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São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

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ENTREVISTA

Estudioso da UFRJ acredita que medidas tomadas no início foram fundamentais, mas faltam ainda projetos estratégicos

Historiador critica "arrogância" do governo

MURILO FIUZA DE MELO
DA SUCURSAL DO RIO

Março de 1985. O então presidente João Baptista Figueiredo deixa o cargo e pede ao povo que o esqueça. A história não permite -o último general do regime militar passou a ser lembrado por declarações como aquela.
Julho de 2003. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pede na Europa que não o julguem por apenas seis meses de governo. Para o historiador da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Manolo Florentino, 45, isso não é possível. Na sua opinião, o Executivo não tem levado em conta a história do país ao manter uma relação "arrogante" com os aliados e com os outros Poderes. Leia a seguir a entrevista que foi concedida por Florentino à Folha, por e-mail.
 

Folha - Como o sr. avalia a administração Lula depois de pouco mais de seis meses de governo?
Manolo Florentino -
Não adianta o presidente pedir para que não o julguem por apenas seis meses, como antes não adiantou ao general Figueiredo pedir que o esquecessem. A dinâmica da política não se assemelha exatamente à da complacência amorosa. Se as medidas macroeconômicas tomadas no início foram fundamentais para sinalizar ao mercado que o novo governo não era composto por um bando de lunáticos, por outro lado chega um momento em que, para ser mais efetiva, a ação política deve levar em conta a estrutura do establishment e a própria história do país. A esse respeito, foram altas as doses de arrogância do Executivo em relação aos outros Poderes. Além disso, faltam projetos a setores estratégicos, talvez em função da ausência de quadros. A agricultura vai bem, obrigado, mas isso já por longos 13 anos. A educação e a saúde, por sua vez, continuam verdadeiros desastres e sem perspectivas de melhora.

Folha - Em entrevista à Folha, no fim do ano passado, o sr. disse que Lula venceu porque soube capitalizar o sentimento de mudança. As mudanças prometidas por Lula, ao que parece, não têm se concretizado, pelo menos na economia. Para o sr., que tipo de consequências isso pode trazer ao PT, à oposição e à sociedade que acreditou no PT?
Florentino -
Muitas vezes se tem a impressão de que Lula continua agindo como se ainda estivesse em campanha. Esse não é exatamente o melhor caminho para enfrentar a natural volatilidade de uma opinião pública que tem dado mostras de ser profundamente ativa e que, do mesmo modo que depositou todas as fichas em Lula, rapidamente pode tirar-lhe o tapete. Para piorar, as eleições municipais se aproximam e há indícios de que a sucessão está querendo entrar em pauta da maneira mais extemporânea possível.

Folha - Como o sr. interpreta o fato de Lula ainda manter bons índices de popularidade, mesmo não tendo feito mudanças estruturais?
Florentino -
A popularidade do Lula permanece alta, mas há números recentes que indicam queda. Por sua própria história e mérito, Lula é um mestre em falar para os grotões, sua palavra encanta, organiza. Mas o Brasil não é só grotão. Aliás, os grotões sempre decidiram muito pouco entre nós -a escravidão foi o sistema mais estável de nossa história.

Folha - Frei Betto, assessor especial da Presidência, disse em uma entrevista recente que o PT conquistou o governo, mas não o poder. Anteontem, o ex-presidente FHC corroborou essa tese ao dizer que Lula pode menos do que pensa. O sr. concorda com isso?
Florentino -
A distinção entre governo e poder só tem sentido em se tratando de projetos revolucionários, o que definitivamente não é o caso. Logo, seu fundamento é atualmente meramente acadêmico. No Brasil, governo sempre significou poder, e muito. Mas há inúmeros micropoderes com os quais o governo deve interagir, de preferência sem arrogância, pois pode dar com os burros n'água. A esse respeito o episódio da reforma da Previdência pode ensinar muito ao encaminhamento das reformas tributária e, sobretudo, política.

Folha - O ex-deputado e petista Plínio de Arruda Sampaio disse que o governo Lula tem aplicado o "plano A plus", que é o "plano A" de FHC com o "plus", que são as reformas constitucionais. Arruda diz que ainda tem esperanças de que Lula apresente um "plano B". Para o sr., por que o governo petista tem agido dessa maneira? Medo de melindrar o mercado e o FMI?
Florentino -
O governo tem sido extremamente prudente no campo econômico. A razão é simples: não se inventa a roda em economias de mercado. Mas, mesmo para o mais heterodoxo dos economistas, é difícil entender que um país com deflação conheça as mais altas taxas de juros do mundo. A situação está tão deteriorada que talvez exija medidas de impacto imediato, como projetos que impliquem a utilização maciça de mão de obra. Sobre o longo prazo, porém, ninguém em sã consciência pode falar muito. Não se sabe exatamente o que virá.

Folha - Lula dizia que queria fazer um pacto social com todos os brasileiros. Ele está conseguindo isso?
Florentino -
No Brasil não há pacto sem o mínimo de inclusão -e ponto final. Disso estamos longe e, pior, sem perspectivas concretas. Seis meses é pouco para resultados, mas não para ao menos apresentar projetos de médio e longo prazos.


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