São Paulo, Sexta-feira, 20 de Agosto de 1999
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CELSO PINTO
Não há solução mágica

O Banco Central está projetando que todo o buraco externo em conta corrente este ano (US$ 23,9 bilhões) será coberto, com folga, pela entrada de investimentos diretos (US$ 25 bilhões). Isso já aconteceu nos 12 meses encerrados em julho: o déficit foi de US$ 32,1 bilhões e os investimentos somaram US$ 32,4 bilhões.
Em português, isso quer dizer que toda a necessidade de recursos externos do país vem sendo coberta e deve continuar a ser coberta com recursos mais estáveis e de longo prazo. Mesmo assim, o dólar não pára de subir e fechou ontem em R$ 1,94. Por quê?
A razão é que, apesar do relativo equilíbrio no fluxo externo, mais empresas e indivíduos estão querendo dólares em seus ativos. Alguns como proteção ("hedge") contra futuras desvalorizações. Outros para fugir do real. Em todos os casos, por perda de confiança no cenário econômico, a partir da deterioração do cenário político.
São impressionantes os números de duas operações usadas para fazer posições em dólares na Bolsa de Mercadorias e de Futuros (dólares futuros e dólares X DI). Dia 13 de julho, havia dois grandes grupos de vendedores líquidos de dólares: os bancos, com US$ 510 milhões, e as pessoas físicas, com US$ 460 milhões. Os três grandes compradores líquidos eram investidores institucionais nacionais (US$ 130 milhões), investidores institucionais externos (US$ 350 milhões) e pessoas jurídicas não financeiras (US$ 500 milhões).
Hoje, os únicos vendidos são os bancos (US$ 1,9 bilhão). Como comprados estão investidores nacionais (US$ 785 milhões), externos (US$ 500 milhões), jurídicos não financeiros (US$ 450 milhões) e pessoas físicas (US$ 120 milhões).
O que mudou? Os bancos venderam, em pouco mais de um mês, US$ 1,4 bilhão para abastecer institucionais nacionais (US$ 650 milhões), externos (US$ 150 milhões) e pessoas físicas (US$ 600 milhões). As pessoas jurídicas não financeiras mudaram apenas uns US$ 50 milhões de posição.
Quer dizer, pessoas físicas e investidores institucionais nacionais compraram US$ 1,2 bilhão. Sendo que as pessoas físicas mudaram de uma posição vendida de US$ 460 milhões, indicando uma aposta na queda do dólar, para uma posição comprada de US$ 120 milhões, indício de busca de proteção contra desvalorização.
Quem ofereceu esta proteção foram os bancos, mas sem correr riscos. Eles são os únicos que podem cobrir o que vendem no mercado futuro, com compras feitas no mercado "spot". O resultado é uma pressão sobre as cotações.
Ontem, outro fator negativo veio complicar o cenário: as indicações de que o Equador pode mesmo dar um calote nos US$ 17 bilhões em títulos da dívida externa que tem. Há tempos o risco existe, mas o impacto de um calote latino-americano será forte. O título do Equador caiu 18%. O C-Bond brasileiro caiu 1,7%, ou 3,7% em dois dias.
Até onde poderá ir a demanda de pessoas físicas e investidores por "hedge" ou fuga de capital? Depende da confiança. A dívida externa privada chega a US$ 130 bilhões, sendo US$ 23 bilhões de curto prazo. O estoque de investimento direto deve superar US$ 110 bilhões.
Todo este dinheiro, teoricamente, pode gerar demanda por "hedge", se houver perda de confiança. Quanto à fuga de capitais, o limite teórico são os R$ 500 bilhões em ativos financeiros.
É claro que a corrida não chega lá. A um certo preço, o dólar fica atraente, até mesmo para quem está desconfiado do país. Fica claro, contudo, que o fluxo externo pode estar sob controle e, ainda assim, a demanda por dólares pode jogar a cotação na Lua.
Esta é a fundamental diferença em relação à situação de março, quando Armínio Fraga assumiu o BC e o dólar despencou. Naquele momento, havia um "déficit estrutural" de recursos, gerado pelas contas externas, que todos sabiam que a desvalorização ajudaria a equilibrar, mas só depois de algum tempo. Quando o BC anunciou que iria cobrir este déficit, ficou claro que o real deveria se valorizar, o que atraiu uma enorme massa de investidores interessados em somar os juros altos daquele momento, com um ganho cambial.
Agora, o problema não é de fluxo e sim de confiança. Se o BC entrar despejando dólares no mercado e torrando as reservas, pode acabar agravando e não aliviando a crise de confiança. Em março, a maior desconfiança era dos investidores externos; hoje, inclui os internos.
Em suma: não há mágica que o BC possa fazer e Armínio Fraga nunca pretendeu ser mágico. Existem boas condições econômicas para alguma retomada de crescimento interno com contas externas em razoável equilíbrio, mas uma crise de confiança política e econômica pode destruí-las.


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