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Projeto esbarra em áreas desmatadas para pecuária
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A ANAPU (PA)
Quando a mata era fechada, as
imensas castanheiras da gleba Bacajá, onde a irmã Dorothy Stang
foi assassinada no último dia 12,
tinham de esticar seus caules bem
alto, para achar uma nesga de sol.
Disso resultaram troncos imensos, com até 60 metros de altura
(um edifício de 20 andares). Queimadas sucessivas para construir
pastagens derrubaram toda a floresta em torno das árvores. Ficaram os troncos imensos incinerados, as copas desfolhadas, capim
recém-plantado embaixo.
Espectros sinistros da floresta
abatida, as castanheiras mortas
têm como destino o desabamento. Ao longo da estrada de terra
que corta a gleba vêem-se várias
delas no chão.
As araras vermelhas, sempre
em duplas, o único animal a conseguir abrir a casca do ouriço onde podem caber até 30 castanhas,
voam de toco em toco, procurando o alimento extinto. Às vezes,
deixam sementes de outras espécies de plantas no tronco morto.
Germinadas com as chuvas que
desabam no Pará nesta época do
ano, dão a impressão de que a castanheira ressuscita após o fogo. É
só impressão. Os gigantes estão
mortos.
As queimadas servem para fazer pastos. A gleba Bacajá, com 21
lotes de 3.000 hectares cada um,
está coalhada deles.
É nessas terras que a irmã Dorothy queria instalar seu Projeto
de Desenvolvimento Sustentável,
uma tentativa de preservação da
floresta e da biodiversidade.
Relatórios do Incra de 2002 já
apontavam: era tarde para isso.
Sobre os lotes 54 e 55, por exemplo, este último explorado por Vitalmiro Gonçalves de Moura, suspeito de mandante do assassinato
da irmã, diz a conclusão dos estudos de campo: "São imóveis [que]
apresentam pastagens plantadas
em bom estado de conservação,
além de edificações como sede,
currais, açudes, cercas, estradas
internas etc. Uma vez que os referidos lotes hoje são fazendas em
franca produção e independentemente da análise cadastral, tornam-se áreas inviabilizadas para a
implantação de PDS, haja vista
que suas características de exploração vai (sic) frontalmente contra as diretrizes que preconizam a
viabilidade para a implantação de
citados projetos".
Mesmo teor tem a análise dos
lotes 56 e 58, que fazem parte da
Fazenda Bacajá. Diz o relatório:
"É a fazenda de maior produtividade bovina do sudoeste" do Pará. A Bacajá é explorada por Délio
Fernandes, acusado de ajudar
Moura a se esconder da polícia.
O termo técnico usado para
descrever a mão pesada do fazendeiro de gado sobre a floresta é
"antropização". Os fazendeiros
de Anapu, filiados ao Sindicato
dos Produtores Rurais do Município, em carta dirigida em julho
de 2002 ao então ministro do Desenvolvimento Agrário José
Abrão, referiam-se da seguinte
forma aos PDS: "Que existam em
áreas não-antropizadas. Só assim
poderemos coexistir em paz. Caso
contrário, já temos exemplos suficientes de que a inoperância dos
responsáveis pela ordem levou a
grandes tragédias".
Com a defesa dos PDS em áreas
não-antropizadas, os fazendeiros
tentavam jogar a idéia para bem
longe de suas fazendas. Cerca de
200 famílias persistem na área,
tentando viabilizar o projeto.
Em volta, mais de 20 mil cabeças de gado nelorado e muitas tropas de burros, porque cavalo não
resiste ao calor. Este o verdadeiro
cerco.
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