São Paulo, domingo, 20 de novembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ VISÃO DA CRISE

Religioso italiano afirma ter dúvidas sobre o envolvimento de Lula nas denúncias de corrupção

Padre expulso do país em 80 diz que PT o decepcionou

FÁBIO GUIBU
DA AGÊNCIA FOLHA, EM RECIFE

Expulso do Brasil em 1980 pelo regime militar, em ação que envolveu o ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti (PP), o padre italiano Vito Miracapillo, 58, diz estar "decepcionado" com as denúncias de corrupção envolvendo o PT e integrantes do governo.
"Da Itália, vi pessoas com muita esperança também se decepcionarem", disse. "Mas, pessoalmente, tenho dúvidas sobre o envolvimento do presidente Lula."
O religioso está no país desde o dia 14 e fica até o dia 25. Leia a seguir trechos de entrevista à Folha.

Folha - Qual a sua versão para a sua expulsão do país?
Vito Miracapillo -
A história de que fui expulso porque me recusei a rezar missa na Independência foi um pretexto para acabar com o trabalho pastoral que fazíamos com camponeses.
Era domingo. Rezamos três missas. Queriam impor a forma e o horário da missa. Isso não poderíamos fazer. O que veio foi uma reação dos latifundiários e dos políticos que nos perseguiam.

Folha - Como o sr. viu a ascensão e a queda do ex-deputado Severino Cavalcanti (PP), que o denunciou aos militares?
Miracapillo -
Achava que a eleição dele [à presidência da Câmara] não seria um avanço democrático para o país. Depois de tudo o que aconteceu, ficou claro que cada um colhe o que semeia.

Folha - Qual a sua avaliação do governo Lula?
Miracapillo -
Me decepcionei com a situação. Da Itália, vi pessoas com muita esperança também se decepcionarem. Mas, pessoalmente, tenho dúvidas sobre o envolvimento do presidente Lula.

Folha - Como o sr., que é ligado à ala progressista da Igreja, viu o então cardeal Joseph Ratzinger, hoje papa Bento 16, condenar a Teologia da Libertação?
Miracapillo -
Eu acho que aqui as coisas continuaram. Eu vi até que muito da linguagem da Teologia da Libertação passou para a Igreja, que adotou algumas coisas.

Folha - Os fundamentos da Teologia da Libertação ainda são válidos?
Miracapillo -
Sim, porque a Teologia da Libertação colocou como fundamento a reflexão. E tudo o que pertence à vida real da pessoa faz parte também do engajamento do cristão. Não só a alma mas também o corpo, as realidades materiais, têm que entrar num caminho de salvação.

Folha - O sr. defende a continuidade da Teologia da Libertação, mesmo condenada por Ratzinger?
Miracapillo -
É claro que sim. O que foi condenado foram algumas correntes da Teologia da Libertação, que faziam da violência um dos métodos, ou faziam da escolha marxista [o fundamento] da luta de classes.

Folha - Como o sr. vê a atuação dos movimentos sociais que lutam pela terra no Brasil?
Miracapillo -
Até que sejam resolvidos os problemas da redistribuição da terra e da riqueza, é claro que vai haver conflitos. Mas tudo tem que ser na forma pacífica.

Folha - O sr. gostaria de ver a Igreja mais aberta?
Miracapillo -
Mais engajada, sim. Mais engajada na vida social, como era naquele tempo. A gente viveu uma aventura muito linda na vida da Igreja, embora com a ditadura. A Igreja não pode renunciar à presença dentro da sociedade.


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