São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2000


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NO PLANALTO

Pedro Taques, eis um homem que FHC deveria conhecer

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Há certas iniciativas que podem macular um governo. A cruzada do tucanato para coibir a mania que os procuradores da República têm de procurar é uma delas.
Se parar de raciocinar com o fígado, FHC talvez ainda consiga evitar que mais esse equívoco grude em sua biografia. Uma espiadela na longínqua Roraima poderia levar à mudança de rumos.
Recomenda-se a FHC que esqueça por um instante o nome de Luiz Francisco de Souza para fixar-se no de José Pedro Taques. Trata-se de personagem que vale o desperdício de um naco de curiosidade.
A exemplo do algoz de Eduardo Jorge, o doutor Taques também é procurador da República. FHC deveria chamá-lo para uma conversa.
Iniciaria o diálogo com as seguintes perguntas: diga-me, doutor Taques, por que Everardo Maciel lhe telefonou na última terça-feira? Por que deu-lhe efusivos parabéns?
O procurador contaria a FHC uma história edificante:
1) em 1998, Nestor de Mendonça Leal, auditor da Receita, foi assassinado em Boa Vista. Morreu porque teimava em cumprir o seu dever: fiscalizar empresas suspeitas de sonegação de impostos;
2) lotado em Cuiabá, o procurador Taques foi chamado a esgrimir o seu talento num tribunal de júri da capital de Roraima. Obteve resultados que o dignificam e elevam o nome da instituição que representa;
3) condenaram-se dois empresários que haviam encomendado a morte do auditor. Um deles pegou 16 anos. O outro, 19. Estão atrás das grades. Coisa rara. A lista de réus incluía outros dois empresários. O doutor Taques achou que não havia provas para incriminá-los. Pediu e obteve do júri a absolvição de ambos;
4) num julgamento arrastado, concluído na madrugada da última segunda-feira, condenou-se também o sujeito que puxou o gatilho, um policial civil. Pegou 23 anos. Está em cana;
5) o doutor Taques se prepara para arrematar a tarefa que lhe foi confiada. Aguarda a definição da data do julgamento de uma quarta pessoa: José Coelho Filho. Ele foi afastado da função de secretário-adjunto da Segurança do governo Neudo Campos. Responde à acusação de ter intermediado o acerto com o policial que executou o auditor. São enormes as chances de que se obtenha nova condenação.
O doutor Taques acha que agiu em defesa do Estado. "O que se viu em Roraima é que parte da polícia estava a serviço do crime", diz. "Se permitíssemos que o assassinato de um funcionário público que cumpria o seu dever ficasse impune, estaríamos reforçando a idéia de ausência do Estado, algo inconcebível."
No curso do processo, descobriu-se que um delegado e uma superintendente da PF tentavam embaralhar as investigações. Queriam livrar a pele de um dos mandantes do crime. Foram afastados e têm o doutor Taques em seu encalço.
Ao voar de volta para a sua Cuiabá, na quarta-feira passada, o doutor Taques deixou para trás uma Roraima um pouco diferente do faroeste que havia encontrado. Sua fama corre o Estado. Sua fama e os auditores da Receita.
Fez-se uma devassa no PIB roraimense. Perscrutaram-se 275 empresas em um ano. O esforço mobilizou 285 funcionários do Fisco. Essa gente, de início assustada com o assassinato do colega, trabalhou de fronte alta. Daí o telefonema de Everardo Maciel ao procurador.
Depois de uma conversa com o doutor Taques, FHC talvez concluísse que o esforço para domesticar o Ministério Público não vale o derramamento de uma gota de suor. Melhor esquecer a Lei da Mordaça e recorrer à lei da oferta e da procura.
Se quer valorizar a sua imagem e a de seu governo, FHC deve cuidar para que caia a oferta de escândalos. Assim, quando forem exercer o inalienável dever de procurar, os procuradores nada encontrarão.
Outra sugestão: FHC poderia encomendar à secretária o resgate de sua agenda de 28 de fevereiro de 2000. Lembraria que recebeu naquele dia um grupo de procuradores, entre eles Geraldo Brindeiro, o engavetador-geral.
Pediram-lhe que ajudasse a apressar a votação no Congresso de projeto que cria 304 novas vagas de procuradores. A medida é urgente e necessária. Um estalar de dedos de FHC a transformaria em lei.
A proposta aportou no Congresso em 1997. Há três anos vem sendo tratada pelos governistas a golpes de barriga.
Desde então, aprovou-se a contratação de 370 novos juízes federais. O número de juízes foi a 1.103, contra um efetivo de 338 procuradores da República.
Como os procuradores são obrigados a atuar em cerca de 60% das causas que abarrotam as varas federais, a Procuradoria da República está virando agência de viagens. Deslocam-se procuradores para toda parte. O vaivém de procuradores é expediente burro e caro.
É burro porque, ao tapar buracos alhures, o procurador atrasa o serviço de sua praça de origem. Não demora e o Ministério Público estará entrando em colapso. É caro porque o procurador itinerante custa cerca de R$ 15 mil por mês, incluindo passagens e diárias. O procurador fixo sai por menos da metade: R$ 6,5 mil, o preço de seu salário.
Com poderes tonificados pelo Congresso constituinte de 88, a Procuradoria da República transformou-se numa espécie de cateter social. À medida que vão penetrando as mais recônditas áreas da máquina pública, os procuradores põem diante dos olhos do brasileiro comum -esse cidadão sem lobby- um Brasil antes inacessível. Um país em que negócios privados ainda são tramados na boca de cofres públicos. Uma nação em que bandido e polícia seguem trocando figurinhas.
Devagarinho, o Estado vai deixando de ser uma esfera remota. O cargo público já não é bom esconderijo. Políticos e autoridades graduadas estão cada vez mais sujeitas a ter que dar ao menos algumas explicações.
FHC gosta de dizer que está reformando a vida nacional. Se tiver êxito em sua cruzada para domar o Ministério Público, terá mudado algo para pior.


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