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TERCEIRO SETOR
CPI estima que há 250 mil entidades no país sem nenhum controle
Governo banca ONGs, mas não fiscaliza os seus gastos
RAYMUNDO COSTA
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O nome organização não-governamental não se aplica a uma
grande parcela das ONGs brasileiras quando se lança uma lupa nas
contas do governo. Centenas de
ONGs recebem milhões dos cofres públicos, sem que haja controle. Em apenas três programas
pesquisados pela Folha, as ONGs
levaram R$ 217 milhões em 2003.
Só a partir do ano que vem, essas entidades declaradas sem fins
lucrativos e com objetivo social
terão de prestar contas ao TCU
(Tribunal de Contas da União).
Recentemente, a Secretaria Geral
da Presidência começou a cadastrar as entidades da sociedade civil, entre elas as ONGs. A tentativa
de pôr em ordem as parcerias
com o chamado terceiro setor, no
entanto, enfrenta resistências.
Uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Senado Federal investigou no ano passado a
atuação das ONGs e concluiu seu
trabalho com a estimativa de que
existem 250 mil entidades desse
tipo no Brasil longe de um controle institucional.
A CPI não se deteve no financiamento público a essas entidades.
Um roteiro do acesso ao dinheiro
da União é objeto de um Manual
dos Fundos Públicos, com dicas
sobre como obter recursos (a fundo perdido ou na forma de linhas
de crédito com juros subsidiados)
ou incentivos fiscais. Uma estimativa grosseira indicou que cerca
de R$ 2 bilhões estariam disponíveis por ano. O manual ganhou
sua quarta edição em 2003.
A Abong, associação nacional
das ONGs, que patrocina o Manual, tem cerca de 270 entidades
registradas. Numa amostra com
apenas 163 dessas entidades, encontrou R$ 10 milhões de financiamento da União para 63 delas,
o equivalente a 7,5% de seus orçamentos. Isso sem contar com o dinheiro dos Estados e dos municípios. A pesquisa foi publicada no
ano passado e mostra apenas um
pequeno pedaço da história.
Milhões
Um único programa do Ministério da Saúde, o que trata de prevenção das doenças sexualmente
transmissíveis e da Aids, contratou 672 ONGs para realizar o trabalho. Neste ano, elas vão receber
quase R$ 45 milhões.
Uma das contratadas é o Movimento Gay de Minas Gerais. Osvaldo Braga, representante da entidade, diz que presta contas e
apresenta periodicamente relatórios sobre o trabalho de prevenção feito pela ONG: "Quando há
algo errado, o ministério manda
uma carta e pede para corrigir.
São educados". Dois anos atrás, a
mesma ONG recebeu R$ 20 mil
para montar um banco de dados
sobre a violência contra homossexuais no Estado: "O programa
não foi renovado e só tínhamos 16
casos. Era só o comecinho".
Outro dos grandes programas
do governo federal executado em
parceria com as ONGs é o Brasil
Alfabetizado, recém-lançado pelo
Ministério da Educação. Até o final do ano, as organizações não-governamentais receberão R$ 42
milhões para o treinamento de
professores e a alfabetização de
jovens e adultos.
O método é ditado por cada
uma das entidades. A AAPAS
(Associação de Apoio ao Programa Alfabetização Solidária), criada em 1998 com estímulo do tucanato, divide terreno agora com a
Anca (ligada ao MST, Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra), com a Alfalit Brasil, ligada
à igreja evangélica, e com o igualmente religioso Instituto Agostin
Castejon, entre outros.
"A tendência é o incremento
desses valores", diz o deputado
distrital Augusto Carvalho (PPS),
que tenta montar um sistema de
monitoramento da transferência
de dinheiro público às ONGs: "É
um artifício do governo para ficar
longe de instrumentos de controle". As cifras são ainda mais expressivas quando se trata da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), cujas obrigações no atendimento de uma população indígena de 396 mil pessoas foram inteiramente assumidas pelas ONGs.
Em 2002, foram destinados R$
119,8 milhões para 56 entidades.
Neste ano, os repasses já chegaram a R$ 130 milhões.
Poder paralelo
Enquanto o programa de doenças sexualmente transmissíveis é
reconhecido mundialmente por
sua eficiência e o Brasil Alfabetizado dá seus primeiros passos, a
Funasa é o exemplo acabado da
falta de controle. As ONGs que
atuam nas áreas indígenas, cerca
de 60, assumiram inteiramente as
funções do Estado.
Desde a construção de poços artesianos às campanhas de vacinação, as entidades definem a política de saúde. E aí começam os problemas. Algumas ONGs têm restrições antropológicas à vacinação de índios ou à aplicação de
cloro na água das reservas. Se quiser saber se uma política de combate à poliomielite ou se a construção de um poço estão sendo
efetivamente executados, a Funasa precisará do aval da ONG. Até o
combustível para os auditores,
adquirido com dinheiro público,
será fornecido pela entidade.
"É um poder paralelo que transgride a lei", diz o diretor do Departamento de Saúde Indígena da
Funasa, Ricardo Chagas, que luta
para alterar essa relação de poder.
"A Funasa não tem quadros, precisa de auxílio", contrapõe Jecinaldo Barbosa Cabral, do povo
Saterê Mawé, coordenador da
Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia).
Nos últimos três anos, a Coiab
recebeu R$ 17,3 milhões da
União. Enrolou-se em pelo menos um desses convênios, deixando de construir poços artesianos
prometidos à Funasa em uma
área indígena. Culpa exclusiva do
empreiteiro e da direção anterior
da entidade, diz Cabral. Na relação de convênios para 2003 da Funasa, a Coiab aparece para receber mais R$ 4,1 milhões.
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