São Paulo, domingo, 21 de julho de 2002

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ELIO GASPARI

A professora reprovada anulou a prova

Uma briga de grupos de professores do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos e a compreensão da reitoria em relação a um deles levou uma respeitada instituição de ensino para uma triste encrenca. Por 12 votos a favor, 9 abstenções e 1 contra, o Conselho Universitário da UFSCar anulou o concurso realizado em março que deu a João dos Reis da Silva Jr. o lugar de professor-adjunto de Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico no seu departamento de educação. Como em todas as brigas acadêmicas, há nessa uma mistura de rituais e maledicências. Nesse caso, deram-se detalhes que nem os bruxos conheciam.
O concurso vencido pelo professor Reis foi impugnado pela professora Silvia Elisabeth de Moraes, que disputou a cadeira. Ela foi eliminada na prova escrita. Tirou 6,2, quando a nota de corte era 7. (Reis tirou 9.) Tendo redigido sua prova numa máquina de escrever, acrescentou ao recurso um texto digitado em computador com inúmeras mudanças. Informou que se tratava de uma "reconstituição". Os dois textos são semelhantes e integram a documentação do caso. O primeiro tem 24 parágrafos e o outro, 16, além de uma bibliografia. Radicalizando esse tipo de procedimento, a UFSCar poderia inovar o seu próximo vestibular, dando à patuléia reprovada o direito de pedir a anulação do exame e a franquia de reconstituir suas provas.
No Departamento de Educação da UFSCar brigam as áreas de Administração Escolar e Fundamentos da Educação. A primeira queixa-se de que a segunda, por ser majoritária, impõe contratações e vicia concursos. A segunda argumenta que é majoritária porque é academicamente mais qualificada e, por ser mais qualificada, classifica-se nos concursos.
Logo que se tornou pública a decisão da comissão julgadora, composta pelos professores Ester Buffa (UFSCar), Celso de Rui Beisiegel (USP) e Léa Pinheiro Paixão (UFF), a professora eliminada impugnou o exame, sustentando que ocorrera um "desvio de finalidade", maneira elegante de sugerir vício ou preferência. Numa primeira instância, recorreu junto à banca. Perdeu por 3 a 0. O professor Beiseigel disse o seguinte de sua prova escrita: "O texto não poderia ser aprovado num concurso para professor associado numa universidade pública. A candidata nem sequer chegou a tratar com propriedade das questões envolvidas no tema sorteado". O caso foi ao conselho do Departamento de Educação da UFSCar. A professora perdeu por cinco votos, com uma abstenção. Subiu ao Conselho Interdepartamental do Centro de Educação e Ciências Humanas da UFSCar. Perdeu de novo, por 11 a 2.
O conselho universitário reuniu-se duas vezes. Numa, a pedido da professora, deu-lhe voz. Reis não pediu nem foi convidado a falar. Decidiu-se constituir uma comissão, e foi rebarbada uma proposta de que fosse composta por notáveis doutores de fora da universidade. No último dia 18, a comissão interna levou ao conselho um parecer recomendando a anulação do concurso. Ele teria sido viciado pela ausência, na banca, de um examinador especializado em administração da educação. O conselho decidiu pela anulação.
O reitor Osvaldo Baptista Duarte Filho, ou "Barba", informa que o concurso faleceu e será feito outro "com banca examinadora presidida e composta em sua maioria por docentes que possuam experiência recente em pesquisa na área de administração escolar". Doutor Batista esclareceu que "em nenhum momento julgou ou colocou em dúvida a competência dos membros que fizeram parte da banca examinadora e dos candidatos que participaram do concurso ora anulado". Aí a porca torce o rabo. De duas, uma: ou os professores Buffa, Beisiegel e Pinheiro Paixão são competentes e o concurso não poderia ser anulado, ou se fizeram passar por competentes para formar a banca. Nesse caso, o doutor Baptista homologou uma banca de pessoas que não deveriam ter sido chamadas para o concurso. Noves fora o fato de ter outorgado o adjetivo "competente" tanto para a reprovada como para os reprovadores.
Se havia vício na formação da banca, o exame não deveria ter sido realizado. Se a reitoria só percebeu isso depois do exame, o pedido de anulação deveria ter partido dela, e não de uma professora reprovada que, documentadamente, informou ter reconstituído o texto de sua prova.
Se esses argumentos são insuficientes ou errados, o reitor da UFSCar deve estender à garotada o direito de pedir a anulação de seus exames sempre que reprovarem o currículo de quem os corrige.

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Numa declaração recente, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Francisco Fausto, defendeu a legalização das centrais sindicais e disse o seguinte:
"As centrais sindicais são tão fortes e tão rebeldes que, para ter algum controle sobre elas, alguns presidentes da República fundaram entidades como a Força Sindical e a Social-Democracia Sindical".
O ministro reforçou duas velhas suspeitas: a Força Sindical, presidida até bem pouco tempo por Paulo Pereira da Silva, companheiro de chapa de Ciro Gomes, foi fundada por Fernando Collor. A Social-Democracia Sindical, presidida por Enilson Simões, foi fundada por FFHH.
Fica faltando só uma coisa: definir o que significa "fundada".


Curso Madame Natasha de piano e português

Madame Natasha detesta música e eleições. Ela cuida da verticalização do idioma e concedeu uma de suas bolsas de estudo ao deputado Aloizio Mercadante, pela seguinte pérola num artigo em que definiu os objetivos de uma nova política externa para o Brasil:
"O terceiro macroobjetivo diz respeito ao estabelecimento de uma nova arquitetura das relações econômicas internacionais que, por um lado, avance na reformulação do sistema de entidades internacionais da área econômica (Bird, FMI, OMC), de modo a torná-las mais voltadas para o desenvolvimento dos países retardatários, e, por outro, possibilite a construção de um marco regulatório internacional sobre os fluxos de capital financeiro que reduza a instabilidade econômica mundial e proteja os países em desenvolvimento dos efeitos de seus movimentos especulativos".
Natasha entendeu que o deputado propõe um novo ordenamento do comércio e das finanças mundiais. Entendeu também que o PT começou a se expressar no dialeto ekipekonômica.

Um inglês e seu marqueteiro

As campanhas presidenciais, como as Copas, têm duas fases. A primeira vai do dia em que se convoca a seleção (ou surge cada candidato) até a hora em que o juiz apita e começa o primeiro jogo (ou a hora em que começam os programas regulares gratuitos na televisão). A segunda fase vai daí ao último apito do último jogo (ou à contagem dos votos). Uma fase complementa a outra, mas não a determina. Em 1950 a seleção brasileira entrou campeã no primeiro jogo, no Maracanã. Felipão viajou batido para a Coréia. Em 1989, quando terminou a primeira fase da campanha presidencial, Lula não estava no segundo turno. Tempo de TV, contudo, não garante resultado. Em 1989 Ulysses Guimarães tinha 40 minutos diários de TV (o dobro de todos os outros). Começou a segunda fase com 4% e terminou-a com 3,9%.
José Serra, como Felipão, vai para a segunda fase batido. Perdeu uns poucos pontos percentuais em 40 dias e ficou na casa dos 16%, enquanto Ciro Gomes cresceu 50% e ultrapassou-o, com folga, ficando entre 22% e 24%. Serra foi batido porque "continuidade sem continuísmo" é um mero jogo de palavras e "quero mais" é piada. Na segunda fase ele terá 20 minutos diários para correr atrás da bola. É o dobro do tempo de cada adversário.
Vale prestar atenção para o fato de que Ciro, o candidato com menos marquetagem, conseguiu melhores resultados que Serra e Lula, os mais marquetados.
É o caso de imaginar três cenas nas quais um político inglês, que seus adversários chamavam de aventureiro, patife e pé-frio, consulta seu marqueteiro.
Na primeira cena ele vai assumir o cargo de primeiro-ministro e quer dizer o seguinte: "Não tenho nada a oferecer, senão sangue, suor, trabalho duro e lágrimas".
-Enlouqueceu Winston? Hitler vai tomar Paris. Nosso exército está encurralado em Dunquerque. Os nossos grupos de pesquisa, os Mass Observations, mostram que as pessoas querem otimismo. Diga assim: "Ofereço visão, valentia e vitória".
Duas semanas depois, quando o continente europeu tornou-se uma fortaleza alemã, Churchill chamou novamente o marqueteiro. Mostrou-lhe outro texto:
"Vamos defender nossa ilha a qualquer custo, vamos lutar nas praias, vamos lutar nos campos e nas ruas, vamos lutar nas montanhas; nós nunca nos renderemos".
-Corta esse negócio de rendição. Nem o Hitler está falando em rendição. Outro dia ele disse que só quer destruir a nossa "panelinha capitalista". Não pronuncie a palavra nem para a sua mulher.
Um ano depois Hitler invadiu a Rússia, e Chuchill chamou novamente o marqueteiro. Queria dizer isso:
"Com seu crimes, loucuras e tragédias, o passado sai da nossa vista. (...) Qualquer pessoa ou Estado que luta contra o nazismo terá nossa ajuda. Todo homem ou Estado que marcha ao lado de Hitler é nosso inimigo. (...) Essa é nossa política e esta é nossa declaração".
-Nem pensar, Winston. Parece que você está se aliando a Stalin. Diga que, se ele pedir ajuda, vamos pensar.
Felizmente, Winston Churchill tinha idéias. Nenhum dos principais candidatos a presidente do Brasil é um Churchill, mas cada um deles tem idéias. Vem aí a segunda fase da campanha. Se as mostrarem, ganham ou perdem, mas fazem isso por conta delas, e não daquilo que se supõe ser as idéias dos marqueteiros.

Os ingleses compraram o fim da era Vargas

Quando FFHH assumiu, disse que seu governo significaria o fim da "era Vargas". Ninguém podia supor que fosse tão longe. Coube-lhe o papel de exportar Volta Redonda para a Inglaterra. Itamar vendeu a Companhia Siderúrgica Nacional a Benjamin Steinbruch, que posteriormente formou um consórcio e comprou a FFHH a Vale do Rio Doce, que acabou na mão do Bradesco. Steinbruch foi sagrado barão do aço e tornou-se símbolo do novo empresariado, produto da privataria tucana.
A CSN foi comprada com o reforço de um empréstimo de US$ 660 milhões do velho e bom BNDES. No ano de seu cinquentenário, o banco autorizará (ou não) a exportação de Volta Redonda.

DOCUMENTO

Fernando Neves da Silva
(49 anos, ministro do Superior Tribunal Eleitoral.)
Neves da Silva negou ao PSTU o direito de exigir que a TV Globo entrevistasse por dez minutos durante o "Jornal Nacional" seu candidato à Presidência da República, José Maria de Almeida. O PSTU sustentava que o espaço dado a Lula, Ciro Gomes, José Serra e Anthony Garotinho devia ser oferecido a todos os outros cidadãos que disputam o cargo. No total, os candidatos são nove. Os termos em que negou a liminar contribuem para o debate em torno do tratamento que a imprensa deve dar aos candidatos a cargos eletivos:
-Não cabe à Justiça Eleitoral impor às emissoras de televisão ou a nenhum outro veículo de comunicação a obrigação de entrevistar esta ou aquela pessoa. O que a lei veda é o tratamento privilegiado. (A lei) não assegura idêntico espaço para todos os candidatos na mídia, mas sim tempo proporcional à participação de cada um no cenário político.
-À imprensa compete noticiar o que acontece e é de interesse da sociedade. Daí porque considero perfeitamente admissível e coerente que se dedique maior espaço para os candidatos que disputam os primeiros lugares na preferência popular ou para os fatos que são de maior interesse para o público em geral.
-Nenhum candidato deve ser excluído da cobertura feita pelos veículos de comunicação social, mas ele há de aparecer conforme o espaço que realmente ocupa no processo eleitoral, nem mais, nem menos. O respeito ao princípio da igualdade consiste exatamente em tratar de modo desigual os desiguais.



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