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RUMO A 2006
Pré-candidato à Presidência da República considera ser alternativa à aproximação programática entre PT e PSDB
Democracia senil trava país, diz Mangabeira
RAFAEL CARIELLO
DA SUCURSAL DO RIO
O intelectual e professor da faculdade de direito da Universidade Harvard e colunista da Folha
Roberto Mangabeira Unger, 57,
diz que decidiu lançar sua candidatura à Presidência da República
como alternativa ao que entende
como falso amadurecimento da
democracia brasileira, ou seja, a
aproximação programática entre
PT e PSDB.
"A democracia brasileira não se
tornou mais madura: querem que
ela se torne senil, que o país passe
diretamente da infância à senilidade", afirma. A tal velhice se expressa na aceitação de "um rumo
que não funciona". "Se não houver crise, continuaremos a viver a
mediocridade aqui dentro. Se
houver crise, ela repercutirá no
Brasil em dobro".
Apesar de sua primeira aparição pública como candidato ter
acontecido no programa de TV
de um partido pequeno , o PHS
(Partido Humanista da Solidariedade), na semana passada, ele diz
que ainda não está filiado a nenhuma sigla e que, idealmente,
concorreria pelo PDT.
Dono de um forte "sotaque estrangeiro", o professor de Harvard diz que não se candidataria
se as circunstâncias "fossem normais". "Que um homem com sotaque estrangeiro esteja propondo o caminho da afirmação nacional é paradoxo em cima de paradoxo. Eu não escolhi esses paradoxos, foi a vida quem escolheu."
Folha - Por que o sr. resolveu ser
pré-candidato à Presidência?
Roberto Mangabeira Unger - Estou convencido de que o país precisa de alternativa e quer alternativa, pela qual o eleitorado votou
em 2002 e que não foi implementada. O país está num rumo que
não funciona. Pelo rumo que os
nossos governos recentes tomaram, se não houver crise, continuaremos a viver a mediocridade
aqui dentro; se houver crise, ela
repercutirá no Brasil em dobro.
O segundo sentido é que, mesmo que eu não acreditasse que o
quadro sucessório está muito
mais aberto do que parece, eu me
sentiria na obrigação de fazer um
gesto cívico. Ainda que esse gesto
fosse condenado a ser apenas um
símbolo de resistência e um chamamento à ação dirigido aos
idealistas do Brasil.
Folha - Por que o quadro sucessório está mais aberto do que parece?
Unger - Embora o país pareça
tristemente resignado ao projeto
compartilhado pela coalizão do
PT e do PSDB, ele não abandonou
a busca de uma saída. Falta a apresentação de uma mensagem e
mensageiros com credibilidade
para encarnar uma alternativa.
Numa só fórmula: o social como
base do econômico. Vivemos
anos em que nos conformamos
com o modelo econômico que
nos era recomendado ou imposto
como o caminho necessário e
com a idéia de que o social seria
uma maneira de atenuar as crueldades do econômico. Fica cada
vez mais claro que não é assim.
Folha - A avaliação do presidente
Lula continua muito boa, e suas
chances de reeleição são grandes.
Unger - O fator fundamental é a
ausência de alternativa. O país só
pode escolher entre as alternativas apresentadas. O que é apresentado como opção são os que
governam agora ou os que governavam antes. A disputa se reduziu
a um contraste de competências
relativas. Diante disso, é natural
que o presidente desfrute de uma
grande vantagem. Ele é um homem com quem a maioria da população pode se identificar.
Folha - Por que o PHS?
Unger - Não estou filiado ao PHS
nem a partido algum. Cheguei à
conclusão de que tinha de atuar
por minha própria conta. Nos
meses que antecederam a morte
de Leonel Brizola, ele discutia a
hipótese de eu me refiliar ao que
foi historicamente o meu partido,
o PDT, e ser proposto como pré-candidato à Presidência. Esse caminho, pelo menos a curto prazo,
tornou-se inviável, porque há vários pretendentes legítimos no
PDT. Quando surgiram notícias
nos jornais a respeito dessa minha
intenção, fui procurado por esse
pequeno partido, que me ofereceu apoio e tempo na televisão.
Não me fez nenhuma exigência.
Folha - Para onde o sr. vai? Tem
conversado com alguém?
Unger - Continuo conversando
com lideranças partidárias. Em
tese, poderia me filiar a um desses
pequenos partidos.
Folha - Com quem o sr. tem conversado?
Unger - Com líderes de muitos
partidos. Prefiro não especificar.
Não sobre minha filiação, mas sobre o país e o quadro sucessório.
Folha - Opções construídas em
torno do nome de uma pessoa que
está fora do status quo partidário
são vistas com desconfiança, e as
experiências históricas desse tipo
são controversas.
Unger - Mas qual é a solução que
temos, na prática? Num sistema
como o nosso, em que os partidos
são, infelizmente, frágeis, em que
a população desconfia de partidos
e de políticos, qualquer alternativa tem de ser, ao mesmo tempo,
programática e pessoal. Esse é o
único caminho real. O que pode
manter a integridade na direção é
que não se reduza a um personalismo, mas que seja guiado por
um movimento real na sociedade.
Folha - Muita gente vê a aproximação programática entre PT e
PSDB como um sinal de maturidade da democracia brasileira.
Unger - Esse pensamento é falso
e ruinoso para o país. A democracia brasileira não se tornou mais
madura: querem que ela se torne
senil. Que o país passe diretamente da infância à senilidade.
Folha - Qual é a alternativa?
Unger - Democratizar o mercado e aprofundar a democracia.
Dentro desse marco amplo, temos uma tarefa muito específica
no Brasil: fazer prevalecerem os
interesses do trabalho e da produção; capacitar os brasileiros; criar
uma vida pública idônea, que não
seja dominada pelo dinheiro e pelos acumpliciamentos mafiosos.
A curto prazo, a primeira coisa é
forçar o juro para baixo, para que
o custo do dinheiro fique abaixo
da taxa de lucro das empresas.
Não adianta prometer emprego,
mas tem de ter um governo que
privilegie os interesses da produção e do trabalho. Para isso, é preciso persistir no sacrifício fiscal e
usá-lo como poder de barganha
do Estado e renegociar a dívida
interna do país.
Temos entre metade e dois terços da população economicamente ativa no purgatório da informalidade. A maneira mais rápida e eficaz de resgatá-los da informalidade é abolir todos os encargos e tributos que recaem sobre a folha de salários e passar a financiar os direitos na base dos
impostos gerais.
A segunda diretriz: o ensino. É
preciso instituir um sistema de
monitoramento e avaliação constante; definir mínimos de desempenho de cada escola e de investimento por cada aluno; organizar
um sistema de coordenação entre
os três níveis da federação para intervir corretivamente e redistribuir recursos e quadros quando
os mínimos não forem atendidos.
A terceira diretriz relaciona-se
ao fato de termos uma política envenenada pelo negocismo. Antes
de mudar o sistema de funcionamento eleitoral, há uma medida
muito simples, que não exige mudar lei nenhuma. Governante, no
ponto em que chegamos, não pode conversar no escuro com grande empresário. Temos que criminalizar de fato qualquer prática de
trocas de influências e favores entre os endinheirados e os poderosos. A solução simples e radical é
acender as luzes.
Folha - O sr. acha que suas características pessoais, o sotaque sobretudo, podem atrapalhar a empatia com o eleitor?
Unger - Que um homem com
sotaque estrangeiro esteja propondo o caminho da afirmação
nacional é paradoxo em cima de
paradoxo. Eu não escolhi esses
paradoxos, foi a vida quem escolheu. Por outro lado, sinto que os
brasileiros são magnânimos e que
seria difícil encontrar no mundo
um eleitorado menos preconceituoso do que o nosso. Depois do
primeiro choque de estranhezas,
o país vai passar para o conteúdo.
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