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REGIME MILITAR
Mensagem de setembro de 76, de Sylvio Frota, ministro do Exército, ordenava "isolamento" do presidente
Telegrama revela plano contra Goulart
LUIZ ANTÔNIO RYFF
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
Um telegrama confidencial obtido pela Folha comprova que,
menos de três meses antes da
morte de João Goulart, em dezembro de 1976, os militares brasileiros estavam preocupados
com seu possível retorno ao Brasil. Deram ordens para prendê-lo
assim que ele pisasse no país.
Datada de 10 de setembro de
1976, a mensagem fixava o local
em que Jango deveria ser preso no
Rio e precisava que ele deveria ficar em "rigorosa incomunicabilidade". A ordem foi assinada pelo
ministro do Exército, general
Sylvio Frota, expoente da linha-dura do regime militar.
O documento foi encontrado
pela Folha no Arquivo Público do
Estado do Rio. Indica que Jango
continuava a ser espionado.
Derrubado pelo Movimento
Militar de 1964, Goulart era uma
das principais referências da oposição. A Câmara vai investigar as
circunstâncias de sua morte: suspeita-se que ele tenha sido vítima
da Operação Condor, ação conjunta de governos sul-americanos
para combater militantes de esquerda nas décadas de 70 e 80.
Mensagem
O telegrama foi enviado ao Departamento Geral de Investigações Especiais da Secretaria de Segurança Pública do Rio, onde foi
arquivado com carimbos de
""confidencial" e ""reservado".
A mensagem, de 10 de setembro
de 1976, era a seguinte, ""traduzindo" a linguagem telegráfica:
""1. Retransmito o seguinte radiograma recebido (...) (em) 9 de
setembro de 1976. Sendo constantes os informes de que João Goulart tentará regressar ao Brasil,
por esses dias, determino a Vossa
Excelência as seguintes providências:
1) João Goulart deverá ser imediatamente preso e conduzido ao
quartel da PM, onde ficará em rigorosa incomunicabilidade, à disposição da Polícia Federal;
2) nenhuma medida policial deverá ser tomada contra seus familiares, que permanecerão em liberdade;
3) fica sem efeito prescrição restritiva referente ao transporte
(das) Aerolíneas Argentinas;
qualquer que seja o meio de transporte nacional ou estrangeiro, a
prisão acima referida deverá ser
realizada e as medidas consequentes, aplicadas. Acusar recebimento. General Sylvio Frota, ministro do Exército". A seguir, o radiograma dizia que fatos relacionados a João Goulart deveriam
ser informados ao comandante
do 1º Exército, no Rio.
O radiograma é a comprovação
documental de que o regime militar estava esperando a volta de
Jango em 1976. O general Enio
dos Santos Pinheiro, em entrevista aos pesquisadores Gláucio Ary
Dillon Soares, Maria Celina d'Araújo e Celso Castro, relatou certeza sobre a volta do presidente:
""Foi nesse momento que houve o
problema Jango. O Jango ia voltar
para o Brasil".
A viúva do presidente, Maria
Thereza Goulart, confirma que,
na época, o marido "só pensava
em voltar". Jango havia tido os direitos políticos cassados. Fizera
gestões com militares para receber permissão de regresso, mas
não fora bem-sucedido.
Em depoimentos a Maria Celina
d'Araújo e Celso Castro, em 1993
e 1994, o general Ernesto Geisel,
presidente da República na época,
foi taxativo a respeito dessa possibilidade. ""Não, ele (Goulart) não
podia entrar no Brasil. Se entrasse, seria preso. Quando ele morreu, pediram para trazer o corpo
para o Brasil e enterrá-lo em São
Borja (RS). Concordei, com a
condição de que não houvesse
manifestações políticas."
As manifestações políticas ocorreram e foram reprimidas pela
polícia com violência.
A preocupação dos militares
com Jango era tão grande que
nem a morte do presidente, em 6
de dezembro de 1976, foi suficiente para interromper a vigilância.
Os serviços de informação despacharam "arapongas" para ficar de
olho na movimentação em torno
da missa de Sétimo Dia, na Candelária, no centro do Rio, no dia
13 de dezembro de 1976.
O relatório sigiloso foi enviado
pelo delegado Deuteronomio Rocha dos Santos, do DGIE (Departamento Geral de Investigações
Especiais) da DPPS (Divisão de
Polícia Política e Social).
Em duas páginas, ele listava alguns dos presentes à missa. E descia a detalhes banais sobre o comportamento das pessoas. Por
exemplo, se fumavam ou não.
Investigação
A Câmara dos Deputados instala na quarta-feira uma comissão
externa destinada exclusivamente
a apurar as circunstâncias da
morte de João Goulart.
A proposta foi feita pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) e acatada pelo presidente da Câmara,
Michel Temer (PMDB-SP). O primeiro passo da comissão, de
acordo um dos seus integrantes,
Marcos Rolim (PT-RS), será exumar o corpo do presidente, enterrado em São Borja.
Uma das suspeitas levantadas
pelo PDT é de que Goulart tenha
sido envenenado. O partido é o
herdeiro histórico do antigo PTB,
a agremiação política do presidente em 1964, quando foi deposto pelos militares.
Entre outras dúvidas, a comissão chama a atenção para a proibição de autópsia do corpo de
Goulart na Argentina, onde ele
morreu, e também no Brasil.
O presidente sofria do coração,
tomava medicamentos e viajava
com certa frequência à França para consultas médicas. A família
acreditou em 1976 que ele fora vítima de infarto.
Hoje, nem a família nem políticos têm a mesma convicção. "Há
suspeitas, é preciso investigar",
diz o deputado Marcos Rolim.
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