São Paulo, domingo, 20 de outubro de 2002

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CAMPANHA NO AR

Âncora do programa eleitoral de Serra, apresentador do SBT comprou canal em Cuiabá antes do prazo legal

Gugu obtém concessão de TV durante 1º turno

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

O apresentador do SBT Antonio Augusto Moraes Liberato, o Gugu Liberato, obteve uma concessão de TV -sonho que alimentava havia pelo menos cinco anos- durante a campanha para o primeiro turno da eleição presidencial. Segundo advogados, a concessão é irregular. Gugu é um dos apresentadores no horário gratuito da campanha do candidato do PSDB, José Serra.
Trata-se de uma TV na cidade de Cuiabá (MT). O canal havia sido colocado à venda pelo governo em licitação pública, em 1997. A licitação foi concluída no ano passado e Gugu comprou a empresa vencedora: Pantanal Som e Imagem. A irregularidade está na compra do controle da empresa antes do prazo permitido.
A legislação só permite a venda de concessão após cinco anos de funcionamento da TV. A venda, nesse caso, aconteceu enquanto o processo de concessão ainda tramitava no Congresso. O governo teria feito vistas grossas para a infração cometida pelo apresentador e assinado o contrato de concessão, apesar da irregularidade.
Gugu Liberato tornou-se oficialmente concessionário de TV no dia 23 de agosto último, quando o ministro das Comunicações, Juarez Quadros do Nascimento, assinou o contrato de concessão da Pantanal. A concessão é válida por 15 anos, renováveis. A advogada de Liberato, Fátima Bruger, assinou o contrato como procuradora da empresa.
O contrato foi assinado três dias depois do início do horário eleitoral gratuito, durante o qual Liberato atuou como âncora do programa de José Serra. O apresentador já vinha dando espaço a Serra em seu programa no SBT ""Domingo Legal" desde o final do ano passado.
Liberato tem apoiado candidatos do PSDB há vários anos. Entre outras campanhas, pediu votos para a reeleição de Mário Covas ao governo de São Paulo, em 98.
Na eleição atual, subiu nos palanques de Geraldo Alckmin, candidato à reeleição para o governo de São Paulo, e de Serra. Explicitou seu apoio ao presidenciável logo no começo da campanha, durante comício em Barretos (SP), no dia 8 de julho.

Influência
O presidente do diretório do PSDB de São Paulo, deputado estadual Edson Aparecido, acompanhou Gugu Liberato em uma audiência com o ministro das Comunicações em julho, quando o processo para a concessão da TV ainda estava em tramitação. Esse fato é o principal indício de que o PSDB se mobilizou para que o apresentador do SBT conseguisse a concessão.
O deputado foi assessor político do ministro Sérgio Motta, morto em 1998, e ainda tem influência no ministério. A audiência foi para tratar de processos pendentes de Gugu, entre os quais estaria a TV de Cuiabá. ""Ele tinha, parece-me, uma pendência em Cuiabá, mas não me lembro de caso específico", afirmou o deputado, por telefone, à Folha. Segundo ele, Gugu entregou a lista de pendências a Juarez Quadros.

A TV
A empresa Pantanal Som e Imagem foi constituída em 1997 para participar da licitação do canal de TV. Segundo a Junta Comercial de Mato Grosso, ela foi registrada com capital de R$ 30 mil, por duas pessoas da cidade de Cáceres (MT): Mauro Uchaki e Irineia Moraes da Silva.
Em 98, durante a licitação, a empresa mudou de dono pela primeira vez. Vera Lucia Klauk, de Cuiabá, comprou 99% das cotas. Quando saiu o resultado da licitação, em 2001, a empresa foi oferecida a Gugu Liberato, que havia participado, sem sucesso, de licitações em São Paulo.
Gugu comprou 98% das cotas em seu nome e os 2% restantes em nome da irmã, Fátima Liberato Caetano, e registrou a transferência na Junta Comercial.
Cinco advogados especialistas em radiodifusão consultados pela Folha disseram que as duas negociações foram irregulares.
A primeira, segundo eles, feriu o edital da concorrência, na medida em que os dois sócios originais, que foram habilitados pela comissão de licitação, cederam lugar para outros que não estavam habilitados. Apenas esse motivo, dizem os advogados, justificaria a desclassificação da empresa na concorrência.
A primeira troca de controle não foi nem mesmo informada ao governo. A empresa foi declarada vencedora da licitação, no ano passado, com sua composição societária original. Em junho de 2001, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o decreto de concessão (que antecede o contrato de concessão) nas mesmas condições. O processo foi aprovado pela Câmara e pelo Senado, em junho último, também com a documentação antiga, ou seja, como se a empresa ainda pertencesse aos primeiros sócios.
Tudo indica que o mesmo aconteceu na assinatura do contrato de concessão, dois meses atrás. O ministro das Comunicações afirmou à Folha que assinou o contrato de concessão sem examinar a composição societária e que desconhecia que o controle da empresa já estivesse, àquela altura, com Gugu Liberato.
Segundo os advogados, o apresentador poderia ter comprado, sem problemas, até 50% das cotas da empresa. Mas a transferência da totalidade das cotas, como foi feito, só poderia ocorrer depois de cinco anos de funcionamento da empresário e com autorização prévia do governo.

Denúncia
No dia 29 de julho, o ministro Juarez Quadros recebeu um dossiê com cópias de documentos da Junta Comercial de Mato Grosso mostrando que a empresa havia mudado de mãos, supostamente, sem conhecimento do governo.
A autoria da denúncia foi atribuída ao Sistema Lageado de Comunicação, de Goiás, que nega ser responsável pela iniciativa.
Junto com a documentação, foi protocolada uma carta com perguntas desconcertantes ao ministro: ""Quem irá assinar os contratos com a União: o sr. Gugu ou o sr. Laranja?", ""O edital será cancelado ou mais uma vez teremos que engolir esse sapo?", ""As leis irão para o espaço?".
Apesar da denúncia, o ministro deu segmento aos procedimentos administrativos para a assinatura do contrato de concessão.
Em entrevista à Folha, Juarez Quadros declarou que pediu um parecer da consultoria jurídica do ministério sobre o caso e que vai tomar sua decisão a partir desse parecer.


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