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RELIGIÃO
Grupo formado no ano passado conta com maioria masculina e evangélica, mas pretende ser mais ecumênico
Homossexuais fazem culto em bar gay
PATRICIA ZORZAN
da Reportagem Local
Eles carregam Bíblias, referem-se uns aos outros como "irmãos" e cantam juntos hinos de
louvor a Deus. Mas as semelhanças com as cerimônias religiosas
tradicionais terminam aí.
Prova disso foi o culto da semana passada, realizado em um bar
gay, e presenciado por uma maioria de fiéis do sexo masculino.
Reunidos desde outubro do ano
passado na Comunidade Cristã
Gay, um grupo de cerca de 30 homossexuais vem se encontrando
pelo menos uma vez por semana
para cultuar a Deus em São Paulo.
"As igrejas nos discriminam e
perpetuam o preconceito. Queríamos uma nova ética religiosa e não
poderíamos fazer isso nas igrejas
tradicionais sem despertar conflito", explica Elias Lilikã, um dos
fundadores da comunidade.
A idéia, segundo ele pioneira no
país, surgiu a partir da constatação do grupo de que muitos homossexuais, apesar de religiosos,
não podiam expressar sua fé sem
abandonar sua orientação sexual.
"O fato de eu poder entrar em
um culto de mãos dadas com meu
namorado e poder orar por ele em
voz alta é básico", afirma Tarcísio,
um dos responsáveis pelo surgimento do grupo, que prefere não
revelar seu sobrenome.
Outros entrevistados foram
identificados por nomes fictícios.
Embora a proposta inicial fosse a
realização de cerimônias ecumênicas, hoje os encontros seguem
uma orientação predominantemente evangélica.
De acordo com Lilikã, a mudança ocorreu porque a maioria dos
frequentadores é ligada às igrejas
evangélicas. Dos atuais 30 membros, apenas 5 são católicos.
O número de homossexuais do
sexo feminino também é reduzido
- apenas uma-, o que transformou a presença de duas mulheres
no culto de domingo passado em
motivo de comemoração.
"Existem menos mulheres homossexuais e elas também se sentem menos à vontade para assumir", diz Lilikã, estudante de letras com 32 anos.
A escolha do bar como templo
improvisado da comunidade
aconteceu por falta de opção. Desalojados do prédio da USP na rua
Maria Antônia (região central),
onde costumavam se reunir, o
grupo não teve outra alternativa.
"A igreja não é um prédio. São as
pessoas que se encontram para
louvar a Deus. Somos uma comunidade religiosa do jeito que somos", disse o ex-seminarista Luiz
Fernando, responsável pelo culto
da semana passada.
Mesmo assim, para evitar problemas como esse, a comunidade
pretende iniciar a cobrança de dízimos dos fiéis. "Hoje, as pessoas
colaboram por conta própria. Mas
estamos pensando no dízimo. Afinal, se queremos ter um templo
próprio...", afirma Tarcísio.
A busca dessa nova ética passa
ainda pela discussão da interpretação que a Bíblia faz da homossexualidade. Na avaliação da comunidade, todo o discurso contra os
gays é religioso e elaborado pela
igreja. "É um autoritarismo muito
forte usar a palavra de Deus para
reprimir as pessoas", diz Tarcísio.
Em função disso, o grupo procura reforçar a legitimidade de sua
opção sexual. O sentimento de
"orgulho de ser gay" esteve presente em depoimentos prestados
no culto do último domingo.
"Ninguém nos separa do amor
de Deus. Todos somos seus filhos e
filhas, independentemente da
condição sexual. Deus é nosso
pastor e ele sabe que somos gays",
afirmou Luiz Fernando durante o
início de sua pregação.
Apesar de hoje se considerarem
apenas uma comunidade religiosa, o grupo tem planos de se transformar formalmente em uma igreja. "Queremos ainda ampliar nossa atuação, abrindo espaço para
judeus, espíritas e também heterossexuais", diz Tarcísio.
Segundo Lilikã, o que diferenciará sua futura igreja das religiões
tradicionais será o fato de que todos poderão "falar livremente sobre suas opções". "Além das confraternizações que fazemos no final dos cultos, quando podemos
nos conhecer melhor e até namorar, por que não?"
em
Informações: Centro de Estudos Homoeróticos da USP. Tel.: 220-657
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