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São Paulo, terça-feira, 22 de abril de 2003

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RESGATE IDEOLÓGICO

No governo, presidente faz duro ataque ao neoliberalismo

Lula defende Estado forte e critica o "poder" do mercado

Alan Marques/Folha Imagem
O governador mineiro Aécio Neves (PSDB), ao lado de Lula e da primeira-dama Marisa, em Ouro Preto


FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A OURO PRETO

PAULO PEIXOTO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM OURO PRETO

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou a celebração do Dia de Tiradentes, ontem, em Ouro Preto (Minas Gerais), para fazer uma enfática defesa do papel do Estado na sociedade e uma crítica dura à idéia de que o mercado deve ser totalmente livre.
Falando a cerca de 5.000 pessoas no centro histórico da cidade, Lula, cujo governo é criticado até dentro do PT por abraçar teses liberais, disse que duas idéias estão sendo superadas: a do Estado mínimo e a de que o mercado é resposta a todos os problemas.
"Duas idéias defendidas nas últimas décadas, como se fossem verdades incontestáveis, já revelaram sua inconsistência e estão sendo superadas em boa parte do mundo: [de que" o Estado nacional deve ser mínimo e em consequência fraco e [de que" tudo pode ser deixado por conta do mercado, que resolve automaticamente todos os problemas", disse, em discurso lido após receber do governador Aécio Neves (PSDB) a Medalha da Inconfidência.
O mercado, segundo Lula, é uma "alavanca" na vida econômica e deve ser "dinamizado ao máximo". "Mas nós sabemos que há valores que não devem e não podem estar subordinados à lógica mercantil. O direito à vida e tudo o que ela implica não pode ser objeto de compra e venda", afirmou.
O discurso do presidente retomou um tema que sempre foi marcante na trajetória do PT oposicionista, mas que até agora estava ausente na retórica do PT governista -a crítica ao chamado neoliberalismo. Ele pode ser interpretado como uma preocupação de Lula em evitar que se aprofunde o distanciamento com sua base social histórica.
Documento divulgado há dez dias pelo Ministério da Fazenda -"Política Econômica e Reformas Estruturais"-, que teve como um dos autores o secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa, de formação liberal, sugere que o equilíbrio fiscal, e não a geração de saldos comerciais, é a chave para crescer. O documento foi criticado duramente pela economista Maria da Conceição Tavares, uma das principais referências do pensamento econômico do PT, em entrevista à Folha.
Ontem, Lula se colocou ao lado da idéia tradicional defendida pela esquerda, da superação da vulnerabilidade externa como prioridade. "Estamos elevando cada vez mais as exportações e queremos expandir a poupança e o mercado interno. Sem isso, não reduziremos a nossa vulnerabilidade. (...) O país continuará a contrair dívida nova para pagar juros da dívida velha, num círculo vicioso que sufoca e imobiliza", disse.
O presidente indicou que escolheu a data para definir ideologicamente seu governo. "O dia de hoje dá oportunidade de refletir sobre os legítimos interesses nacionais. Os inconfidentes fizeram uma pergunta que permanece válida: quem pode decidir os destinos de um país?"
Retomando retórica frequente na campanha do ano passado, Lula atacou o "fosso profundo" entre ricos e pobres causado pela globalização e prometeu uma inserção mundial "ativa e criativa", não "passiva e subalterna".
Num tom parecido com o de FHC, Lula pediu uma globalização com justiça social. "Estamos atuando para garantir que uma globalização socialmente justa transforme-se em realidade." Mas o presidente rejeitou atitudes extremistas, como isolamento internacional e xenofobia.
Lula criticou o que caracterizou como apatia do governo anterior, que teria reduzido a relevância do Estado e defendeu as reformas. "Não podemos tudo, mas podemos muito mais. O imobilismo a que ficou relegado o Estado brasileiro nos últimos anos e a atrofia que lhe foi imposta devem ser revertidos", afirmou o presidente.
Ele voltou a defender as reformas, "imprescindíveis para que o país volte a crescer, gerando emprego e distribuindo renda". Pediu ao Congresso que cumpra com seu papel "neste momento chave de nossa história".
Após deixar Ouro Preto, Lula foi a Belo Horizonte, onde visitou o ex-prefeito Célio de Castro, afastado definitivamente do cargo há duas semanas devido a um derrame cerebral sofrido em 2001.



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