São Paulo, domingo, 21 de outubro de 2001

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JANIO DE FREITAS

Os erros da certeza

O grau de certeza com que o governo, os militares e a mídia americanos estão operando, e induzindo meio mundo a segui-los, está afinal conhecido de um modo que não dá margem a dúvida.
À proporção em que mais hipóteses e casos de antraz apareceram nos Estados Unidos, cresceram a convicção e a difusão de que a responsabilidade pelo terrorismo biológico é do Iraque de Sadam Hussein. Criou-se um certo mal-estar quando, nas investigações que se seguiram naquele sentido, o FBI descobriu que o antraz foi uma das muitas cepas de bactérias, mais de 20 diferentes, que uma empresa americana do ramo vendeu ao Iraque. Com entrega pelo mesmo correio em que as bactérias estariam voltando aos Estados Unidos para envenenar americanos.
É o capitalismo perfeito. No percurso de ida e volta, lucro duas vezes. Na venda, lucro de empresas vendedoras de bactérias para qualquer fim, o que inclui o terrorismo. Na volta, lucro com ações de laboratórios produtores de antibióticos, em imediata valorização na Bolsa, puxadas pela procura preventiva do remédio anti-antraz.
À primeira logo se seguiu outra descoberta desconfortante: foi a Inglaterra que treinou cientistas iraquianos para o trabalho com armas biológicas e químicas. E supriu necessidades do Iraque em equipamentos e produtos empregados no programa de armas inconvencionais.
Tais descobertas expuseram, mais uma vez, como indústria da morte produz seus lucros enormes - acima de qualquer premissa ética e mesmo da segurança nacional -, mas não enfraqueceriam, até pelo contrário, a convicção de culpa do Iraque. Então sobreveio a chegada ao remoto Quênia de uma carta com antraz, postada em Atlanta, Estados Unidos. As demais cartas comprovadamente com antraz, recebidas fora dos Estados Unidos, foram todas remetidas também do território americano.
A possibilidade iraquiana não desapareceu, mas a ela se juntaram tantas outras - inclusive e talvez sobretudo de americanos desatinados - que nada sobrou da convicção propalada pelo governo e sustentada pela mídia.
A necessidade de identificar culpados, sem no entanto os encontrar, está regendo decisões de governo e grande parte do jornalismo oferecido à opinião pública. Hipóteses são transformadas em certezas, e delas resultam decisões gravíssimas: o governo americano já soltara a informação de que o próximo alvo do seu ataque devastador seria o Iraque, origem do terrorismo biológico. Uma demonstração eloquente da fragilidade com que se manipulam a morte de populações, a existência de países e a força: o Iraque escapou do morticínio e destruição, pelo menos temporariamente, porque uma carta, de remetente desconhecido, ao sair dos Estados Unidos provou que as certezas vigentes no centro do maior poder do mundo valiam pouco ou nada.
E tal como hipóteses são transformadas em certezas, incertezas são difundidas como verdades. Esta é a sustentação da guerra.

Furo
O acordo feito por Luiz Fernando Levy, pela "Gazeta Mercantil", e Nelson Tanure, pelo "Jornal do Brasil", para a associação dos dois jornais furou na sexta-feira. Foi o primeiro e único furo jornalístico feito pelo negócio que, no Rio, estava definido como a nova compra do Mappin pela Mesbla.
Na véspera, a Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicação da Câmara aprovara a convocação dos dois empresários para prestar esclarecimentos sobre o seu acordo e sobre a greve dos jornalistas da "Gazeta Mercantil" por não recebimento dos salários.

Vai longe
A apreensão feita pela polícia federal, anteontem, na casa do lobista Alexandre Paes dos Santos, em Brasília, encontrou mais gravações do que as fitas que buscava.
As fitas procuradas eram as referidas pelo lobista a uma assessora do Ministério da Saúde, segundo ele contendo a conversa em que um dos principais assessores de José Serra, o secretário de Assistência à Saúde, estaria chantageando para obter contribuição financeira à campanha eleitoral do ministro.
As fitas achadas contêm mais conversas, com outras figuras. Ainda na sexta-feira, lobistas e clientes seus ansiavam por informações, desejosos de saber da possível presença, nas fitas, de suas vozes e seus negócios inconfessáveis.
Por falar em inconfessável, parece puro humor a maneira como o secretário Renílson Rehen e Alexandre Paes dos Santos negam, com toda a tranquilidade, o que a agenda apreendida do lobista registra como encontros de ambos. Esse negócio vai longe.



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