São Paulo, Sexta-feira, 20 de Agosto de 1999
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Para especialistas, júri pode ser anulado

da Reportagem Local

Especialistas em direito penal ouvidos pela Folha acreditam que o julgamento dos oficiais da Polícia Militar do Pará acusados de matar 19 sem-terra em Eldorado do Carajás pode ser anulado.
Para eles, a sessão do júri que absolveu os oficiais teve pelo menos duas falhas graves: a manifestação de um dos jurados antes da decisão final e a apresentação de perguntas de caráter contraditório para o júri.
Antes da reunião dos jurados para definir o veredicto, um deles solicitou que fosse mostrado novamente o vídeo com as cenas do confronto entre a PM e os sem-terra.
Enquanto via as imagens, comentou que elas indicavam que os trabalhadores rurais estavam armados.
Segundo especialistas, essa atitude pode ter influenciado os demais jurados. De acordo com a legislação brasileira, os integrantes do júri não podem manifestar nenhuma opinião sobre o caso durante o julgamento. Além disso, o voto deles é secreto.
"Os jurados não podem falar sobre o caso uns com os outros, quanto mais externar publicamente sua opinião. Isso implica prejulgamento e pode influenciar os demais. O juiz deveria ter impedido que ele opinasse", afirmou o advogado criminalista Nélio Seidl Machado, que desde 1973 atua em júris.
O presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Reginaldo de Castro, lançou dúvida ontem sobre a imparcialidade do julgamento e disse que houve contradição "patente" na decisão dos jurados.
"A OAB vai se empenhar para que haja outro julgamento com absoluta segurança de que seja realmente imparcial", afirmou. "Pelo que tudo indica, foi um mero jogo de cena."
"A lei brasileira prevê a incomunicabilidade dos jurados, que jamais podem manifestar sua opinião sobre qualquer aspecto do processo durante o julgamento", disse o desembargador da seção criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo Celso Limongi, ressaltando que falava em tese.
Os especialistas também criticaram a apresentação da seguinte pergunta aos jurados: "As provas contidas nos autos são insuficientes para a condenação do réu?".
Os jurados responderam sim a essa pergunta e também à que tratava da participação dos réus na morte dos sem-terra.
No entender dos criminalistas, houve contradição entre as respostas dadas (ver quadro na página 1-4). O advogado Arnaldo Malheiros Filho disse que a proposição desse quesito "não é usual". "Em princípio, havendo contradição, pode haver anulação do julgamento."
"Esse tipo de pergunta é supérfluo. Afirmados os quesitos sobre autoria e materialidade, não há mais o que perguntar", disse Limongi, integrante da Associação Juízes para a Democracia.
O presidente da OAB tem opinião semelhante: "Se os jurados reconheceram a co-autoria dos acusados da chacina de Eldorado do Carajás, não havia espaço para entenderem que as provas não eram suficientes".
"O júri não é técnico e essa é uma pergunta técnica. Ele decide seguindo sua consciência e de acordo com o que ouviu. Não tem obrigação de fundamentar sua decisão", declarou Machado.
Para ele, os erros cometidos pelo juiz foram "elementares". Machado disse não ter dúvidas de que o julgamento será anulado. "É inevitável. Não foram observadas as regras do jogo. Caberia ao juiz, responsável pelo processo, dirigir o júri", completou.


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