São Paulo, Terça-feira, 20 de Julho de 1999
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TELEVISÃO
Superintendente da rede ligada à Igreja Universal afirma que a meta é disputar a liderança em 2003
Record pretende pressionar a Globo

ELVIRA LOBATO
da Sucursal do Rio

Dez anos depois de ter sido adquirida pela Igreja Universal do Reino de Deus, a TV Record se prepara para entrar na disputa pela audiência com a Globo.
"Em setembro de 2003, quando a Record completar 50 anos, estaremos disputando a liderança", afirma Dermeval Gonçalves, 74, superintendente da empresa.
A estratégia começou com a decisão de Edir Macedo, fundador da Universal, de montar uma segunda rede, a Rede Família, para tirar a programação religiosa da Record. A decisão foi posta em prática em abril, com a compra da TV Tathi, de Araraquara (SP).
A Universal também tentará mudar o artigo da Constituição que só admite pessoas físicas (brasileiros natos ou naturalizados há de dez anos) como acionistas de empresas de radiodifusão.
É prioridade da igreja aprovar a proposta de emenda constitucional do bispo Carlos Rodrigues (PL-RJ) que autoriza entidades sem fins lucrativos, como igrejas e partidos, a se tornarem acionistas de TVs e rádios, diz Gonçalves.
A Universal já controla 21 emissoras de televisão -18 da Record, duas da Rede Família e uma da Rede Mulher- e 45 rádios.
Anteontem, a Folha noticiou que seis membros da igreja compraram a emissora, em fevereiro de 1992, financiadas por supostos empréstimos de duas empresas da igreja sediadas em paraísos fiscais do Reino Unido: Investholding (Ilhas Cayman) e Cableinvest (Jersey, em Channel Islands).
O executivo criticou o expediente usado na compra da TV Record do Rio: "A forma de financiamento foi errada. Foram buscar dinheiro no exterior sem necessidade, uma coisa boba".
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
 

Folha - Quantas emissoras próprias tem a Rede Record?
Dermeval Gonçalves -
A rede é formada por 60 emissoras (sendo 18 próprias). Estão registradas em nome de pastores, bispos e outros membros da igreja. Cada uma tem sua diretoria, mas controlamos todo o orçamento.

Folha - A Record sobreviveria sem a Universal? Qual o peso da igreja no faturamento da TV?
Gonçalves -
A igreja representa cerca de 15% do faturamento bruto. Com o dinheiro pago pela Universal, saneamos as finanças, compramos emissoras e equipamentos e construímos instalações novas. Se tivéssemos de investir apenas com recursos gerados pela própria rede, estaríamos pelo menos uns quatro anos atrasados em nossos investimentos.

Folha - Qual a distância da Record para a Globo, hoje?
Gonçalves -
(Olhando para os números do Ibope da semana passada) Estamos com uma audiência média de sete pontos, mas há um ano nossa média era de três a quatro pontos. O SBT está bem na frente, com 12 pontos. A Globo ainda é uma aberração, com 22 pontos em média, que representam 45% dos televisores ligados.

Folha - Quanto a Universal já gastou na Rede Record?
Gonçalves -
Só em São Paulo foram gastos US$ 100 milhões em terrenos, equipamentos e construções. Seguramente, já foram investidos mais de US$ 500 milhões na Rede Record (incluindo a compra de emissoras).

Folha - Não parece muito para uma rede nacional de televisão.
Gonçalves -
E não é muito, de fato. Compramos a maior parte das concessões num período em que não se dava muito valor ao negócio televisão, mas o quadro está mudando, diante da perspectiva de entrada de capital estrangeiro no setor. Para se ter uma idéia superficial de como estão as coisas, nos ofereceram uma TV no Triângulo Mineiro, completamente sucateada, por US$ 10 milhões. Achei muito caro e recusei.

Folha - A Universal não recusava TVs por causa de preço.
Gonçalves -
Realmente, houve momentos em que o preço não era o mais importante para nós e sim a velocidade na implantação da rede. Se levássemos 30 anos para brigar com a Globo, o custo do tempo perdido seria maior do que o do investimento na compra das concessões. Se a Record encostar na Globo em cinco anos, todo o investimento feito até agora terá retorno imediato.

Folha - Quanto o senhor calcula que vale a Rede Record?
Gonçalves -
Pelo menos US$ 2 bilhões.

Folha - Como o senhor acha que estará o mercado de televisão dentro de cinco anos?
Gonçalves -
A Globo terá audiência média de 16 a 17 pontos. Nós estaremos logo atrás, com 14 ou 15. Tenho dúvidas em relação ao SBT, porque o Sílvio Santos não tem uma política de rede. Falta-lhe disposição para briga.

Folha - Que armas a Record vai usar para enfrentar a Globo?
Gonçalves -
A disputa já começou. Nossa prioridade é investir em programação. Por muitos anos, a Globo esteve sozinha no horário nobre e agora está desorientada, porque tem alguém trabalhando em cima dela. Não se consegue mudar a audiência de um dia para outro, mas nossa prioridade é nessa direção.

Folha - A Record encerrou a fase de compras de emissoras?
Gonçalves -
A Record já chega a mais de 80% do país, mas ainda preciso comprar pelo menos duas emissoras no Estado de São Paulo, em Santos e em Campinas.

Folha - Por que a Universal não entrou na TV paga?
Gonçalves -
Esse "boom" de TV paga não passa de ilusão. A disputa no mercado será tão grande que metade vai quebrar.

Folha - Por que a Universal está montando três redes de TV (Record, Família e Mulher)?
Gonçalves -
No futuro, a Rede Família será incorporada pela Rede Mulher. O bispo Edir Macedo quer uma rede "light", voltada para a mulher e a família, com programação religiosa maior. Se ele quer brigar comercialmente com a Globo, terá que diminuir a programação religiosa da Record.

Folha - O bispo Macedo interfere na Record?
Gonçalves -
Ele é o grande líder. Tem uma cabeça privilegiada e sabe como alcançar os objetivos.

Folha - A Record tem planos de expansão fora do Brasil?
Gonçalves -
Temos dois canais na África e a cobrimos a América Latina por satélite. Estamos negociando a compra de uma TV no Paraguai. A Argentina, como o Brasil, proíbe capital estrangeiro em radiodifusão, mas estamos preparando pastores argentinos para comprarem uma emissora.

Folha - Vocês não temem que um pastor estrangeiro abandone a igreja e fique com a TV?
Gonçalves -
É um risco. No Brasil, eu tenho como controlar, mas fora do país fica mais difícil.

Folha - O que o senhor faz?
Gonçalves -
No momento em que o pastor ou o bispo se torna acionista de uma emissora, assina um outro contrato, com a data em branco, transferindo suas cotas. Se ele morrer, ou se abandonar a igreja, ponho uma data anterior no contrato e transfiro as cotas para outro líder da igreja.


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