT?
José Roberto Afonso -
O presidente prometeu o espetáculo do crescimento, mas o que se viu, lamentavelmente, é a situação inversa: o espetáculo da recessão. Há uma piora muito acentuada nos indicadores de produção e de emprego do país. Muitos economistas, até a gente, estão alertando para a dosagem dos juros. Isso não é a continuidade da política econômica anterior.
Você até pode estar usando os mesmos instrumentos, mas numa graduação muito diferente. A taxa de juros real projetada pela economia brasileira, levando em conta a inflação futura, é a maior no país desde 99, quando houve uma crise cambial. Os problemas do começo deste ano foram oriundos das incertezas da campanha eleitoral. Preocupa ainda a questão do desemprego. Vemos que o governo não tem política para combatê-lo.

Folha - Para o PT, isso é fruto da política econômica de vocês.
Afonso -
Esse governo lembra um adolescente que acabou de tirar a carteira de motorista e, de repente, cai no meio de uma estrada e não sabe o que fazer. São duas as reações: olhar no retrovisor e pisar no freio. Para a gente, é fácil dizer que não repetiríamos esses passos, mas não sei até onde isso ajuda. Nós perdemos a eleição. Acho que podemos mostrar as alternativas: dosar os juros, enfrentar a questão externa por meio da reforma tributária.
Não acho que há herança maldita. Se houvesse, não estaríamos ganhando tantos prêmios internacionais, não chegaríamos ao segundo turno. Durante a transição, não me lembro de ninguém falar em herança maldita. E lá eles conheceram detalhes do governo que nem eu conhecia.

Folha - É fácil falar quando se está na oposição. Durante a gestão FHC, o país cresceu a taxas medíocres e o desemprego aumentou.
Afonso -
Fácil era o que o PT fazia. Nós não vamos fazer o que eles faziam. O nosso papel é criticar e apontar alternativas. Durante a gestão FHC, temos de lembrar que o crescimento foi tolhido por uma sucessão de crises internacionais que não estão ocorrendo agora. Do ponto de vista econômico, o governo arrumou a casa. E nisso ele teve sucesso. Consolidou a estabilidade da economia, reduziu a inflação, fez reforma estrutural. Precisava de mais, precisava. Mas partindo da casa arrumada, vamos reformá-la. Essa era a proposta não só do Lula como do Serra. O que vemos hoje é que o PT não sabe como reformar a casa e nesse sentido até economistas históricos do partido falam a mesma coisa.

Folha - O governo FHC levou oito anos para arrumar a casa? Não é muito tempo?
Afonso -
Não. Você fez uma arrumação de casa conjuntural e estrutural. O Plano Real foi uma arrumação importante depois de 30 anos de inflação. Conseguimos, pela primeira vez, sem quebrar contrato, estabilizar. Avançamos nas reformas institucionais, como as desestatizações, fizemos a Lei de Responsabilidade Fiscal. Na política social, não adotamos paternalismos. Talvez seja por isso que a população não reconheça o que se fez nessa área.

Folha - O fato é que existiam restrições quando o governo assumiu.
Afonso -
Você exagerou na dose dos juros. Mesmo quando precisava aumentar os juros para combater a inflação, em decorrência do câmbio, e, depois, das incertezas eleitorais, não precisava elevar tanto nem por tanto tempo. E o resultado é que, mesmo quando já havia indicadores de deflação, a taxa de juros continuou elevada. Aumentaram a meta de superávit sem que o FMI tivesse pedido. Esse é o custo que o PT tinha de pagar pela falta de credibilidade junto ao mercado. Agora precisa, a curto prazo, tomar medidas firmes que melhorem o resultado externo, que seja permanente e não dependente de câmbio. Daí a reforma tributária.

Folha - Por que existe esse ceticismo em relação ao "espetáculo de crescimento"?
Afonso -
Essa agenda era a agenda antiga, que nem servia mais a FHC. Era agenda para arrumar casa, que já foi arrumada. Precisa de algo mais, que é o que não estamos vendo. Precisa de choque externo muito grande. Até hoje não trataram com governadores pacto para aumentar exportações. Não pode exportar como alternativa ao mercado interno que está ruim ou porque o câmbio subiu. Precisamos de medidas estruturais, estradas, pesquisas. Precisamos aumentar o crédito imediatamente. O dos bancos públicos caiu, mas o dos privados caiu mais ainda.

Folha - Nada melhorou?
Afonso -
O governo conseguiu melhorar os indicadores de inflação. Ótimo, parabéns. O risco país. Ótimo, parabéns. Mas volto ao ponto. Vai cair a taxa de juros? Acho que vai. Impossível subir. Mas não adianta ter juros mais baixos se as empresas e as pessoas não têm acesso ao crédito. O drama maior não é a taxa de juros, mas o crédito.


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