São Paulo, domingo, 20 de novembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ PALOCCI NA MIRA

Ao mesmo tempo, ministro da Fazenda viabilizou o governo de Lula e reabilitou a gestão tucana, ao manter política econômica de FHC

Palocci resolveu risco-PT e ruína do PSDB

GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em sua ascensão política fulminante, Antonio Palocci, mais que ministro da Fazenda, tornou-se a tábua de salvação dos dois grupos que há mais de dez anos encabeçam a disputa pelo poder no país.
Ao mesmo tempo, viabilizou o atual governo petista e reabilitou o governo tucano anterior ao personificar a preservação de uma política econômica que havia sido estraçalhada nas eleições presidenciais de 2002, quando nem o candidato do PSDB, José Serra, animava-se a defendê-la.
Pouco importa se o médico sanitarista de 45 anos, ex-militante trotskista, apóia de fato ou mesmo entende tudo o que pôs em prática nos últimos anos. Palocci deixou hesitações e constrangimentos de petistas e abraçou a ortodoxia liberal com fervor de convertido. A missão era não deixar margem a dúvidas; foi atingida.
Palocci começou a deixar de ser um simples político de Ribeirão Preto no dia 22 de junho de 2002, quando o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva leu a já célebre "Carta ao Povo Brasileiro".
Ali, sob inspiração do hoje ministro, o PT fazia a ruptura consigo mesmo. Em poucas palavras, Lula se comprometia a controlar a inflação, respeitar contratos e manter o arrocho fiscal para evitar a disparada da dívida pública.
As grandes mudanças redentoras prometidas desde sempre pelos petistas, dizia o texto, ficariam para depois de um período de "transição" -que, como ficou claro depois, nunca terminaria.

Escolha natural
Habilidoso, Palocci escalou as hierarquias do PT e do governo sem nunca parecer fazer força. Chegou à coordenação do programa de Lula após a morte de Celso Daniel; tornou-se a escolha natural para chefiar a equipe de transição de governo; depois, a escolha natural para o Ministério da Fazenda; se tudo tivesse dado certo, seria o nome certo para a sucessão de Lula em 2010.
Na transição de governo, contrapartida do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à filosofia de preservação da política econômica da "Carta ao Povo Brasileiro", Palocci começou, de fato, a conseguir acalmar os investidores em pânico com a perspectiva de um governo petista.
Na Fazenda, foi o único ministro com autonomia para montar sua equipe, fora o veto presidencial à preservação no Banco Central de Armínio Fraga, símbolo da ortodoxia do segundo mandato de FHC. Sob Palocci, os tucanos não conseguiriam deixar em definitivo o poder rumo à oposição.
Não só as diretrizes da política econômica foram mantidas, mas boa parte da equipe também. Mesmo os recém-chegados nada tinham a ver com o PT, caso de Henrique Meirelles, ex-banqueiro eleito deputado pelo PSDB.

Continuidade
O PT nunca teve um pensamento econômico capaz de unir seus especialistas e militantes. Palocci não se preocupou em formular um. Em vez disso, adotou na prática, e com convicção, o mote eleitoral que José Serra usava meio envergonhadamente: continuidade sem continuísmo.
Foram reforçados os três pilares macroeconômicos do tucanato -a política monetária baseada em metas de inflação sucessivamente mais ambiciosas; a política cambial no regime de livre flutuação; a política fiscal com metas crescentes de superávit destinadas a reduzir a dívida pública.
Para os passos seguintes, à receita tradicional de abertura econômica e privatizações, acrescentaram-se as chamadas reformas institucionais. Nem tudo deu certo. Perderam-se, nos embates políticos, a reforma tributária, a autonomia do BC, as reformas trabalhista e sindical, a lei das agências reguladoras. Avançaram as reformas da Previdência e do Judiciário, a Lei de Falências e a das Parcerias Público-Privadas.
Mas Palocci contou com um cenário externo excepcionalmente favorável. Colheu a partir de 2003 taxas de crescimento que, embora abaixo da média dos demais países, são as melhores obtidas na história brasileira recente.
Nesse meio tempo, trabalhou cuidadosamente a imagem, afinal consolidada, de uma ilha de racionalidade em um governo marcado pela falta de diretrizes.
Nunca foi, é claro, unanimidade. Mas não chegou a ser ameaçado pelas críticas até que seu passado na Prefeitura de Ribeirão Preto voltasse para enfraquecê-lo -justamente quando articulava uma controversa radicalização de sua política fiscal.
Até economistas ortodoxos apontam o esgotamento da estratégia dos superávits fiscais, que neste ano, mesmo em níveis recordes, foram incapazes de reduzir a dívida pública. Palocci preparava-se para aumentar a dose. O plano despertou a reação do PT e da ministra Dilma Rousseff.
Mesmo abatido, Palocci assegurou seu protagonismo em 2006. Lula baseará seu discurso nos resultados da política econômica, cuja autoria será reivindicada pelos tucanos. Fora os ataques no campo ético, nenhum dos dois lados tem discurso melhor até aqui.


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