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TELEVISÃO
Superintendente da rede ligada à Igreja Universal afirma que a meta é disputar a liderança em 2003
Record pretende pressionar a Globo
ELVIRA LOBATO
da Sucursal do Rio
Dez anos depois de ter sido adquirida pela Igreja Universal do
Reino de Deus, a TV Record se
prepara para entrar na disputa
pela audiência com a Globo.
"Em setembro de 2003, quando
a Record completar 50 anos, estaremos disputando a liderança",
afirma Dermeval Gonçalves, 74,
superintendente da empresa.
A estratégia começou com a decisão de Edir Macedo, fundador
da Universal, de montar uma segunda rede, a Rede Família, para
tirar a programação religiosa da
Record. A decisão foi posta em
prática em abril, com a compra da
TV Tathi, de Araraquara (SP).
A Universal também tentará
mudar o artigo da Constituição
que só admite pessoas físicas
(brasileiros natos ou naturalizados há de dez anos) como acionistas de empresas de radiodifusão.
É prioridade da igreja aprovar a
proposta de emenda constitucional do bispo Carlos Rodrigues
(PL-RJ) que autoriza entidades
sem fins lucrativos, como igrejas e
partidos, a se tornarem acionistas
de TVs e rádios, diz Gonçalves.
A Universal já controla 21 emissoras de televisão -18 da Record,
duas da Rede Família e uma da
Rede Mulher- e 45 rádios.
Anteontem, a Folha noticiou
que seis membros da igreja compraram a emissora, em fevereiro
de 1992, financiadas por supostos
empréstimos de duas empresas
da igreja sediadas em paraísos fiscais do Reino Unido: Investholding (Ilhas Cayman) e Cableinvest (Jersey, em Channel Islands).
O executivo criticou o expediente usado na compra da TV
Record do Rio: "A forma de financiamento foi errada. Foram
buscar dinheiro no exterior sem
necessidade, uma coisa boba".
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Folha - Quantas emissoras
próprias tem a Rede Record?
Dermeval Gonçalves - A rede é
formada por 60 emissoras (sendo
18 próprias). Estão registradas em
nome de pastores, bispos e outros
membros da igreja. Cada uma
tem sua diretoria, mas controlamos todo o orçamento.
Folha - A Record sobreviveria
sem a Universal? Qual o peso da
igreja no faturamento da TV?
Gonçalves - A igreja representa
cerca de 15% do faturamento bruto. Com o dinheiro pago pela Universal, saneamos as finanças,
compramos emissoras e equipamentos e construímos instalações
novas. Se tivéssemos de investir
apenas com recursos gerados pela
própria rede, estaríamos pelo menos uns quatro anos atrasados em
nossos investimentos.
Folha - Qual a distância da Record para a Globo, hoje?
Gonçalves - (Olhando para os
números do Ibope da semana
passada) Estamos com uma audiência média de sete pontos, mas
há um ano nossa média era de três
a quatro pontos. O SBT está bem
na frente, com 12 pontos. A Globo
ainda é uma aberração, com 22
pontos em média, que representam 45% dos televisores ligados.
Folha - Quanto a Universal já
gastou na Rede Record?
Gonçalves - Só em São Paulo foram gastos US$ 100 milhões em
terrenos, equipamentos e construções. Seguramente, já foram
investidos mais de US$ 500 milhões na Rede Record (incluindo
a compra de emissoras).
Folha - Não parece muito para
uma rede nacional de televisão.
Gonçalves - E não é muito, de
fato. Compramos a maior parte
das concessões num período em
que não se dava muito valor ao
negócio televisão, mas o quadro
está mudando, diante da perspectiva de entrada de capital estrangeiro no setor. Para se ter uma
idéia superficial de como estão as
coisas, nos ofereceram uma TV
no Triângulo Mineiro, completamente sucateada, por US$ 10 milhões. Achei muito caro e recusei.
Folha - A Universal não recusava TVs por causa de preço.
Gonçalves - Realmente, houve
momentos em que o preço não
era o mais importante para nós e
sim a velocidade na implantação
da rede. Se levássemos 30 anos
para brigar com a Globo, o custo
do tempo perdido seria maior do
que o do investimento na compra
das concessões. Se a Record encostar na Globo em cinco anos,
todo o investimento feito até agora terá retorno imediato.
Folha - Quanto o senhor calcula que vale a Rede Record?
Gonçalves - Pelo menos US$ 2
bilhões.
Folha - Como o senhor acha
que estará o mercado de televisão dentro de cinco anos?
Gonçalves - A Globo terá audiência média de 16 a 17 pontos.
Nós estaremos logo atrás, com 14
ou 15. Tenho dúvidas em relação
ao SBT, porque o Sílvio Santos
não tem uma política de rede. Falta-lhe disposição para briga.
Folha - Que armas a Record vai
usar para enfrentar a Globo?
Gonçalves - A disputa já começou. Nossa prioridade é investir
em programação. Por muitos
anos, a Globo esteve sozinha no
horário nobre e agora está desorientada, porque tem alguém trabalhando em cima dela. Não se
consegue mudar a audiência de
um dia para outro, mas nossa
prioridade é nessa direção.
Folha - A Record encerrou a fase de compras de emissoras?
Gonçalves - A Record já chega a
mais de 80% do país, mas ainda
preciso comprar pelo menos duas
emissoras no Estado de São Paulo, em Santos e em Campinas.
Folha - Por que a Universal
não entrou na TV paga?
Gonçalves - Esse "boom" de TV
paga não passa de ilusão. A disputa no mercado será tão grande
que metade vai quebrar.
Folha - Por que a Universal está montando três redes de TV
(Record, Família e Mulher)?
Gonçalves - No futuro, a Rede
Família será incorporada pela Rede Mulher. O bispo Edir Macedo
quer uma rede "light", voltada para a mulher e a família, com programação religiosa maior. Se ele
quer brigar comercialmente com
a Globo, terá que diminuir a programação religiosa da Record.
Folha - O bispo Macedo interfere na Record?
Gonçalves - Ele é o grande líder.
Tem uma cabeça privilegiada e
sabe como alcançar os objetivos.
Folha - A Record tem planos
de expansão fora do Brasil?
Gonçalves - Temos dois canais
na África e a cobrimos a América
Latina por satélite. Estamos negociando a compra de uma TV no
Paraguai. A Argentina, como o
Brasil, proíbe capital estrangeiro
em radiodifusão, mas estamos
preparando pastores argentinos
para comprarem uma emissora.
Folha - Vocês não temem que
um pastor estrangeiro abandone a igreja e fique com a TV?
Gonçalves - É um risco. No Brasil, eu tenho como controlar, mas
fora do país fica mais difícil.
Folha - O que o senhor faz?
Gonçalves - No momento em
que o pastor ou o bispo se torna
acionista de uma emissora, assina
um outro contrato, com a data em
branco, transferindo suas cotas.
Se ele morrer, ou se abandonar a
igreja, ponho uma data anterior
no contrato e transfiro as cotas
para outro líder da igreja.
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