São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2000 |
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PÚBLICO X PRIVADO Montreal, suspeita de elo com EJ, opera sistemas há 20 meses Ministério teve chance de regularizar cadastros SOLANO NASCIMENTO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA O Ministério da Justiça perdeu há quatro meses uma oportunidade de regularizar a situação dos cadastros nacionais de registro de veículos e de carteiras de habilitação, tirando-os das mãos da empresa que há 20 meses opera os dois sistemas com contratos feitos sem licitação. Isso ocorreu porque o ministério abortou em abril a operação que retiraria os cadastros da MI Montreal Informática e os devolveria ao Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), ligado ao Ministério da Fazenda. O retorno dos sistemas ao órgão teria impedido que a Montreal fosse beneficiada em maio deste ano com mais um contrato sem licitação para a prestação de serviços ao Denatran (Departamento Nacional de Trânsito). Era o Serpro que até o começo do ano passado mantinha o Renavam (Registro Nacional de Veículos Automotores) e o Renach (Registro Nacional de Carteira de Habilitação) -dois sistemas que juntos realizam 430 mil operações diárias e têm em seus bancos de dados registros de 28,5 milhões de veículos e 13,7 milhões de carteiras de motorista. No final de 1998, o Ministério da Fazenda editou uma portaria determinando que o Serpro se concentrasse em serviços para a própria pasta e para o então Ministério da Administração e Reforma do Estado. A portaria foi praticamente ignorada por órgãos federais. Na ocasião, dos grandes sistemas mantidos pelo Serpro, só o Renach e o Renavam foram repassados para a iniciativa privada. A Montreal ganhou então um primeiro contrato. Mediante a justificativa de ser emergencial, o contrato foi feito com dispensa de licitação. À época, Renan Calheiros era o ministro da Justiça. O contrato vigorou de fevereiro a julho do ano passado. Depois, mesmo sem contrato, a empresa continuou a cuidar dos dois sistemas e, até meados deste ano, recebeu R$ 36 milhões por isso. Já no dia 6 de julho do ano passado, duas semanas antes de Calheiros deixar o ministério, o Denatran resolveu consultar o Serpro sobre a possibilidade de ele retomar o Renavam e o Renach. A resposta foi afirmativa, mas o Serpro fez a seguinte ponderação: como havia perdido técnicos especializados nos sistemas -eles foram contratados pela própria Montreal-, o Serpro precisaria de uma parceria no processo. As negociações se arrastaram até o final de 99, enquanto o ministério estudava uma licitação para escolher a empresa que tocaria os sistemas. Em janeiro deste ano -José Carlos Dias era ministro-, foi contratada a Procergs (Empresa de Processamento de Dados do Rio Grande do Sul). A empresa tinha três incumbências: refazer a identificação do Renach e do Renavam, montar uma espécie de manual de instruções dos sistemas e ajudar o Serpro a ocupar o lugar da Montreal. A mudança foi marcada para 1º de maio, feriado, o que ajudaria a evitar transtornos. Em abril, mês marcado pela substituição de José Carlos Dias por José Gregori, o Ministério da Justiça desistiu da mudança e avisou que tinha resolvido fazer mesmo uma licitação. A alegação oficial do Denatran foi que a área técnica desaconselhou a realização de duas migrações, uma para o Serpro e outra depois para a empresa vencedora da licitação. Ou seja, a mesma área técnica que havia opinado sobre o retorno dos sistemas ao Serpro agora mudara de idéia. Novo contrato Houve duas consequências fundamentais na nova decisão. A primeira foi o favorecimento da Montreal, que por isso ganhou um novo contrato sem licitação, de R$ 16,8 milhões, para continuar operando até novembro. A segunda é o fato de a mesma Montreal se manter como responsável pelos sistemas que ela vai disputar com outras empresas na licitação. O prazo para a entrega das propostas se encerra no próximo dia 22. A Procergs, que estuda participar da disputa e teve parte de seu contrato com o Denatran cancelado, não gostou. "Se a licitação demorasse dois meses, três meses, os sistemas estariam dentro de um órgão federal, que tem todo o respaldo legal", afirma Rogério José Segabinazzi, gerente da Divisão de Automação de Trânsito da Procergs. Uma grande empresa internacional que está interessada no Renach e no Renavam cogita pedir a impugnação da disputa por achar que a licitação está sendo direcionada para favorecer a Montreal. Eduardo Jorge O cancelamento da devolução dos sistemas ao Serpro ajuda a entender um episódio ainda confuso sobre o processo. O secretário-executivo do Ministério da Justiça, Antônio Anastasia, disse à imprensa e ao Ministério Público que o ex-secretário-geral da Presidência da República Eduardo Jorge Caldas Pereira procurou-o no final de janeiro deste ano para falar sobre o Renavam e o Renach. A conversa foi entendida como possível lobby a favor da Montreal, mas Anastasia insistiu em que Eduardo Jorge só queria saber do processo, conversou sobre a licitação e não citou nome de empresas. A Montreal negou ter contratado Eduardo Jorge e disse estar interessada na licitação. Àquela altura, era compreensível o interesse da Montreal pela licitação. Foi justamente em janeiro que a Procergs foi contratada, e por isso o dilema no Denatran já não era entre manter o contrato com a Montreal ou fazer a licitação. As duas hipóteses em estudo eram a devolução dos sistemas para o Serpro ou a realização da licitação. É claro que a Montreal preferia a segunda. 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