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JANIO DE FREITAS
Os erros da certeza
O grau de certeza com que o
governo, os militares e a mídia americanos estão operando, e
induzindo meio mundo a segui-los, está afinal conhecido de um
modo que não dá margem a dúvida.
À proporção em que mais hipóteses e casos de antraz apareceram nos Estados Unidos, cresceram a convicção e a difusão de
que a responsabilidade pelo terrorismo biológico é do Iraque de Sadam Hussein. Criou-se um certo
mal-estar quando, nas investigações que se seguiram naquele sentido, o FBI descobriu que o antraz
foi uma das muitas cepas de bactérias, mais de 20 diferentes, que
uma empresa americana do ramo vendeu ao Iraque. Com entrega pelo mesmo correio em que as
bactérias estariam voltando aos
Estados Unidos para envenenar
americanos.
É o capitalismo perfeito. No percurso de ida e volta, lucro duas
vezes. Na venda, lucro de empresas vendedoras de bactérias para
qualquer fim, o que inclui o terrorismo. Na volta, lucro com ações
de laboratórios produtores de antibióticos, em imediata valorização na Bolsa, puxadas pela procura preventiva do remédio anti-antraz.
À primeira logo se seguiu outra
descoberta desconfortante: foi a
Inglaterra que treinou cientistas
iraquianos para o trabalho com
armas biológicas e químicas. E
supriu necessidades do Iraque em
equipamentos e produtos empregados no programa de armas inconvencionais.
Tais descobertas expuseram,
mais uma vez, como indústria da
morte produz seus lucros enormes
- acima de qualquer premissa
ética e mesmo da segurança nacional -, mas não enfraqueceriam, até pelo contrário, a convicção de culpa do Iraque. Então sobreveio a chegada ao remoto
Quênia de uma carta com antraz,
postada em Atlanta, Estados Unidos. As demais cartas comprovadamente com antraz, recebidas
fora dos Estados Unidos, foram
todas remetidas também do território americano.
A possibilidade iraquiana não
desapareceu, mas a ela se juntaram tantas outras - inclusive e
talvez sobretudo de americanos
desatinados - que nada sobrou
da convicção propalada pelo governo e sustentada pela mídia.
A necessidade de identificar
culpados, sem no entanto os encontrar, está regendo decisões de
governo e grande parte do jornalismo oferecido à opinião pública.
Hipóteses são transformadas em
certezas, e delas resultam decisões
gravíssimas: o governo americano já soltara a informação de que
o próximo alvo do seu ataque devastador seria o Iraque, origem
do terrorismo biológico. Uma demonstração eloquente da fragilidade com que se manipulam a
morte de populações, a existência
de países e a força: o Iraque escapou do morticínio e destruição,
pelo menos temporariamente,
porque uma carta, de remetente
desconhecido, ao sair dos Estados
Unidos provou que as certezas vigentes no centro do maior poder
do mundo valiam pouco ou nada.
E tal como hipóteses são transformadas em certezas, incertezas
são difundidas como verdades.
Esta é a sustentação da guerra.
Furo
O acordo feito por Luiz Fernando Levy, pela "Gazeta Mercantil",
e Nelson Tanure, pelo "Jornal do
Brasil", para a associação dos
dois jornais furou na sexta-feira.
Foi o primeiro e único furo jornalístico feito pelo negócio que, no
Rio, estava definido como a nova
compra do Mappin pela Mesbla.
Na véspera, a Comissão de
Ciência, Tecnologia e Comunicação da Câmara aprovara a convocação dos dois empresários para prestar esclarecimentos sobre o
seu acordo e sobre a greve dos jornalistas da "Gazeta Mercantil"
por não recebimento dos salários.
Vai longe
A apreensão feita pela polícia
federal, anteontem, na casa do lobista Alexandre Paes dos Santos,
em Brasília, encontrou mais gravações do que as fitas que buscava.
As fitas procuradas eram as referidas pelo lobista a uma assessora do Ministério da Saúde, segundo ele contendo a conversa em
que um dos principais assessores
de José Serra, o secretário de Assistência à Saúde, estaria chantageando para obter contribuição
financeira à campanha eleitoral
do ministro.
As fitas achadas contêm mais
conversas, com outras figuras.
Ainda na sexta-feira, lobistas e
clientes seus ansiavam por informações, desejosos de saber da
possível presença, nas fitas, de
suas vozes e seus negócios inconfessáveis.
Por falar em inconfessável, parece puro humor a maneira como
o secretário Renílson Rehen e Alexandre Paes dos Santos negam,
com toda a tranquilidade, o que a
agenda apreendida do lobista registra como encontros de ambos.
Esse negócio vai longe.
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