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São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2003

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JANIO DE FREITAS

Índices de vida

Entre tantos índices e porcentos e siglas, que os economistas e um punhado de jornalistas tricotam como nossas velhas avós com suas linhas sem fim, poucos são os que interessam mesmo: refletem a vida, falam de mulheres e homens, de idosos e crianças. Destes, sim, os presidentes, ministros e outros governantes devem explicações a todos os governados. Do "risco-Brasil", dos pontos da Bolsa e das outras tecnicalidades que povoam os jornais e os fazem mais indigestos, os governantes devem explicações aos banqueiros e especuladores internacionais, ao FMI e demais entidades do colonialismo.
À margem do que interessa a economistas e seus porta-vozes na mídia, as famílias estão cortando os gastos com alimentos. E não se trata de gasto com produtos supérfluos, não. O levantamento semestral da Associação Brasileira de Supermercados indica que produtos básicos da alimentação -arroz, açúcar, óleo, macarrão, além de outros- compõem o quadro dos maiores cortes de gastos dos consumidores. São cortes que, a manterem o mesmo impulso, correspondem a mais 15%, 10% e por aí em diante.
O IBGE divulgou agora os dados sobre julho. Economistas e jornalistas econômicos fazem comentários ainda mais entusiasmados com a "retomada lenta, mas segura do crescimento". Mas sabem que os míseros 0,4% a mais na produção industrial de julho resultaram de maior extração de petróleo. "Crescimento industrial" criado pelo fundo do mar, e não pelo maquinário da indústria, cujas horas de trabalho remunerado continuaram diminuindo, sobretudo onde mais poderiam crescer, São Paulo, Minas e Rio.
O desemprego, claro, aumentou. E a soma dos salários pagos caiu: diminuição de 6,1% no governo Lula até julho.
Mas pudemos ver, a meio da semana, o presidente e dois de seus ministros mais representativos dos dados acima - Antônio Palocci, da Fazenda, e Jacques Wagner, do Trabalho - ilustrando com festivos sorrisos a solenidade de assinatura de um novo crédito: R$ 200 milhões para financiar compras de eletrodoméstico. A maior parte da mídia não faltou com o destaque esperado pelo governo para o seu ato de generosidade com os trabalhadores de baixa remuneração. Só que a medida foi para socorrer a indústria de eletrodomésticos, cujas máquinas estão paradas 50% do tempo previsto para produção e os negócios equivalem aos da crise feita pelo governo Collor. Então, temos o seguinte: a política econômica sufoca a produção industrial e o consumo, e depois aplica dinheiro em financiar um pouco de consumo para oxigenar, também um pouco, o setor industrial posto em coma induzido pelo dr. Palocci.
Menor consumo de alimentos, o que é falar também de saúde e de crianças; menor valor dos salários, maior desemprego, são palavras e índices variados para significar o mesmo: pessoas. Milhões de pessoas. Que não estão nas Bolsas, não jogam nas especulações com o "risco-Brasil", não participam dos festejos, feiras, solenidades várias e discurseiras que recheiam os dias presidenciais e ministeriais. São pessoas, simplesmente, milhões de pessoas. Às quais, digamos por justiça, o poder deu oportunidade de serem tratadas como os demais -em certo dia, quando serviram para votar.



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