São Paulo, domingo, 21 de maio de 2000


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REGIME MILITAR
Relatórios mantinham governo informado sobre as supostas atividades de João Goulart no exterior
Espiões vigiavam presidente no exílio

DA SUCURSAL DO RIO

O presidente João Goulart era vigiado em seu exílio no Uruguai e na Argentina, a partir de 1964, por espiões a serviço dos órgãos de informação do regime militar brasileiro.
No prontuário 1.305, guardado no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, estão dados coletados por ""arapongas" sobre Goulart desde 1952, um ano antes de ele assumir o Ministério do Trabalho do governo Vargas.
Há relatórios sobre Goulart relativos ao período 1961 e 1964 -demonstrando que ele foi mantido sob vigilância enquanto era presidente da República.
A Folha teve acesso ao prontuário depois de obter autorização de João Vicente Goulart, filho do presidente. Segundo João Vicente, é a primeira vez que o conteúdo da pasta sobre o pai se torna público, inclusive para ele.
Em 1965, um ano após a deposição de Goulart pelo movimento militar de 1964, dois relatórios chegaram à Secretaria de Segurança Pública do então Estado da Guanabara. Não são identificados o autor e nem a repartição para a qual ele trabalhava.
Relatório
O informante relatou: "Segundo consta, o prontuariado [Goulart" dirige com o senhor Leonel Brizola uma articulação entre os asilados de Montevidéu no sentido de uma contra-revolução".
O relatório afirma: ""Goulart, asilado que foi para o Uruguai, não cessou as suas atividades conspiradoras contra o regime vigente (sic), senão vejamos: vários são os pombos-correio que atuam em seu favor (...)".
"Certo coronel" que teria estado com Goulart dizendo-se em nome do general Amauri Kruel deu-lhe o seguinte recado. "Temos condições de derrubar o governo Caestelo (sic, Castello Branco, general presidente da República de 1964 a 1967), bastando para isso que o ex-presidente não pense mais em três coisas: CGT (Comando Geral dos Trabalhadores, associação sindical extinta), comunismo e Brizola"."
Amauri Kruel fora ministro da Guerra em 1962-63, durante o governo de João Goulart. Em 1964, comandava o 2º Exército, em São Paulo. Conforme o mesmo texto, ""Goulart mantém no Departamento de Tacuarembó [Uruguai" estações de radioamadores, montadas e dirigidas por irmãos de Brizola, que fazem emissões para o Brasil".
Há uma referência ao ""indivíduo John William Cooke", que ""estaria encarregado de negociar uma vultosa compra de armas provenientes da Argélia". As armas serviriam para movimentos armados contra o nascente regime militar brasileiro.
Anteontem, Leonel Brizola, exilado em 1965 no Uruguai, como o cunhado Goulart, disse não saber quem era William Cooke.

Marechal Lott
Em sua fazenda de Tacuarembó, segundo o informante, Goulart reuniu-se com Doutel de Andrade, que teria recebido ordens para articular a candidatura do marechal Henrique Teixeira Lott (que havia perdido a eleição presidencial de 1960 para Jânio Quadros) ao governo da Guanabara.
A eleição ocorreria em outubro de 1965. Lott foi considerado inelegível pelo Tribunal Regional Eleitoral. A articulação de Goulart pró-Lott foi confirmada anteontem por Leonel Brizola.
Nos meses após o golpe de abril de 1964, os militares promoveram uma devassa sobre Goulart no Brasil. No informe 193/64, de 15 de junho de 1964, a 2ª Divisão do Ministério da Guerra descreve um apartamento do presidente, em Copacabana, supostamente sede de conspirações.
No dia 21 de janeiro de 1971, o CIE (Centro de Informações do Exército) do 1º Exército, no Rio, emitiu o informe 30/71, dizendo que o advogado Marcello Alencar recebera poderes de Goulart para comprar-lhe imóveis e cuidar de outros negócios. Depois do fim de regime militar (1985), Marcello Alencar seria prefeito do Rio e governador do Estado.
(LUIZ ANTÔNIO RYFF e MÁRIO MAGALHÃES)



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