UOL

São Paulo, sexta-feira, 21 de março de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CPI DO PROPINODUTO

Ex-governador beneficiou setor de jóias com redução na base de cálculo do ICMS; para tributaristas, medida é ilegal

Decreto de Garotinho tirou R$ 4,5 mi do RJ

Michel Filho/Agência O Globo
A governadora do Rio, Rosinha Matheus, em evento ontem


FERNANDA DA ESCÓSSIA
MURILO FIUZA DE MELO
DA SUCURSAL DO RIO

Empresas de jóias do Rio de Janeiro tiveram em 2001 uma redução de 18% para 12% da base de cálculo do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), em decreto assinado pelo então governador Anthony Garotinho (PSB). O benefício é inconstitucional, segundo tributaristas ouvidos pela Folha.
Com a decisão, o Estado deixou de arrecadar R$ 4,5 milhões nos dois últimos anos. O levantamento é do deputado Paulo Ramos (PDT), relator da CPI do "Propinoduto", que investiga suposto esquema de corrupção na Fazenda estadual. Entre as investigações da CPI da Assembléia Legislativa, estão incentivos e anistias fiscais ocorridos de 1999 a 2002.
Os prejuízos para o Estado com o benefício para o setor de jóias, segundo Ramos, seriam ainda maiores, já que os efeitos da redução retroagiram ao período de cinco anos anteriores à assinatura do decreto -ou seja, 1996.
Segundo o tributarista José Ruben Marone, do escritório paulista Gandra Martins, a remissão fiscal exige aprovação do Legislativo e não pode ser definida por decreto. "Há um flagrante desrespeito ao Código Tributário Nacional e à Constituição Federal", disse.
A própria redução da base de cálculo de ICMS pode ser considerada ilegal. O tributarista Gustavo Brigagão, do escritório carioca Ulhôa Canto, disse que, nesse caso, seria necessária a assinatura de um novo convênio com o Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), do Ministério da Fazenda -o que não ocorreu.
Brigagão afirmou que o convênio sobre o assunto vigente no Confaz é de 1989 e reduz a base de cálculo do ICMS de 25% para 17%. Pelo decreto de Garotinho, a redução chegou a 12%.
Na cerimônia de assinatura do decreto, em 8 de agosto de 2001, no Palácio Guanabara, a Ajorio (Associação de Joalheiros e Relojoeiros do Rio), entidade de classe do setor beneficiado com o decreto, doou à mulher de Garotinho, Rosinha Matheus, então secretária de Ação Social e hoje governadora do Rio, um conjunto de colar com pingente, brincos e anel.
Ângela Andrade, diretora-executiva da Ajorio, disse que o presente teve custo de R$ 2.000. De acordo com a entidade e com o governo, a jóia foi sorteada num leilão beneficente com renda revertida para obras sociais.
A Ajorio também aparece como doadora na lista de contribuições para a campanha de Rosinha, com R$ 80 mil. A lista de doadores está disponível no site do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
A Ajorio é uma entidade de classe, e a legislação eleitoral proíbe que tais associações doem para campanhas eleitorais.
Ramos e o deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), vice-presidente da CPI, apresentaram projetos para anular o benefício. "Havia uma promiscuidade entre o governante e aqueles que tinham interesses escusos em relação ao ICMS, tanto que a Ajorio doou para Rosinha", disse Ramos. Para Rocha, o decreto "afrontou a Constituição".
Os dois parlamentares propuseram ontem à CPI a convocação de Garotinho e da ex-governadora Benedita da Silva (PT) para explicar casos de isenções e anistias fiscais concedidas em suas gestões.
Uma delegação da CPI estará hoje em Brasília para tentar agilizar no Itamaraty a obtenção na Suíça de documentos sobre a movimentação bancária naquele país de fiscais do Rio de Janeiro investigados pela comissão.


Texto Anterior: No Ar - Nelson de Sá: Outras imagens
Próximo Texto: Outro lado: Ex-governador afirma que quis evitar burocracia
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.