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ENTREVISTA DA 2ª
JAMES MEREDITH
Americano diz que os luso-brasileiros foram os mais bem-sucedidos em assegurar a supremacia branca
Portugueses deram aula de racismo aos EUA, diz ativista
FABIANO MAISONNAVE
DA REPORTAGEM LOCAL
Enquanto vários líderes negros
dos anos 1960 se tornaram conhecidos ao promover grandes marchas e boicotes, James Meredith
entrou para a história norte-americana por ter mobilizado uma
operação de guerra com 5.500 militares norte-americanos. O motivo: assegurar que, no dia 1º de outubro de 1962, ele se tornasse o
primeiro negro a pisar na Universidade do Mississippi como um
aluno regular.
Não foi a única vez que esse veterano da Guerra da Coréia provocou polêmica. Em 1989, virou
assessor do senador ultraconservador republicano Jesse Helms.
A primeira coisa
que os
brasileiros têm
de entender é
que a estrutura
do poder branco
tem grande
interesse em
expandir a
cidadania, mas
não sabe como
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Durante o período em que trabalhou com Helms em Washington, Meredith diz ter descoberto
que, por trás da estratégia de dissimular o racismo dos republicanos, estavam formuladores de políticas públicas lusófonos. "Descobri que eles eram os mais eficientes e capazes supremacistas
brancos do mundo", afirma.
Em sua segunda visita ao Brasil,
onde está a convite da ONG Portal
Afro, de Atibaia (SP), e com o patrocínio do Consulado dos EUA
em São Paulo, Meredith, 72, concedeu na última sexta-feira a seguinte entrevista à Folha:
Folha - O seu primeiro dia na Universidade do Mississippi é bastante
conhecido, mas como foi nas semanas seguintes?
James Meredith - É quase impossível para alguém entender. A luta
não era sobre educação, não era
sobre a Universidade do Mississippi, era contra a supremacia
branca. Eu estava atacando a supremacia branca. Fui bem-sucedido ao colocar o governo dos Estados Unidos numa posição na
qual eles tiveram de usar sua força
militar para assegurar meus direitos. Eles nunca tinham havia usado o poder da América para assegurar os direitos, embora tenham
aprovado todo tipo de lei. Na verdade, o dia em que pisei no campus, o objetivo maior tinha terminado. A supremacia branca, como uma existência oficial e legal,
foi esmagada. Não havia mais nada a fazer depois disso. Você nem
ouviu falar dos negros que vieram
depois de mim. Isso não é importante. Mesmo a minha freqüência
não foi importante. Foi apenas o
meu direito de fazer o que os
brancos do Mississippi tinham direito. É disso que se tratava.
Eu consegui que os militares lutassem na minha guerra. A América ocupou o Mississippi da mesma forma que ocupou o Japão depois da Segunda Guerra Mundial.
Folha - A história de Rosa Parks
tem sido contada de forma romântica: uma costureira que se recusou
a dar o lugar ao branco no ônibus
porque estava muito cansada, embora ela tenha sido uma ativista
com opiniões fortes. Acontece o
mesmo com o sr.?
Meredith - Eles tentaram fazer
isso comigo, mas havia um conflito entre a elite liberal, que é a mesma coisa que o Partido Democrata, a burguesia negra e mim. Eles
queriam me transformam neles.
Mas estava preocupado em criar
uma situação como os judeus os
fizeram em Nova York, em que os
negros tivessem voz na política.
Mas os políticos na América sempre aprisionaram o nosso poder
político, primeiro com os republicanos, depois com os democratas.
Folha - As imagens da população
negra após a passagem do furacão
Katrina chocaram o mundo. O sr. ficou surpreso também?
Meredith - Não. Enquanto os
EUA têm estado há muito tempo
no processo de mudanças governamentais, as políticas da supremacia branca ainda são a realidade. Os negros têm uma grande
porcentagem de pobres em comparação com qualquer grupo, e o
furacão Katrina deixou isso claro.
Embora no Mississippi e em Nova
Orleans, há mais brancos pobres
do que negros pobres em números absolutos, a supremacia branca tomou conta dos brancos. Os
negros não tinham ninguém.
Folha - Qual é a imagem que mais
se aproxima da realidade dos negros nos EUA: Condoleezza Rice ou
as vítimas do Katrina?
Meredith - As vítimas do Katrina. Condoleezza Rice é o resultado da estratégia dos republicanos
do Sul para reconquistar o controle da Presidência e do Congresso dos EUA. Politicamente, Colin
Powell, Rice e Clarence Thomas
não mudam nada. Eles são boas
pessoas, mas são apenas instrumentos, como todos os políticos
negros do lado democrata. E todos eles sabem disso, mas querem
que tudo fique do jeito que está.
Folha - Esta é a segunda vez que o
senhor vem ao Brasil, um país que,
como os EUA tem uma hierarquia
racial. Quais as diferenças na forma
como essa hierarquia opera?
Meredith - Os portugueses - e o
mesmo serve para o Brasil- foram os mais eficientes e conhecedores de todos os grupos europeus no sistema estabelecido da
supremacia branca. E foram eficientes em fazer parecer que não
se tratava disso. Eles venderam a
idéia de uma democracia racial.
Todo mundo sabia que era uma
mentira, mas aí está a inteligência
da hierarquia portuguesa.
Na América, mais da metade
dos brancos era contra a forma de
supremacia branca em 1860. Eles
venceram a Guerra Civil, e o Congresso deu direitos cidadãos aos
ex-escravos. Até hoje, o Brasil
nunca deu direitos cidadãos aos
seus ex-escravos. E isso foi feito de
forma quase imperceptível.
Folha - O sr. quer dizer que o formalismo da legislação brasileira
obstrui o debate?
Meredith -Absolutamente. Ninguém no Ocidente fala sobre supremacia branca. Fala-se sobre
raça, racismo. São termos emotivos. Enquanto as pessoas criarem
suas crenças e suas políticas em
cima de termos emotivos, nunca
lidarão com a realidade. Os portugueses foram os que entenderam
isso melhor.
Folha - Por que o
sr. decidiu trabalhar
com Helms?
Meredith - Eu me
associei a Jesse
Helms, considerado o mais poderoso
adversário da elite
liberal americana,
mas não parei por
aí: apoiei David
Duke [ex-membro
da Kun Klux Klan e
candidato a governador na Louisiana]. Eu queria criar
uma situação na
qual poderia falar
de forma realista
para que os negros
entendessem.
Os republicanos
usam uma técnica
moderna: palavras-código. "Bussing" [programa que leva alunos
negros a escola brancas], por
exemplo, se tornou uma palavra-código. Quando eles falam que
são contrários ao "bussing", significa que querem continuar com
a supremacia branca.
E sabe quem deu essas estratégia aos republicanos? Os portugueses. Foi o que mais me surpreendeu quando fui a Washington com Jesse Helms. A única coisa que fazia era ir a todos os "think
tanks", que formulam todas as
políticas públicas. O que descobri
é que todas as pessoas que faziam políticas públicas para
os republicanos
eram lusófonos!
Luso-brasileiros,
portugueses ou
afro-portugueses.
Havia Danish
D'Souza [indiano,
autor do livro "O
Fim do Racismo"] e
três ou quatro outros. Não entendi o
que significava. Por
que essas pessoas
estavam formulando políticas para os
negros da América?
Quando estudei,
descobri que eram
os mais eficientes e
capazes supremacistas brancos do
mundo. Eram as pessoas adequadas para ensinar a América sobre
como lidar com o negros.
Eu soube que, quando me associei aos dois, isso seria um assunto
nos anos seguintes. Mas também
sabia que, se eu vivesse o suficiente, teria a chance de levantar novas questões. É melhor ter uma
klansman convertido do que ele
continuar enforcando negros.
Folha - No Brasil, a Marcha do
Zumbi deste ano se dividiu em
duas, uma mais próxima e outra
mais independente do governo Lula. Nos EUA, havia a divisão entre
separatistas integracionistas. Como o sr. compara essas divisões?
Meredith - É impossível comparar a questão racial nos dois países. Zumbi viveu no século 17, e as
celebrações começaram 10, 15
anos atrás. A mudança no status
dos descendentes de escravos está
apenas começando no Brasil. E a
primeira coisa que os brasileiros
têm de entender é que a estrutura
do poder branco no Brasil tem
grande interesse em expandir a cidadania, mas não sabe como fazer. Todos creditam a Martin Luther King, James Meredith e Stokely Carmichael pela mudanças.
Essa não é a verdade. As verdadeiras mudanças vieram dos poderosos e seus descendentes. Mississippi se tornou importante porque os brancos de Harvard, Yale,
Columbia foram para lá e se colocaram na linha de frente para forçar o governo a mudar suas políticas. Foi isso que provocou as mudanças, e não os negros gritando.
Não estou dizendo que o que os
negros e outros não-brancos fazem não é importante, porque é o
que dá a desculpa às pessoas com
poder real para mudar as coisas.
O que está acontecendo na
França é quase idêntico. Na semana passada, o presidente francês
admitiu que o verdadeiro problema é a discriminação contra negros e muçulmanos, mas acrescentou algo bem prático. Ele disse
que, antes de fizermos algo contra
a discriminação, temos de reprimir todos os distúrbios e então
pensar sobre fazer algo sobre isso.
No Brasil, muitas corporações
não têm um único negro. Nos
EUA, isso não pode ocorrer, não
por causa das corporações, mas
por causa do governo federal, que
exige um plano de ação afirmativa. Enquanto não houver isso no
Brasil, nada será eficiente.
Folha - Nos EUA, muitos dizem
que a ação afirmativa, após mais
de 30 anos, não beneficia mais os
negros pobres e precisa de mudanças. O sr concorda?
Meredith -Não apenas concordo
como esse era o plano desde o primeiro dia. A ação afirmativa é para a elite liberal branca e a burguesia negra. Eles não querem mudar
nada, não ligam a mínima para as
pessoas que você viu após o Katrina. A América tem de mudar porque precisa vencer a guerra contra
o terror. E a única forma é envolver as pessoas hoje alienadas.
Ninguém sabia que o 11 de Setembro ia acontecer. Isso é importante. Os romanos tinham pessoas
em todos lugares que lhe diziam
tudo que estava para acontecer.
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