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CELSO PINTO
Não há solução mágica
O Banco Central está projetando que todo o buraco externo em conta corrente este ano
(US$ 23,9 bilhões) será coberto,
com folga, pela entrada de investimentos diretos (US$ 25 bilhões). Isso já aconteceu nos 12
meses encerrados em julho: o
déficit foi de US$ 32,1 bilhões e
os investimentos somaram US$
32,4 bilhões.
Em português, isso quer dizer
que toda a necessidade de recursos externos do país vem sendo coberta e deve continuar a
ser coberta com recursos mais
estáveis e de longo prazo. Mesmo assim, o dólar não pára de
subir e fechou ontem em R$
1,94. Por quê?
A razão é que, apesar do relativo equilíbrio no fluxo externo,
mais empresas e indivíduos estão querendo dólares em seus
ativos. Alguns como proteção
("hedge") contra futuras desvalorizações. Outros para fugir do
real. Em todos os casos, por perda de confiança no cenário econômico, a partir da deterioração do cenário político.
São impressionantes os números de duas operações usadas
para fazer posições em dólares
na Bolsa de Mercadorias e de
Futuros (dólares futuros e dólares X DI). Dia 13 de julho, havia
dois grandes grupos de vendedores líquidos de dólares: os
bancos, com US$ 510 milhões, e
as pessoas físicas, com US$ 460
milhões. Os três grandes compradores líquidos eram investidores institucionais nacionais
(US$ 130 milhões), investidores
institucionais externos (US$
350 milhões) e pessoas jurídicas
não financeiras (US$ 500 milhões).
Hoje, os únicos vendidos são
os bancos (US$ 1,9 bilhão). Como comprados estão investidores nacionais (US$ 785 milhões), externos (US$ 500 milhões), jurídicos não financeiros
(US$ 450 milhões) e pessoas físicas (US$ 120 milhões).
O que mudou? Os bancos venderam, em pouco mais de um
mês, US$ 1,4 bilhão para abastecer institucionais nacionais
(US$ 650 milhões), externos
(US$ 150 milhões) e pessoas físicas (US$ 600 milhões). As pessoas jurídicas não financeiras
mudaram apenas uns US$ 50
milhões de posição.
Quer dizer, pessoas físicas e
investidores institucionais nacionais compraram US$ 1,2 bilhão. Sendo que as pessoas físicas mudaram de uma posição
vendida de US$ 460 milhões, indicando uma aposta na queda
do dólar, para uma posição
comprada de US$ 120 milhões,
indício de busca de proteção
contra desvalorização.
Quem ofereceu esta proteção
foram os bancos, mas sem correr riscos. Eles são os únicos que
podem cobrir o que vendem no
mercado futuro, com compras
feitas no mercado "spot". O resultado é uma pressão sobre as
cotações.
Ontem, outro fator negativo
veio complicar o cenário: as indicações de que o Equador pode
mesmo dar um calote nos US$
17 bilhões em títulos da dívida
externa que tem. Há tempos o
risco existe, mas o impacto de
um calote latino-americano será forte. O título do Equador
caiu 18%. O C-Bond brasileiro
caiu 1,7%, ou 3,7% em dois dias.
Até onde poderá ir a demanda de pessoas físicas e investidores por "hedge" ou fuga de capital? Depende da confiança. A
dívida externa privada chega a
US$ 130 bilhões, sendo US$ 23
bilhões de curto prazo. O estoque de investimento direto deve
superar US$ 110 bilhões.
Todo este dinheiro, teoricamente, pode gerar demanda por
"hedge", se houver perda de
confiança. Quanto à fuga de capitais, o limite teórico são os R$
500 bilhões em ativos financeiros.
É claro que a corrida não chega lá. A um certo preço, o dólar
fica atraente, até mesmo para
quem está desconfiado do país.
Fica claro, contudo, que o fluxo
externo pode estar sob controle
e, ainda assim, a demanda por
dólares pode jogar a cotação na
Lua.
Esta é a fundamental diferença em relação à situação de
março, quando Armínio Fraga
assumiu o BC e o dólar despencou. Naquele momento, havia
um "déficit estrutural" de recursos, gerado pelas contas externas, que todos sabiam que a
desvalorização ajudaria a equilibrar, mas só depois de algum
tempo. Quando o BC anunciou
que iria cobrir este déficit, ficou
claro que o real deveria se valorizar, o que atraiu uma enorme
massa de investidores interessados em somar os juros altos daquele momento, com um ganho
cambial.
Agora, o problema não é de
fluxo e sim de confiança. Se o
BC entrar despejando dólares
no mercado e torrando as reservas, pode acabar agravando e
não aliviando a crise de confiança. Em março, a maior desconfiança era dos investidores
externos; hoje, inclui os internos.
Em suma: não há mágica que
o BC possa fazer e Armínio Fraga nunca pretendeu ser mágico.
Existem boas condições econômicas para alguma retomada
de crescimento interno com
contas externas em razoável
equilíbrio, mas uma crise de
confiança política e econômica
pode destruí-las.
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