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Marcos Nobre
Acabou a era FHC
LULA DEU uma rara entrevista a quatro órgãos de comunicação
no domingo, entre eles a
Folha. É até agora o documento de campanha mais
importante. Mas ainda não
recebeu a devida atenção
porque tem sido interpretado de maneira limitada,
como tentativa de desviar
o foco da crise do dossiê.
A entrevista é o contraponto da carta aberta de
FHC. É uma análise do primeiro mandato e um mapa
do segundo. E mostra que
o desespero da carta de
FHC tem fundamento.
Porque Lula deixou claro
que pretende e tem meios
para desmontar a armação
do sistema político deixada pelo antecessor.
O Plano Real não foi apenas um plano de estabilização econômica. Foi também um plano de estabilização política. Ordenou o
sistema de tal maneira que
empurrou todos os partidos para uma disputa pelo
centro político, apertando
ao máximo o espartilho
das políticas públicas possíveis. O grande teste desse
modelo foi a alternância de
poder. Segundo a lógica
instaurada pelos dois governos FHC, o PT no poder federal estaria condenado ao PMDB para constituir o segundo pólo da
política brasileira.
Só que o governo Lula
não seguiu o figurino. Recusou uma aliança duradoura com o PMDB bem
cedo, em 2004, quando o
então ministro José Dirceu já havia negociado em
detalhe uma composição e
foi desautorizado pelo presidente. Essa atitude quase
custou a Lula seu mandato. Mas a partir do momento em que conseguiu
se manter acima da crise
política do mensalão e do
próprio PT, Lula abriu caminho para se desvencilhar da camisa-de-força
que recebeu. E para organizar o sistema político em
novas bases.
É isso o que explica o desespero da carta aberta de
FHC. Ficou claro para o
ex-presidente que o momento perdido de um
eventual impeachment de
Lula tinha pavimentado o
caminho para a destruição
de seu verdadeiro legado:
um sistema de dois pólos
travado no centro político.
E o golpe de morte foi dado
pela escolha de uma candidatura presidencial sem
nenhum brilho e sem capacidade de manter coeso
o pólo PSDB-PFL.
Lula não pretende
poupar esforços para quebrar o pólo representado
pela aliança PSDB-PFL,
aproveitando para se infiltrar nas rachaduras da disputa entre Aécio Neves e
José Serra pela candidatura à Presidência em 2010.
Esse o sentido do chamamento a um "pacto de responsabilidade".
É certo que Lula pretende mesmo atrair o que for
possível do PMDB, além
dos pequenos partidos dependentes do governo para sobreviver. Deixa claro
também que o PT já não
desempenhará papel protagonista nesse processo.
Mas é difícil saber que cara
terá a reorganização do
sistema político que pretende empreender. Só o
seu sentido é claro: o fim
do modelo político brasileiro de FHC.
MARCOS NOBRE é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap
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