São Paulo, domingo, 21 de maio de 2000


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REGIME MILITAR
Mensagem de setembro de 76, de Sylvio Frota, ministro do Exército, ordenava "isolamento" do presidente
Telegrama revela plano contra Goulart


LUIZ ANTÔNIO RYFF
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

Um telegrama confidencial obtido pela Folha comprova que, menos de três meses antes da morte de João Goulart, em dezembro de 1976, os militares brasileiros estavam preocupados com seu possível retorno ao Brasil. Deram ordens para prendê-lo assim que ele pisasse no país.
Datada de 10 de setembro de 1976, a mensagem fixava o local em que Jango deveria ser preso no Rio e precisava que ele deveria ficar em "rigorosa incomunicabilidade". A ordem foi assinada pelo ministro do Exército, general Sylvio Frota, expoente da linha-dura do regime militar.
O documento foi encontrado pela Folha no Arquivo Público do Estado do Rio. Indica que Jango continuava a ser espionado.
Derrubado pelo Movimento Militar de 1964, Goulart era uma das principais referências da oposição. A Câmara vai investigar as circunstâncias de sua morte: suspeita-se que ele tenha sido vítima da Operação Condor, ação conjunta de governos sul-americanos para combater militantes de esquerda nas décadas de 70 e 80.

Mensagem
O telegrama foi enviado ao Departamento Geral de Investigações Especiais da Secretaria de Segurança Pública do Rio, onde foi arquivado com carimbos de ""confidencial" e ""reservado".
A mensagem, de 10 de setembro de 1976, era a seguinte, ""traduzindo" a linguagem telegráfica:
""1. Retransmito o seguinte radiograma recebido (...) (em) 9 de setembro de 1976. Sendo constantes os informes de que João Goulart tentará regressar ao Brasil, por esses dias, determino a Vossa Excelência as seguintes providências:
1) João Goulart deverá ser imediatamente preso e conduzido ao quartel da PM, onde ficará em rigorosa incomunicabilidade, à disposição da Polícia Federal;
2) nenhuma medida policial deverá ser tomada contra seus familiares, que permanecerão em liberdade;
3) fica sem efeito prescrição restritiva referente ao transporte (das) Aerolíneas Argentinas; qualquer que seja o meio de transporte nacional ou estrangeiro, a prisão acima referida deverá ser realizada e as medidas consequentes, aplicadas. Acusar recebimento. General Sylvio Frota, ministro do Exército". A seguir, o radiograma dizia que fatos relacionados a João Goulart deveriam ser informados ao comandante do 1º Exército, no Rio.
O radiograma é a comprovação documental de que o regime militar estava esperando a volta de Jango em 1976. O general Enio dos Santos Pinheiro, em entrevista aos pesquisadores Gláucio Ary Dillon Soares, Maria Celina d'Araújo e Celso Castro, relatou certeza sobre a volta do presidente: ""Foi nesse momento que houve o problema Jango. O Jango ia voltar para o Brasil".
A viúva do presidente, Maria Thereza Goulart, confirma que, na época, o marido "só pensava em voltar". Jango havia tido os direitos políticos cassados. Fizera gestões com militares para receber permissão de regresso, mas não fora bem-sucedido.
Em depoimentos a Maria Celina d'Araújo e Celso Castro, em 1993 e 1994, o general Ernesto Geisel, presidente da República na época, foi taxativo a respeito dessa possibilidade. ""Não, ele (Goulart) não podia entrar no Brasil. Se entrasse, seria preso. Quando ele morreu, pediram para trazer o corpo para o Brasil e enterrá-lo em São Borja (RS). Concordei, com a condição de que não houvesse manifestações políticas."
As manifestações políticas ocorreram e foram reprimidas pela polícia com violência.
A preocupação dos militares com Jango era tão grande que nem a morte do presidente, em 6 de dezembro de 1976, foi suficiente para interromper a vigilância. Os serviços de informação despacharam "arapongas" para ficar de olho na movimentação em torno da missa de Sétimo Dia, na Candelária, no centro do Rio, no dia 13 de dezembro de 1976.
O relatório sigiloso foi enviado pelo delegado Deuteronomio Rocha dos Santos, do DGIE (Departamento Geral de Investigações Especiais) da DPPS (Divisão de Polícia Política e Social).
Em duas páginas, ele listava alguns dos presentes à missa. E descia a detalhes banais sobre o comportamento das pessoas. Por exemplo, se fumavam ou não.

Investigação
A Câmara dos Deputados instala na quarta-feira uma comissão externa destinada exclusivamente a apurar as circunstâncias da morte de João Goulart.
A proposta foi feita pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) e acatada pelo presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP). O primeiro passo da comissão, de acordo um dos seus integrantes, Marcos Rolim (PT-RS), será exumar o corpo do presidente, enterrado em São Borja.
Uma das suspeitas levantadas pelo PDT é de que Goulart tenha sido envenenado. O partido é o herdeiro histórico do antigo PTB, a agremiação política do presidente em 1964, quando foi deposto pelos militares.
Entre outras dúvidas, a comissão chama a atenção para a proibição de autópsia do corpo de Goulart na Argentina, onde ele morreu, e também no Brasil.
O presidente sofria do coração, tomava medicamentos e viajava com certa frequência à França para consultas médicas. A família acreditou em 1976 que ele fora vítima de infarto.
Hoje, nem a família nem políticos têm a mesma convicção. "Há suspeitas, é preciso investigar", diz o deputado Marcos Rolim.


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