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ENTREVISTA
Presidente tacha reeleição de "desastrosa e perniciosa", critica FHC e rebate avaliações de Alencar sobre economia
País não precisa renovar com FMI, diz Lula
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva disse ontem que o Brasil
"não precisa" e "não é obrigado"
a renovar o acordo com o FMI
(Fundo Monetário Internacional)
que vence no fim do ano e que
permitiu ao país tomar um empréstimo de até US$ 30 bilhões
-um terço ainda não foi sacado.
"Pela lógica, o Brasil não precisa
renovar o acordo com o FMI. O
acordo com o FMI termina e o
Brasil não é obrigado. Depende
da vontade do governo e de que
tipo de acordo", disse Lula, numa
conversa de uma hora e 55 minutos com jornalistas no Palácio do
Planalto.
Ele deixou clara a intenção de
negociar -e não só revalidar burocraticamente- o acordo, selado ainda no governo Fernando
Henrique Cardoso: "O governo
não vai dizer "fora o FMI", mas
não estamos sufocados com isso".
Lula só quebrou o ar descontraído ao criticar Fernando Henrique Cardoso. Fez referências
duras ao antecessor e condenou a
reeleição, chamada por ele de "desastrosa": "Se não tivesse brigado
pela reeleição, ele teria saído como um deus".
Ao se posicionar "filosoficamente" contra a reeleição, defendeu um mandato único de 5 anos.
Indagado se isso significava que
ele não se recandidataria, saiu pela tangente.
Lula não atacou o seu vice, José
Alencar, mas rebateu a avaliação
dele de que o ano foi perdido na
economia. "Este foi o ano que
consertou a economia, arrumou a
casa", afirmou o presidente.
Ao explicar por que evitou contatos regulares com a imprensa
por quase oito meses, Lula disse
que estava aguardando o momento certo.
A entrevista foi na sala de reuniões do presidente, com café da
manhã. Lula fumou três cigarrilhas holandesas. De terno novo,
explicou que está oito quilos mais
magro à custa de exercícios e de
uma dieta à base de proteínas.
No início, chamou a primeira-dama para sentar-se a seu lado,
brincando: "Marisa, vem pra cá.
Fica parecendo aquele casal de
papagaio australiano". A primeira-dama, porém, saiu dez minutos depois. Ficaram o ministro
Luiz Gushiken (Comunicação de
Governo), o porta-voz, André
Singer, e o secretário de Imprensa
e Divulgação, Ricardo Kotscho.
FMI
"Pela lógica, o Brasil não precisa
renovar o acordo com o FMI. O
acordo com o FMI termina e o
Brasil não é obrigado. Depende
da vontade do governo e de que
tipo de acordo. O governo não vai
dizer "fora o FMI", mas não estamos sufocados com isso. Aprendi
uma coisa em economia com o
Ulysses Guimarães: "Fale o mínimo possível e faça; se falar o máximo, não faz". Tranquilidade e caldo de galinha não fazem mal a
ninguém."
REFORMAS
"Entreguei as propostas de reforma no dia 30 de abril, com dois
meses de antecedência em relação
ao cronograma original. As reformas vão passar. O importante é
manter o núcleo."
Lula negou que esse "núcleo",
na tributária, seja apenas a prorrogação da CPMF e da DRU, principais interesses do governo.
"O objetivo da reforma é desonerar a produção e as exportações
o máximo possível. É também reduzir as alíquotas do imposto estadual para cinco e fazer uma só
lei nacional."
REELEIÇÃO
"Com medo de mim em 94, diminuíram o mandato de cinco para
quatro anos. Filosoficamente, não
concordo com a reeleição."
Não descartou, porém, disputar
em 2006: "Não estou dizendo isso
[que não disputaria]. Sou um homem que cumpre a legislação".
"Em muitos momentos, [a reeleição] é perniciosa, nos municípios e Estados. É bom vocês irem
lá ver o que acontece. Pego sempre o exemplo do Fernando Henrique Cardoso. Se não tivesse brigado pela reeleição, ele teria saído
como um deus. Só tem sentido ser
reeleito se você vislumbrar que,
no segundo mandato, dá para fazer mais do que fez no primeiro.
O povo fica mais exigente. Se você
fez "a", o povo vai querer "a mais b".
O presidente tem que saber se vai
ter recursos."
"O segundo mandato é sempre
muito ruim. A reeleição [do FHC]
foi desastrosa. Mas quatro anos é
pouco. Cinco anos, sem reeleição,
seria muito melhor. A alternância
no poder é positiva para o país, a
alternância de pessoas. O povo
pode reeleger o partido. Em nenhum momento, 2006 me preocupa. Lá por 2006 mesmo, final de
2005, vou pensar nisso."
MAIS REFORMAS
"Se depender do presidente da
República, vamos ter as reformas
sindical e trabalhista."
ELEIÇÕES MUNICIPAIS
"A eleição de 2004 é muito importante, mas o papel do presidente é
mais de magistrado do que de tomar parte. No processo eleitoral,
tem uma hora em que você entra
no ringue, e eu não vou entrar no
ringue. Prefiro ficar como torcedor privilegiado."
Quanto a São Paulo, em que já
defendeu publicamente a reeleição da prefeita petista Marta Suplicy, o presidente respondeu:
"Todos sabem que pertenço a um
partido, apóio um candidato. É
diferente de subir em palanque e
arregaçar as mangas. Não é uma
boa política para um presidente
da República. São Paulo é muito
importante e nós vamos ganhar.
A Marta vai ganhar".
PMDB E GAROTINHO
Quando lhe perguntaram o que
mudaria na relação do governo
com o PMDB, com a entrada de
Garotinho no partido, Lula foi
monossilábico: "Nada".
Em seguida, deixou no ar advertência para o partido: "Nós vamos
ver se o PMDB muda ou não muda na relação com o governo".
Significa que o PMDB pode perder os dois ministérios prometidos? "Não tem ministério prometido", respondeu.
REFORMA MINISTERIAL
"Vai chegar o momento certo.
Todos os ministros sabem que os
cargos são meus, sabem que posso manejá-los."
ÁREA SOCIAL
"As coisas vão acontecer. Dona
Ruth [Cardoso, mulher de FHC]
dizia uma frase [de] que nunca
me esqueci: "Para fazer política social, é mais fácil você jogar dinheiro de um helicóptero porque é a
forma mais fácil de chegar ao povo". A pressa é inimiga da perfeição. Com o maior critério do
mundo, estamos juntando os ministros e aperfeiçoando a unificação dos programas sociais."
O presidente anunciou que haverá uma secretaria executiva comum sob a coordenação de um
ministério.
REGRAS DE INVESTIMENTO
"Estamos passando pente-fino
para identificar os [investimentos] prioritários. Estou selecionando o miolo da picanha. Muitas coisas não podem ser feitas diretamente. É o projeto que faz o
dinheiro, e não o dinheiro que faz
o projeto."
Listou várias opções de financiamento, desde o BNDES até
concessões à iniciativa privada.
"O marco regulatório vai sair neste ano. Pode escrever aí: "Quando
setembro vier"."
PRIVATIZAÇÕES
"A garantia não é só para a iniciativa privada, é para o governo
também. Se o BNDES tivesse tido
garantia, não teria feito as privatizações do setor elétrico."
AGÊNCIAS REGULADORAS
Lula confirmou que autorizou o
ministro Miro Teixeira (Comunicações) a lutar com a agência reguladora por um reajuste menor
das tarifas de energia elétrica. Os
jornalistas ponderaram, então,
que, depois, os ministros Antonio
Palocci Filho (Fazenda) e José
Dirceu (Casa Civil) desautorizaram Miro para desfazer a percepção de quebra de contrato. Lula
respondeu: "Não foi desautorizado. É problema superado".
E quando ele conclamou a população a entrar na Justiça contra
as novas tarifas? "Justiça é um direito do usuário", defendeu.
SERVIDORES PÚBLICOS
"Os movimentos sociais existiam
antes de mim e vão continuar
existindo depois de mim. Greve é
direito universal. Nunca vão me
ouvir falar contra a greve, porque
fiz todas as boas greves que poderiam ser feitas.
Mas, no caso de servidor, não é
greve, é férias. Se na iniciativa privada fosse assim, a greve de 1980
[dos metalúrgicos do ABC paulista] estaria durando até hoje. Mas a
gente perdia dia, férias, 13º, FGTS.
Eu reunia 40, 50, 60 mil pessoas
no estádio da Vila Euclides e dizia:
"Greve é luta brava. Greve envolve
direitos e deveres. Greve implica
riscos". Noventa dias recebendo
salário são férias. O governo está
pagando para fazer greve, para
parar." Foi uma reclamação da
atual greve, contra a reforma da
Previdência.
Segundo o presidente, o ministro Ricardo Berzoini (Previdência) pediu desconto dos dias parados, mas "o STF reconhece o direito de pagar os dias": "Vamos
estabelecer regras, mas ou faz de
forma abrupta uma lei que não
pega ou faz uma lei que pega".
REFORMA AGRÁRIA
"Vamos tratar os movimentos sociais com a tolerância que a democracia exige", disse o presidente, quando indagado se o governo
não estaria usando "tolerância tática" com seus antigos aliados dos
movimentos sociais. A expressão
é do ministro Márcio Thomaz
Bastos (Justiça). "Houve transferência de miseráveis urbanos para
serem miseráveis no campo. Hoje, 80% dos assentamentos precisam de cesta básica. Não tinha um
projeto de reforma agrária, mas
de acabar com tensões na beira da
estrada. Vamos dar assistência
técnica para fazer outro tipo de
reforma agrária, mas sem nenhum sufoco para colocar gente
no campo de forma desordenada". A respeito do aumento da invasões do MST e da acusação de
leniência, Lula respondeu: "Não
há leniência. O problema hoje não
é do MST. Em Pernambuco, há 14
grupos [de organizações] ocupando terra. É um problema político de disputa de liderança".
Negou risco de caos social: "Não
tem risco nenhum. No Brasil,
nunca faltou quem quisesse fazer
terrorismo por pouca coisa".
FHC E DIRCEU
"Não tem nada pior do que um
presidente ficar criando uma imagem errada do Brasil, mas o último presidente que renovou a frota [de aviões para transporte de
autoridades] foi o [Ernesto] Geisel. Nós vamos renovar a frota."
Nesse momento, Lula foi lembrado de que o PT atacou FHC quando o tucano pensou em trocar os
aviões que serviam à Presidência.
Contrariado, elevando o tom de
voz, disse que não era verdade. Os
jornalistas insistiram e Lula fez
uma revelação: "Em outubro, o
Fernando Henrique me disse que,
se eu quisesse, ele pediria a renovação da frota para que eu não tivesse problema de desgaste logo
no início". Por que o sr. não aceitou? "Se tinha de fazer, a decisão
tinha de ser minha."
O momento em que o presidente ficou mais contrariado foi
quando indagado dos motivos
que levaram o PT a não apoiar a
reforma da Previdência de FHC
para o funcionalismo: "Não aceito
essa acusação. Ele tinha uma base
de 400 deputados".
Apesar de só aprovar a reforma
da Previdência em primeiro turno
na Câmara com votos da oposição, Lula disse, em tom ríspido:
"Quantas horas por dia gasto fazendo reuniões com políticos, líderes? Como político, não posso
ficar sentado em cima da minha
empáfia. Tem de convencer".
FHC não convenceu? "Não convenceu. O fato concreto é que, para ter uma boa relação com o
Congresso, você tem de colocar o
mestre, um mestre para fazer política, um animal político que vive
política 24 horas por dia. Toma
café, almoça, janta, tem dor de cabeça pensando em política. O Zé
Dirceu [ministro] é o que chamo
de animal político. E tem o [José]
Genoino, que, embora não seja
deputado federal, é o melhor deputado que tenho no Congresso."
"FHC nunca chamou a oposição para conversar." Lembraram
que FHC o convidou para conversas. Respondeu que não fora para
falar sobre política, mas não revelou sobre o que conversaram.
TUCANOS
Lula reclamou da imprensa. "O
que eu imaginava que vocês iriam
vender como vitória [aprovação
da reforma da Previdência] vocês
venderam como "O governo regateou". Colocamos um limite nas
superaposentadorias, de R$ 17
mil. Daqui a 10 ou 15 anos serão
sentidos de melhor forma os efeitos da reforma." A oposição, segundo ele, votou a favor devido à
capacidade de articulação do governo. "Na reforma da Previdência, a reforma era do interesse deles. Se não votassem, iriam prejudicar o Aécio [Neves, governador
de MG], o [Geraldo] Alckmin
[governador de SP]."
GOVERNADORES E CPMF
"Os governadores são tão inteligentes que sabem que não dá para
fazer a recuperação econômica
dos Estados via reforma tributária. A recuperação será via crescimento econômico. Os governadores sabem o que a gente pode
fazer sem ferir o núcleo da reforma. Sobre a CPMF, o Palocci disse
que [a contribuição] já dá mais
para os Estados do que os governadores estão pedindo. Mas há
gente que continua querendo fazer guerra fiscal. O problema não
é entre Estados e União. É entre os
próprios Estados e entre municípios. Há uma salada de frutas de
interesses. Nós vamos comer a
fruta inteira." Diante da insistência para saber se o governo poderá ou não dividir a CPMF com os
Estados, declarou: "No quadro de
hoje, não tem mudança".
ALENCAR
Enquanto Lula fala no "espetáculo do crescimento", seu vice, José
Alencar, diz que o ano está perdido. Lula amenizou: "Não reajo a
isso. Tenho muito respeito pelo
companheiro José Alencar. É de
outro partido, tem outras idéias".
Em seguida, uma defesa da política econômica: "No início do
ano, a previsão de todos era de
que seria um desastre [na economia]. Aí, vamos dar mérito a uma
figura, Antonio Palocci, que não
se deixou levar pelo emocional
economicista. Falava-se em inflação de 40% ao ano, mas ela não
chegará aos 7% nos próximos 12
meses. Os juros começaram a
cair. Em junho, começamos a liberar linhas de crédito".
Quanto à avaliação do ano: "Este é o ano em que nós consertamos o país, arrumamos a casa".
Pela lógica, o Brasil
não precisa renovar o
acordo com o FMI
[Fundo Monetário Internacional]. O acordo
com o FMI termina e o
Brasil não é obrigado.
Depende da vontade do
governo e de que tipo
de acordo. O governo
não vai dizer "fora o
FMI", mas não estamos
sufocados com isso
Em muitos momentos,
[a reeleição] é perniciosa, nos municípios e Estados. É bom vocês
[jornalistas] irem lá ver
o que acontece. Pego
sempre o exemplo do
Fernando Henrique
Cardoso. Se não tivesse
brigado pela reeleição,
ele teria saído como
um deus
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
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