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ENTREVISTA DA 2ª
Para o presidente da Abong, Sérgio Haddad, aposta política deve ser propositiva, e não apenas de contestação
Fórum Social rejeita "espírito de Seattle"
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Sérgio Haddad, 52, é professor
da PUC de São Paulo, presidente
da Abong (Associação Brasileira
de Organizações Não-Governamentais), que reúne cerca de 250
entidades, e um dos integrantes
do comitê de organização do Fórum Social Mundial 2002, que se
realiza pela segunda vez em Porto
Alegre, entre 31 de janeiro e 5 de
fevereiro.
O FSM é uma versão paralela e
em muitos sentidos oposta ao Fórum Econômico Mundial, que
por 31 anos reuniu dirigentes do
establishment político e financeiro na cidade suíça de Davos e agora se transfere, em sua 32ª edição,
para Nova York.
Haddad qualifica o FSM -com
seus esperados 40 mil participantes, conferências, oficinas e atos
públicos- como "uma aposta
política", capaz de chegar pelo
diálogo a propostas de políticas
públicas e de ampliação dos direitos dos cidadãos.
Dissocia-se, com isso, do chamado "espírito de Seattle", que se
resume a manifestações puramente de protesto contra os efeitos da globalização, como as que
ocorreram durante as últimas assembléias do Banco Mundial ou
das últimas reuniões do G-8, o
grupo de países mais industrializados e poderosos do planeta.
Eis os principais trechos de sua
entrevista.
Folha - Se hoje a sociedade fosse
estruturada apenas em partidos,
sindicatos e associações -como 30
anos atrás-, o Fórum Social Mundial seria algo diferente do que é
hoje com as ONGs?
Sérgio Haddad - As ONGs são
um fenômeno recente, que cresceram como um modelo suplementar de organização da sociedade. Elas não pretendem substituir sindicatos ou partidos, mas
têm um espaço próprio de intervenção, uma natureza diferente.
Uma ONG tem uma estrutura
mais fluida, não é representante
de ninguém. É um grupo de pessoas que produz certo tipo de conhecimento e ajuda a sociedade
civil a produzir novos direitos.
Folha - Pelo fato de serem disseminadas, em nada hierarquizadas,
as ONGs não teriam paralelamente
o perfil oposto ao de uma suposta
conspiração contra o mercado e a
sociedade globalizada?
Haddad - Essas organizações se
complementam com outras estruturas, dos partidos e sindicatos
à estrutura do próprio Estado.
Elas têm em sua cultura a idéia de
democracia direta, uma forma
menos convencional de atuar junto ao poder público. É uma outra
forma de fazer política, ajudando
os grupos sociais a se organizarem para que seus direitos sejam
reconhecidos. Um exemplo típico
disso foi o Estatuto da Criança e
do Adolescente, que partiu de
ONGs e depois transitou pelos
partidos e pelo Congresso para se
tornar lei. As ONGs não substituíram a ação partidária ou a ação
sindical, mas definiram a necessidade do novo direito.
Folha - As ONGs hoje prioritariamente somam esforços umas com
as outras ou disputam espaços comuns de atuação?
Haddad - Depende. Como são
produto da sociedade, elas refletem as posições diversas e até divergentes que existem dentro dessa mesma sociedade.
Folha - Pode-se dizer que as entidades presentes no Fórum Social
Mundial têm em comum posturas
que são ou paralelas ou em oposição ao que pensa um banco ou uma
corretora de títulos que atua no
mercado globalizado?
Haddad - As ONGs que participam do Fórum são aquelas mais
identificadas com a criação de direitos e com a atuação das organizações sociais. Elas têm como base de seu funcionamento o fortalecimento da sociedade civil.
Folha - Esse fortalecimento tem
como objetivo proteger a sociedade civil contra o quê?
Haddad - É para que ela, a sociedade, possa ampliar seu espaço de
direitos, obter direitos ainda não
conquistados ou que se encontrem ameaçados. As ONGs podem até atuar na lógica do esvaziamento do papel do Estado, e há
de fato organizações que se pautam dessa maneira. Mas nós, da
Abong, achamos que é, ao contrário, o fortalecimento do poder público que pode universalizar direitos na área da saúde, da educação, de projetos de minorias.
Folha - Ou seja, fortalecer o poder
público contra a globalização?
Haddad - Fortalecer a sociedade
civil como guardiã do Estado, de
certa forma, é se opor à globalização, porque esse fortalecimento é
indissociável da existência de um
Estado que possa universalizar direitos. O Estado precisa ser bem
mais que o regulador do mercado, como a globalização o concebe. Nessa concepção, algo como a
educação deixa de ser um direito
para se tornar mercadoria a ser
consumida no mercado.
Folha - A batalha de ONGs como a
sua será perdida a longo prazo, e
seu esforço consiste apenas em retardar a vitória do mercado?
Haddad - A lógica de mercado
está muito bem implantada. Mas
ela demonstra que é insuficiente
para acabar com desigualdades
ou atender às necessidades básicas da sociedade. Aumentou a
concentração de renda, os países
estão mais pobres, a África andou
para trás, a Argentina surgiu como o grande exemplo negativo do
desastre que o mercado globalizado é capaz de provocar num país
antes bastante próspero. A lógica
de mercado atingiu seu limite. Há
equívocos hoje reconhecidos até
pelo FMI e pelo Banco Mundial.
Folha - Não haveria hoje um clima
desfavorável à contestação das
ONGs, já que os atentados de 11 de
setembro deram um outro foco às
prioridades mundiais?
Haddad - É natural que tenha havido um esvaziamento dos movimentos de protestos mais gerais.
Esses movimentos ficaram acuados por um clima desfavorável. O
FSM será de qualquer modo o primeiro grande momento pós-11 de
setembro.
Folha - E como fica a contestação
barulhenta, o chamado "espírito
de Seattle"?
Haddad - O Fórum tem essa vertente de mobilização, de protesto,
mas ele também possui um lado
propositivo, de debate de idéias.
O que significa fundamentalmente uma aposta na política, contrária a qualquer ato de terrorismo
ou ato de guerra dos Estados. O
Fórum Social Mundial aposta no
diálogo, no debate de idéias,
opondo-se aos movimentos baseados apenas na contestação, no
atirar pedras, no protesto.
Folha - Essa aposta na política será consensual em Porto Alegre?
Haddad - Espero que sim. Temos isso claramente fixado pela
nossa carta de princípio. Estaremos bastante atentos para não
permitir nenhum tipo de violência nos moldes dos protestos de
Gênova [em 2001, durante a reunião do G-8". Há sempre esse perigo em reuniões às quais estão
presentes muita gente da mídia e
tantos convidados estrangeiros de
maior visibilidade.
Folha - Seria então uma contestação do establishment, mas bem-comportada?
Haddad - Depende do que se
compreender por bom comportamento. O Fórum é radical no
sentido de ir às raízes dos problemas sociais. Mas é também um
grande espaço de articulação e
mobilização, permitindo que surjam agendas, mobilização.
Folha - O sr. poderia dar um
exemplo dessa mobilização?
Haddad - Um grupo de movimentos sociais que se reuniu em
Porto Alegre no ano passado voltou a se reunir no México, dando
margem a encontros regionais
que unificaram certas ações contra por exemplo a Alca (espaço
econômico das Américas, com
predominância dos Estados Unidos), ou pela criação de um Tribunal contra a dívida externa.
Folha - Apesar do 11 de setembro, o Fórum Social Mundial tende
a crescer este ano, se comparado
ao de 2001?
Haddad - - No ano passado prevíamos 2.500 inscrições e ocorreram 4.000. Este ano abrimos 10
mil e tivemos 15 mil pré-inscrições. Este ano, no acampamento
de juventude, já estávamos há
uma semana com 9.000 inscrições. É possível que cheguemos,
entre delegados inscritos e participantes de eventos abertos, a algo
bem superior a 40 mil pessoas.
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