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São Paulo, terça-feira, 21 de outubro de 2003

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Posição de negros piora, diz sociólogo

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

Miscigenado, sim, mas pródigo na prática de uma discriminação racial que tem aumentado a desigualdade entre negros e brancos desde os anos 60. Esse é o Brasil descrito pelo sociólogo americano Edward Telles, 46, em "Racismo à Brasileira".
Ex-pesquisador da Fundação Ford no Brasil, Telles afirma que a miscigenação é usada para mostrar que o Brasil não tem problemas raciais. Ele defende a adoção de políticas afirmativas.
Editado pela Relume Dumará, o livro do professor da Universidade da Califórnia será lançado hoje no encontro anual da Anpocs.
 

Folha - O que caracteriza o "racismo à brasileira"?
Edward Telles -
Muita gente pensa que não há racismo no Brasil, só nos EUA e na África do Sul. No Brasil, o racismo não é tão explícito. A classificação racial é muito mais fluida, com categorias intermediárias. O casamento inter-racial aqui é muito maior que nos EUA, e a segregação residencial é bem menor. Mas temos no Brasil uma desigualdade maior que nos EUA. No Brasil, quase não há negros na classe média, enquanto, nos EUA, a classe média negra é significativa. No Brasil, a classe média branca tem a idéia de que cada um sabe o seu lugar.

Folha - Seu livro mostra um país em que a miscigenação convive com a discriminação racial. Como isso se deu?
Telles -
A causa vem de uma ideologia racista que chegou ao auge no século 19. Havia um racismo científico, afirmando que os brancos eram superiores. EUA e África do Sul seguiram a via da segregação. O Brasil, a da miscigenação. A idéia, na virada do século 19 para o 20, era que o Brasil iria embranquecer. Como vamos embranquecer? Trazer migração européia e mesclar. A miscigenação também existe, em grande parte, entre pessoas de classe baixa. No centro do poder, quase não existe.

Folha - Por que o sr. diz que a desigualdade racial aumentou?
Telles -
Esses são dados para o Brasil e os EUA de 1960 a 1996, mostrando as probabilidades de chegar à classe média. Em 1960, a probabilidade de estar na classe média era três vezes maior entre brancos, nos dois países. Nos anos 60, começou a ação afirmativa nos EUA. A desigualdade baixou para 1,6. No Brasil, ela foi a 4 para homens e 4,8 para mulheres.

Folha - Como reduzir a desigualdade racial?
Telles -
A idéia de ação afirmativa na universidade é o mais importante. Para negros entrarem na classe média, é fundamental que cheguem à universidade.

Folha - No Brasil, como definir quem é branco e negro?
Telles -
Não tenho a resposta. Nos EUA, você teve a segregação e definiu quem era negro [qualquer pessoa com ascendência negra] e quem era branco. No Brasil você não tem isso. É um grande problema. Mas tem de ter ação afirmativa, senão a desigualdade será cada vez maior.


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