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CAMPO MINADO
Rolf Hackbart diz que não há motivo para substituir um superintendente se ele desempenha bem sua função
Dirigente do Incra não vai rever loteamento
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Em sua primeira entrevista exclusiva desde que assumiu a presidência do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária) no mês passado, Rolf
Hackbart, 45, disse que não pretende rever o loteamento de cargos feito por seu antecessor, Marcelo Resende, nas superintendências do órgão, que colocou pessoas ligadas ao MST (Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra) em cargos no instituto.
Segundo ele, não há motivo para substituir um superintendente
se ele está desempenhando bem
sua função: "Todo cidadão brasileiro tem uma carteira de identidade. Se está credenciado para o
cargo, está no cargo e desempenha bem, não faz diferença se é
oriundo de um movimento ou de
uma empresa ou de um setor tal,
A ou B. Esse não é o critério. O critério é o desempenho na execução
da reforma agrária", afirmou.
Hackbart reclama da limitação
orçamentária, critica os proprietários rurais por sua visão "segmentada", condena o plantio de
transgênicos e promete menos
burocracia na disponibilização de
crédito para 2004. Sem fixar metas, ele atribui à penúria orçamentária o não-cumprimento da promessa feita pelo presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, em maio, de
assentar 60 mil famílias até dezembro. "O principal entrave é o
Orçamento da União." Hackbart
recebeu a Folha na sexta-feira
passada em seu gabinete.
Folha - O sr. não fixa metas. É medo de cobrança?
Rolf Hackbart - A nossa preocupação é com qualidade. Não é nenhum medo em falar em metas.
Acho muito bom a sociedade cobrar o maior número de famílias.
Só que, para nós, o número vai ser
o resultado do processo de desapropriação com qualidade.
Folha - Lula prometeu assentar
60 mil famílias em 2003. Por que o
governo não vai cumprir a meta?
Hackbart - Por várias razões. Assentamos 13.672 famílias e estamos trabalhando com o estoque
de mais de 30 mil famílias no processo. Com quantas vamos chegar até o final do ano? Não sei,
porque o processo de reforma
agrária não casa com o ano civil.
Poderemos chegar a um bom número. O principal entrave é o Orçamento da União, a capacidade
de recursos para agilizar o número de famílias. Esse é o principal.
Folha - O Plano Nacional de Reforma Agrária sugerido por Plínio
de Arruda Sampaio recomenda o
assentamento de 1 milhão de famílias até 2006. Até 2004, não há dinheiro para 10% disso. O plano é
crível ou é uma carta de intenções?
Hackbart - O professor Plínio foi
muito claro. Botou no papel, com
a sua equipe, uma sugestão, uma
recomendação para o governo.
Agora o governo vai analisar essa
sugestão, os números e a capacidade de realização. Aí entra nossa
responsabilidade. Nós, sim, temos de dar uma resposta. Há condições para fazer o quê, quando,
onde? Em todos os assentamentos por que a equipe do Incra passa é o mesmo. Chega de assentamento malfeito, chega de miséria,
de sofrimento. A sociedade também cobra isso. Se quiser uma palavra de ordem, ela é: quantidade
com qualidade. Saber combinar
isso é nossa responsabilidade.
Folha - Há prazo para assentar as
162 mil famílias acampadas?
Hackbart - Vamos fazer o maior
esforço para assentar o maior número de famílias.
Folha - Nenhuma previsão?
Hackbart - Não. Vamos trabalhar com o máximo. Estamos realizando concurso, buscando suplementação orçamentária, construindo o Orçamento do ano que
vem e dialogando com os movimentos sociais.
Folha - Enquanto não assentam,
o que fazer? Não há verba nem para
cestas básicas.
Hackbart - Enquanto isso, vamos assentando. Aquele número
divulgado, de 13.672 famílias,
com certeza já é maior. A reforma
agrária continua. Essa foi minha
grande surpresa positiva ao assumir. O processo continua e anda.
Não no ritmo que a gente deseja,
mas todos aqueles processos, da
vistoria, do decreto, da emissão
de TDAs, tudo aquilo continua.
Folha - Melhorar a qualidade pode acabar com o abandono da terra
por parte do assentado?
Hackbart - Um dos objetivos da
reforma agrária é que as pessoas
vivam no meio rural com qualidade, prazer e renda, que seja bom
viver lá. Diminui a venda de lotes
e o êxodo dos assentamentos.
Folha - Como fazer para o crédito
chegar ao assentado?
Hackbart - Hoje são R$ 5,4 bilhões no Pronaf [fundo para agricultura familiar]. Por um lado,
ainda é pouco. Por outro, aplicar
bem isso é um grande desafio. A
grande forma de acessar o crédito
é através do associativismo.
Folha - Por que não acontece?
Hackbart - Estamos desburocratizando o acesso, incentivando
organização das cooperativas,
buscando fontes mais baratas e
cobrando dos bancos os acordos
para que agilizem o acesso.
Folha - Mas o Incra não dispõe de
estrutura para tudo isso.
Hackbart - Hoje não, mas estamos construindo, fazendo convênios com cooperativas, sindicatos, governos estaduais. E um trabalho intenso com os bancos.
Folha - Quando esse trabalho
produzirá resultados práticos?
Hackbart - No próximo plano
safra, teremos muitos avanços.
Folha - Como reduzir a violência?
Hackbart - Todo o governo está
empenhado em diminuir a violência no campo. Estou conversando com as pessoas e as entidades para criar uma campanha pela paz no campo. Com conteúdo,
medidas concretas. A Polícia Federal está com o mapeamento do
Brasil inteiro, de onde está o armamento do latifúndio. E a Ouvidoria do Incra está num esforço
enorme para se antecipar e evitar
o conflito. Falta mais gente, faltam
mais recursos. Sabemos que só
vamos evitar conflitos e diminuir
as mortes no campo com a ação
do governo como um todo. Isso
não pode ser função só do Incra.
Folha - Seu antecessor, Marcelo
Resende, caiu por ter ligação íntima com o MST. O Incra foi loteado.
Isso será revisto?
Hackbart - O meu critério com
os superintendentes é cobrar o
desempenho na execução do programa de reforma agrária. E esse é
o critério do presidente Lula e do
ministro Miguel Rossetto comigo.
É o critério fundamental. Temos
demandas, planos de trabalho e
eles têm que ser executados. Nosso relacionamento se dá com toda
a sociedade. Estamos dialogando
com todos os movimentos sociais: CUT, MST, Contag e CPT.
Folha - Se estiver trabalhando a
contento, não importa ter vindo do
MST, uma das partes interessadas?
Hackbart - Todo cidadão brasileiro tem uma carteira de identidade. Se está credenciado para o
cargo, está no cargo e desempenha bem, não faz diferença se é
oriundo de um movimento ou de
uma empresa ou de um setor tal,
A ou B. Esse não é o critério. O critério é o desempenho na execução
da reforma agrária.
Folha - Os ruralistas são corporativistas quando dizem que o governo Lula privilegia o MST?
Hackbart - Pior. Eles têm uma visão muito departamentalizada e
segmentada da sociedade. Houve
uma vitória eleitoral no ano passado. Uma parte da sociedade
aprovou e elegeu o presidente da
República. E hoje ele está empenhando toda a sua liderança para
que a reforma agrária aconteça.
Os critérios de desempenho dos
superintendentes do Incra devem
ser cobrados pela sociedade.
Folha - O Estado pode expropriar
terras usadas para o plantio de psicotrópicos e onde há trabalho escravo. Quando a lei será cumprida?
Hackbart - Essa legislação precisa ser aprimorada. O que está na
Constituição? Não cumprimento
da função social é não respeitar o
meio ambiente, não ter eficiência
econômica e não respeitar a legislação trabalhista. Isso deve ser visto como um todo.
Folha - Precisa mesmo explicitar
na lei ou basta negociar uma interpretação com o Judiciário?
Hackbart - São as duas coisas. A
lei precisa ser mais clara, e em vários lugares o Judiciário tem nos
ajudado -e muito- na avaliação, levando em conta todos esses
aspectos. Se discute muito se a
terra é produtiva ou improdutiva,
mas se discute muito pouco o
cumprimento da legislação ambiental e das relações de trabalho.
Folha - O Incra pretende fazer
com que os Estados cumpram os
mandados de reintegração?
Hackbart - Nós conversamos
com vários. Estamos iniciando,
conforme o Estado, conforme os
dados. Estamos conversando.
Folha - Se o sr. fosse proprietário
rural e tivesse sua fazenda produtiva invadida, o que faria, já que não
adianta recorrer à Justiça?
Hackbart - Em primeiro lugar,
tentaria evitar ao máximo o conflito. Tratar o assunto como uma
demanda da sociedade. Segundo,
se minha terra fosse produtiva,
demonstrar isso para a sociedade,
Judiciário e Incra. E terceiro, estão
conseguindo muitas reintegrações de posse. Não tem havido dificuldade. Ao contrário.
Folha - O sr. é favorável ao uso de
transgênicos nos assentamentos
para elevar a produção?
Hackbart - No Brasil, estou convencido de que cada vez mais a
produção, no caso da soja transgênica e do trigo, vai ser uma
grande perda, um grande desastre
econômico. Não é a toa que o Paraná vai aprovar uma legislação
tornando o Estado livre de transgênicos. Porque, com a soja orgânica, estão conseguindo muito
mais mercado internacional e
conseguindo vender a preço mais
alto. O modelo agrícola, o tipo de
produção que interessa ao país,
aos produtores, do ponto de vista
econômico, é o orgânico. Sem falar na parte ambiental e na saúde.
Folha - Lula cometeu um erro ao
autorizar o plantio?
Hackbart - Não tenho nem tempo de analisar isso. Foi uma decisão que o presidente tomou e encaminhou ao Congresso, que vai
debatê-la. É fundamental que o
consumidor diga "não quero comer isso, quero comer aquilo".
Esse está sendo o único lado bom
desse debate. As pessoas do Rio
Grande do Sul que estão orientando os produtores a produzirem
soja transgênica serão responsabilizadas no futuro pelas perdas
econômicas e até pela inviabilização de sua comercialização. Eu,
que sou do Sul, fico olhando o Paraná, Estado livre de transgênicos,
e o Rio Grande liderado por pessoas que não têm responsabilidade econômica. Estão levando os
produtores a um desastre logo, logo. Basta a Monsanto querer cobrar os royalties da soja.
Folha - O que o sr. pretende realizar na presidência do Incra?
Hackbart - Assentar o maior número de famílias possível, com
qualidade. Demonstrar que a reforma agrária é importante para o
desenvolvimento econômico,
principalmente na produção de
alimentos. Para que as pessoas se
sintam bem, evitando o êxodo.
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