São Paulo, sexta, 22 de janeiro de 1999

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JANIO DE FREITAS
O que é abusivo

É apenas um sinal de desorientação grave do governo, como se estivesse a poucos segundos do nocaute, a ameaça feita por Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Pimenta da Veiga aos que façam "aumento abusivo" de preço. Bastaria perguntar a cada um deles o que é "aumento abusivo" para ver que a ameaça é apenas um jogo de cena ridículo.
Abusivos são os preços de todos os remédios no Brasil. A quase totalidade desses produtos é similar a um remédio feito pelas matrizes dos laboratórios no exterior, e aqui fabricado pela subsidiária multinacional ou por licença. Similaridade, convém notar, não significa qualidades idênticas. Mas a diferença não pára aí.
Nenhum desses remédios custa no Brasil o preço que tem no exterior. A mão-de-obra na Europa e nos Estados Unidos é muito mais cara do que a brasileira. A balela de que os custos adicionais são maiores aqui não resistiu ainda a nenhuma confrontação, a começar da diferença no Imposto de Renda de empresas e de acionistas, tão generosos no Brasil. Apesar disso, se feitos aqui, os mesmos remédios custam aos brasileiros sempre muito, muito mais caro do que aos consumidores no exterior.
A exploração não é exclusividade das filiais de laboratórios estrangeiros. Produtos de higiene e limpeza custam, aqui, muito mais caro do que as mesmas marcas lá fora. Perfumaria e cosméticos, papéis, carros, eletroeletrônicos, tudo, enfim, que seja feito aqui por filial ou licença é, sempre, caríssimo em comparação com o produto gêmeo estrangeiro.
Mas Fernando Henrique, Serra e Pimenta vão caçar "aumentos abusivos". O governo é tão contrário a preços abusivos que, há poucos dias, Bolívar Moura Rocha, o secretário de Acompanhamento Econômico que fazia sério esforço para combater abusos e irregularidades, preferiu deixar o cargo. Desanimado com a dificuldade de atravessar as muralhas governamentais entre a lei e os autores de irregularidades e abusos.
O governo já teve especialistas notáveis em ameaças a preços abusivos, especialmente de remédios e carros. Dorothea Werneck e José Milton Dallari talvez não tenham deixado boa impressão por seu desempenho, mas o que lhes importa não é o que deixaram, é o que levaram, com a experiência original de suas negociações em torno de preços abusivos.
Aumentos de preços representam inflação, por mais que os índices oficiais e oficiosos resistam a reconhecê-los. E aí está o problema criado pela liberação do dólar que, no entanto, não entrou ainda nas cogitações de economistas e de jornalistas, embora sua importância.
É que imensa variedade de produtos brasileiros, aproveitando a abertura das importações, incorporaram matéria- prima ou componentes importados e deles não podem abrir mão. Pelo menos não podem fazê-lo em curto prazo. E os preços dessas matérias e componentes subiram e vão subir com o dólar, que vai se refletir no preço final. Só desse fator já advém uma carga pesada, e incalculada, de aumentos inflacionários.
Abusiva, no final da história, é a maneira como o governo tem conduzido a política econômica. Sem precauções nem ao menos para evitar aquilo que mais o horroriza - a volta da inflação, mostrando toda a face da incompetência governamental.



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